As Influências do Culto do Antigo Testamento na Liturgia

por: Gerard Van Groningen *

Porque grande é o Senhor e digno de louvor, mais tremendo do que todos os deuses. Porque todos os deuses dos povos são cousas vãs; mas o Senhor fez os céus. Glória e majestade estão ante a sua face, força e formosura no seu santuário. Dai ao Senhor, ó famílias dos povos, dai ao Senhor glória e força. Dai ao Senhor a glória devida ao seu nome: trazei oferendas e entrai nos seus átrios. Adorai ao Senhor na beleza da santidade: tremei diante dele todos os moradores da terra (Salmo 96: 4-9).

Este Salmo bem poderia estar escrito no Novo Testamento. Embora eu não seja um especialista em liturgia, aquilo que vou dizer é extraído de uma perspectiva teológica, exegética e bíblica do Antigo Testamento. Contudo, eu vos falo como alguém que não é brasileiro, e não estou certo se compreendo todas as preocupações e os problemas que os irmãos têm aqui. Permitam-me, então, fazer um breve relato da minha situação como estrangeiro. Nos últimos 45 anos, tenho servido o Senhor em sete países: Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Nigéria e, o melhor de todos, o Brasil. Tudo isso dentro do contexto da Igreja Presbiteriana Reformada; que, de modo geral, no mundo todo, obedece a um princípio litúrgico. Embora a prática, a conduta, e a aplicação dos princípios varie muito de lugar para lugar.

Mas em qualquer que seja o país, etimologicamente, “liturgia” significa “pessoas trabalhando”, não pessoas se divertindo, se alegrando, fazendo o que bem entendem, mas pessoas trabalhando conforme a vontade de Deus. Estar envolvido liturgicamente é estar trabalhando na adoração, no culto. Quando trabalhamos na questão do culto, nós, na verdade, expressamos a dignidade de Deus. E nós, trabalhadores, somos indignos, por natureza, para expressar a dignidade de Deus. Como é que nós, indignos, podemos expressar dignidade? Esse tem sido o problema básico da liturgia do culto desde a entrada do pecado até agora.

Algumas vezes fico com a impressão de que as pessoas pensam que Deus é honrado porque nós somos dignos: “Vejam como eu posso cantar! vejam como eu posso tocar um instrumento!”. Tenho sentido isso em todos os lugares onde trabalhei, e me parece que no Brasil o problema não é diferente. Meu professor de Liturgia, que representava os princípios litúrgicos reformados tanto da Holanda como da América do Norte, dizia que solenidade e dignidade são fundamentais na liturgia; e que devemos comparecer como um todo perante o nosso Redentor, não permitindo que o coro tome o lugar da congregação para expressar o louvor. Deus quer que eu cante como membro da congregação, não quer ser divertido pelas partes do culto.

O professor de Liturgia, no Seminário Westminster, era menos rígido quanto à participação da congregação no culto. Mas ele gostava que os crentes expressassem o seu louvor e sua adoração a Deus inclusive pela maneira como eles se vestiam no culto. Ele dizia: “A vossa aparência expressa a vossa adoração, a vossa apreciação pelo que Deus é”. Isso era presbiterianismo nos anos 50. Será que as coisas mudaram nos últimos 40 anos?

Um teólogo liberal, batista, de nome Clark, diz o seguinte: “Nós vivemos em um ambiente em que há uma renovação teológica e litúrgica. Novos pontos de vista, novos entendimentos, novas formas, novos métodos e padrões, todos eles estão lutando para nascer”. Ele está certo, mas a questão é esta: Quanto disso vem das Escrituras e quanto vem do desejo das pessoas?

