A Música no Culto

por: João Wilson Faustini

Nossas vidas estão repletas de oportunidades para um contato íntimo com Deus. A natureza, com suas diversas manifestações de maravilha, o desenrolar concatenado dos planos divinos, ou mesmo a Bíblia, são meios pelos quais podemos ouvir a voz de Deus e cultivar aquela partícula divina que nos foi dada na criação do mundo.

Os salmistas, particularmente Davi, tiveram profundas experiências do amor de Deus, e o culto que suas almas prestaram a Ele ainda serve de exortação aos crentes, por meio do livro dos Salmos que eles nos deixaram. Foi movido por esse sentimento espontâneo de louvor e gratidão a Deus que os fiéis do passado se reuniam para, juntos, expressarem seus louvores, contarem uns aos outros as maravilhas divinas, e exaltarem esse grande Benfeitor. Mais tarde esse reconhecimento a Deus pela sua bondade e o engrandecimento do seu nome foi deixando de ser espontâneo e foi tomando formas mais definidas e formais. Com o desenvolvimento da música, a mesma passou a ter um papel importante nas formas de expressão pelas quais os fiéis, de maneira mais organizada, exprimem seus louvores e suas ações de graças.

Ainda é atual, porém, e sempre será, a exortação do salmista, que nos convida a expressar de maneira audível o nosso júbilo ante a contemplação das obras de Deus, das maravilhas da sua palavra, e dos planos incompreensíveis, mas maravilhosos, que Ele coordena. É muito importante também que cantemos bem e com inteligência, pois é o salmista mesmo que nos diz: “Posto que Deus é o Rei de toda a terra, cantai louvores com inteligência” (Salmo 47:7) e, também: “Cantai-lhe um cântico novo; tocai bem e com júbilo” (Salmo 33:3).

Falando-se de modo geral, a música, como as demais artes, possui algo de espiritual, abstrato e elevado, o que a faz quase que sacra e religiosa per se. A música deve ser cultivada porque é um dom divino e nos ajuda a perceber as atmosferas espirituais. Foi por isso que Charles Landon assim se expressou: “A música é o melhor dom de Deus ao homem, a única arte do céu dada à terra, e a única arte da terra que levaremos ao céu. Mas a música, como todos os nossos dons, nos é dada em germe. Cabe a nós desenvolvê-lo e desdobrá-lo pelo cultivo e pelo estudo.”

Mesmo Lutero, o grande reformador, como grande músico que era, fez muito pelo pelo restabelecimento do canto congregacional e, assim, se expressou com referência à música: a música é uma linda e gloriosa dádiva de Deus, tão elevada quanto a teologia. Esta bela arte deve ser ensinada diligentemente e continuamente aos meninos e meninas, porque ela realiza um serviço importante fazendo deles pessoas hábeis e polidas. A música é capaz de tornar as pessoas mais modestas, gentis e razoáveis. A música é uma arte suprema porque as notas dão vida ao texto. Ela afugenta o espirito de tristeza, os pesares e a aflição.

Joseph Ashton, no seu famoso livro “A Música no Culto”, deixa bem claro o propósito da música no culto. Assim se expressa ele: O propósito da música é animar e nutrir a nossa vida religiosa. Ela não deve chamar atenção a si mesma, mas, sim, ao texto. Santo Agostinho, já no ano 394 AD, se preocupava com a importância do texto e escreveu o seguinte: “Quando acontece que sou movido mais com a voz do que com as palavras que canto, confesso que peco”.

João Wesley, o fundador do Metodismo, com seus irmãos Carlos e Samuel, muito fez pelo desenvolvimento da música sacra. Carlos Wesley escreveu mais de 6.500 hinos, mais de 4.000 tendo sido publicados. O próprio João Wesley nos deixou uma lista de observações que devem sempre ser relembradas quanto ao uso dos hinos:

1 – Aprenda a música.
2 – Cante os hinos como estão escritos.
3 – Cante o hino inteiro. Se isso for uma cruz, tome-a e a achará uma bênção.
4 – Cante vigorosamente e com animação.
5 – Cante modestamente e não grite.
6 – Cante no compasso certo, não corra adiante e nem fique atrás.
7 – Acima de tudo, cante espiritualmente.

Em cada palavra que cantar tenha Deus em sua mente. Procure agradar mais a Deus que a si próprio ou a outra criatura qualquer. Para isto, preste atenção cuidadosa no sentido do que está cantando e tenha certeza de que seu coração não está sendo levado pela beleza do som que está produzindo, mas, sim, que o seu canto seja uma oferta contínua a Deus.

Nem sempre a beleza da música sacra corresponde ao seu valor genuíno. É Ashton quem ainda afirma: “O valor da música sacra não está baseado na gratificação estética, ou na beleza que ela oferece”, e, mais além, continua: “Beleza não é a coisa principal; porém, deve-se procurá-la, quando for apropriada.”

Vamos ser bem cuidadosos a respeito da música que usamos em nossos cultos. Há uma grande tendência em nossas igrejas de fazer do coro, ou da música em geral, um elemento de recreação e deleite aos ouvidos. No entanto, o que é mais importante é o que por ela expressamos, a mensagem que ela traz, ou a reverência que cria.

Quanto à reverência, também, temos muito que melhorar aqui no Brasil. É inestimável o valor do silêncio na Casa do Senhor. Pelo menos três dos profetas menores nos exortam a silenciar diante de Deus e da sua tremenda majestade: “O Senhor está em seu Santo templo: cale-se diante dele toda a terra” (Hab.2:20 e também Sof. 1:7; Zac. 2:13.)

Muitas vezes reclamamos que o culto foi vazio e que dele pouco aproveitamos, mas mal sabemos que a falta é inteiramente nossa, se nada contribuímos para que a atmosfera do mesmo fosse de verdadeira adoração e reverência. Mesmo que não sintamos o espirito de reverência, não temos direito algum de prejudicar ou interferir na comunhão que outros estão obtendo com Deus. Na solidão podemos muitas vezes sentir Deus bem perto, mas, quando o conseguimos numa reunião coletiva, alcançamos uma experiência rara em nossa vida, e nos sentimos mutuamente ligados uns aos outros e a Deus pelos laços de amor cristão. Tal experiência comum do contato das almas com Deus vale mais do que muitos sermões, se for adquirida num ambiente convenientemente espiritual.

Há muitos fatores em um culto que são constantes tentações para impedir o nosso contato com Deus. É por isso que as partes técnicas do culto devem ser muito bem preparadas, as leituras estudadas, os hinos escolhidos apropriadamente, as orações previamente solicitadas e as seqüências das diferentes partes bem organizadas. Qualquer parte do culto que chame a atenção para si mesma em vez do todo dificulta e pode servir de empecilho ao propósito do culto, que é Deus.

A música, a poesia, as figuras de linguagem ou mesmo a arquitetura do templo, se forem usadas como atração ou mera satisfação intelectual, não se ajustam em um culto a Deus. Se, porém, essas artes estiverem enraizadas no sentido religioso e forem usadas como ajuda direta da expressão religiosa, ou para associações também idênticas, elas serão instrumentos incomparáveis em nossas mãos, para servir de elo entre nós e Deus.


Prof. João Wilson Faustini é Diretor do Departamento de Música


Fonte: “A Música no Culto”, de João Wilson Faustini, publicado na revista Idealista, Ano XI, nº 77, de Novembro de 1955.