Vejo que há muita divisão quanto ao modo de culto. Como tenho observado, o problema que existe aqui no Brasil existe também no Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália, Nova Zelândia, na África do Sul, e em todos os lugares onde tenho ido nestes últimos anos. Dizem: “deixem as pessoas se expressarem da forma como elas querem!”. E constantemente empregam indevidamente o Antigo Testamento. Não se pode esquecer que no Antigo Testamento, no Tabernáculo e no Templo, a adoração era prescrita e controlada; não era uma questão de deixar as pessoas se expressarem como quisessem. Assim, nada obstante gostarem de ir ao Antigo Testamento, só buscam as passagens que pensam favorecer suas ideias. Eles se referem, por exemplo, ao Salmo 47:1 onde diz: “aplaudi com as mãos, nações”. Mas que nações? Aquelas que foram conquistadas! Não as vitoriosas, mas aquelas que foram trazidas sob a vontade de Deus. Que essas nações aplaudam com as mãos! No Salmo 98:8 lemos: “Os rios batam palmas”. Como é que rios batem palmas? Ainda: “regozijem-se também as montanhas”. Regozijem!? Cantem!? Elas cantam? Porque as pessoas literalizam esse tipo de metáfora? Nós temos um cântico, que às vezes entoamos na nossa Igreja, cuja letra diz “as árvores batam palmas”, conforme Isaías 55:12. Também vemos pessoas batendo palmas quando um rei era entronizado, coroado. Mas quando as pessoas hoje querem razões para bater palmas elas usam estas metáforas singulares, exclusivas e específicas, essas pessoas literalizam ideias, imagens, mas não têm ninhos de passarinho ao redor do local de culto, como diz o Senhor, também não se lavam com hissopo, como diz o Salmo 51; não constroem muros em torno de Jerusalém, como diz o Salmo 51:18. É muito interessante o uso que essas pessoas fazem do Antigo Testamento, pegam passagens aqui e ali, mas somente as que lhes interessam, e as torcem segundo as próprias inclinações.

Como posso adorar a Deus segundo os princípios tanto do Antigo quanto do Novo Testamento? Olhando para a sociedade, encontramos três ênfases básicas: Há uma ênfase reformada, ou renovada na liturgia. Não estou falando dos puritanos, mas dos círculos reformados, tanto nos Estados Unidos como no Canadá, eles estão copiando padrões da Igreja Anglicana antiga. Há uma reação contra essa ideia: “Deixem as pessoas fazerem como entendam!” E agora temos ainda mais divisões do que antes, quanto ao modo de adoração. Se uma ênfase diz: “Vamos fazer o que a Igreja fez tradicionalmente”; a outra diz: “Liberdade! liberdade dos tempos do Novo Testamento; vamos ter o Espírito Santo dirigindo”. Isso nos dá a impressão de uma Igreja somente no campo social, com reuniões mais com propósitos sociais do que de adoração a Deus. Há uma terceira posição, que é a daqueles que querem conservar a liturgia tradicional reformada. Eles não querem seguir os costumes como o uso de togas; ou ajoelhar-se, como os anglicanos. É um apelo à tradição puritana, querem cultuar como os puritanos fizeram, e eu estou ouvindo alguns rumores de que isso está acontecendo também no Brasil. Então aqui estamos nós com a tríplice divisão novamente.

Quanto a essa ideia de que pessoas devem se reunir da forma como bem entendem, perguntamos: Como podemos entender então, nós que somos reformados e queremos seguir os princípios das Escrituras, como colocamos as Escrituras em tudo isso? Eles enfatizam que o Novo Testamento é a dispensação da liberdade, mas se esquecem de que esta liberdade é controlada por princípios e eu posso citar quatro princípios específicos que os meus professores extraíram do Novo Testamento: a) A centralidade de Cristo, b) o Deus Triúno; c) a necessidade de ordem, por parte dos cultuadores, d) a administração correta daquele que é indicado como o líder no culto. Todos têm que concordar que há uma necessidade de honrar a Deus e adorá-Lo, com um serviço que ao mesmo tempo honra a Deus e edifica o povo. Mas lembrem-se: edificação, e não divertimento, deve ser o princípio básico. Esta é a ênfase tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.

Esses são os meus comentários introdutórios, mas vamos considerar o aspecto real do problema: Será que o Antigo Testamento oferece direção para uma adoração no culto contemporâneo? Isso nos leva imediatamente a um problema histórico que oferece um estudo muito desafiador: Que parte do Antigo Testamento devo estudar?

Há pelo menos quatro épocas representadas no culto no Antigo Testamento:

Primeira: De Adão ao Êxodo.
Era um culto centralizado na família, pode ser chamado de adoração doméstica. Há alguns que gostariam de estar lá, naquele período de Adão, com um culto familiar. Estes buscam base para isso também no Novo Testamento. Mas o fato é que o culto centralizado na família era anterior ao Êxodo, o altar era central. No altar, Deus e o povo se encontravam e havia sacrifícios. Caim e Abel sacrificaram e, embora não saibamos que tipo de altar eles construíram, sabemos com certeza que o diabo estava ativo lá. Foi no cenáculo da liturgia que o primeiro homicídio aconteceu. Não é uma contradição terrível? Havia os sacrifícios de expiação de pecados, como lemos em Jó 1. Jó sacrificava pelos pecados dos seus filhos. Havia sacrifícios de gratidão. Noé sacrificou depois de ter saído da Arca. Enoque andou com Deus, Abraão andou com Deus, mas não nos é dito como eles cultuavam, não há qualquer prescrição desde Gênesis 1 até Êxodo 19 sobre como deve ser o culto. O que encontramos é descrição, nós sabemos o que eles fizeram, mas não porque fizeram ou se tinham que fazer assim. Mas acreditamos que eles eram conduzidos pelo Espírito.

Segunda: Desde Moisés, em Êxodo 19, até I Samuel.
Foi o período do Tabernáculo. O Tabernáculo era a habitação simbólica de Deus, era um palácio portátil, mas era um palácio. Nele estava a Arca, o lugar do trono de Deus. Quero repetir que Deus era o Rei, Ele reinava no meio do seu povo, e ai daquele que não O honrasse como tal. No tabernáculo também havia a mesa, falando da provisão maravilhosa de Deus para o Seu povo; havia o candelabro, sete lâmpadas, representando o Espírito de Deus que produz luz; havia o local de incenso, representando as orações do povo que eram levadas a Deus, o Rei; havia o altar, do lado de fora, antes da entrada. Imaginem, então, Deus, o Rei, saindo do Seu trono e postando-Se à entrada do tabernáculo, ali junto ao altar; e o sacerdote, representando o povo que vinha do outro lado, e eles se encontravam no altar de adoração, de consagração, lugar de interação amorosa, o lugar onde o pecado era removido pelo derramamento de sangue, lugar onde o povo recebia a segurança. Mas antes que o sacerdote pudesse chegar ao altar havia a bacia, ali era onde a purificação externa tinha que acontecer. O sacerdote tinha que se lavar, os sacrifícios tinham que ser externamente limpos, nenhuma impureza externa era aceita, Deus exigia pureza, limpeza. No altar, o coração era purificado, mas antes que o coração fosse purificado o povo tinha que se purificar externamente; o sacerdote que representava o povo tinha que comparecer perante Deus totalmente purificado e limpo.

A primeira prescrição que temos para adoração, portanto, é que todas as coisas expressavam a Pessoa de Deus, Seus atributos, Sua presença, Seu relacionamento com o povo, e como o povo respondia a Deus. No Antigo Testamento, no Tabernáculo, o sacerdote tinha um papel muito importante, era o mediador entre Deus e o homem. Eles tinham que trazer os sacrifícios que o povo lhes davam, mas também tinham a grande tarefa de intercessão; eles tinham que trazer perante Deus as preocupações, os cuidados, e as alegrias do povo. E os sacerdotes não eram apenas responsáveis pelo trabalho de intercessão, tinham também que trabalhar, receber as apreensões, os cuidados, prestar serviço social, cuidar para que as leis sociais e sanitárias fossem mantidas, etc. E, assim envolvidos socialmente, eles podiam interceder melhor, e os sacrifícios que eles traziam eram mais significativos.

Mas além disso, os sacerdotes tinham uma outra tarefa, eram eles que tinham que trazer a Palavra de Deus, inscritas nas duas pedras, perante o povo, para a leitura. Eles tinham apenas que manter a Palavra, tinham a tarefa de fazer com que as Escrituras fossem repetidamente lidas perante o povo. A Palavra que Deus dera, através dos profetas, era ensinada pelos sacerdotes. Foi por esta razão que Paulo, no Novo Testamento (Romanos 15:16) disse: “para que eu seja ministro de Jesus Cristo entre os gentios, no sagrado encargo de anunciar o Evangelho de Deus”, a expressão que ele usa enfatiza o aspecto sacerdotal, o ministro de Deus. Paulo está aqui apresentando a figura de que o pregador coloca-se entre Deus e o povo como um sacerdote, ele tem o trabalho de representar o povo diante de Deus e ao mesmo tempo de servir ao povo, ensiná-lo ministrando o Evangelho. Isso indica novamente que não havia aquela distinção tão nítida entre o trabalho do sacerdote e o do profeta, mas sim uma espécie de interação entre as duas atividades. Tanto o profeta como o sacerdote tinham a responsabilidade de prover as necessidades sociais do povo; mas nenhum profeta, a não ser Moisés e Samuel, pôde oferecer sacrifício. Somente os sacerdotes podiam fazer isso. Sabemos que Uzias foi condenado porque ofereceu sacrifício. Então, avançando do tabernáculo para o sacerdócio, encontramos mais de vinte tipos de sacrifício que deviam ser trazidos; se fizermos um estudo desses sacrifícios vamos ver que cada aspecto da nossa vida, cada uma de suas dimensões, de uma maneira ou de outra, está neles representada.

As festas e sábados também foram prescritos. Por que o sábado? Deus quer que o povo tenha tempo para Ele, quer que o povo O ame, e amor toma tempo. A minha esposa sempre está me lembrando esse fato, e se vocês são casados sabem o que estou dizendo. Deus quer o nosso tempo, e infelizmente a grande tragédia no mundo hoje é que o tempo de Deus é o nosso tempo. Pergunte a você mesmo, como você gasta o seu domingo? No Antigo Testamento, aqueles que violavam o sábado eram apedrejados, pois estavam roubando o tempo de Deus. Uma das grandes evidências da guarda do pacto no Antigo Testamento era a observância do sábado. É verdade que não podemos absolutizar tanto isso. Os puritanos o fizeram, mas o ideal é manter um equilíbrio. Por que Deus deu as festas, e deu fortes prescrições a respeito delas? Porque Ele quer que tenhamos alegria ao lembrar aquilo que fez por nós. Todo festival tinha o seu ambiente de prazer, de alegria, mas no coração do festival estava o sacrifício.

Terceira: De Davi até o Exílio.
Essa foi a época do templo e a maior mudança foi a centralidade do culto. Era a adoração de um povo como um todo. Houve outras mudanças, mas o sacerdócio continuou a funcionar, embora em linha diferente, mas ainda da linhagem de Arão; muitas tarefas levíticas foram mudadas, eles não tinham mais que se preocupar a respeito de carregar aquele palácio portátil, mas tinham que fazer trabalho de manutenção na habitação permanente de Deus, o templo. Davi deu prescrições, em nome de Deus, a respeito dos corais e grupos instumentais, mas os sacrifícios, o serviço sacerdotal, e as festas de sábado continuaram.

Outra mudança relevante tinha que ver com o lugar de adoração. No tabernáculo havia o lugar santo dos santos, com a arca; havia também o lugar santo, para a mesa, o candelabro e o altar do incenso; então havia um lugar onde o sacerdote operava com a bacia e o altar, onde somente eles eram admitidos. Assim, o tabernáculo tinha o lugar “santo dos santos”, um lugar um pouco maior que era o “lugar santo”, e depois a “corte íntima”, onde só os homens eram admitidos. Mas o templo também incluía a “corte das mulheres” e, além disso, em volta, havia a “corte dos gentios”, e não era apenas para os homens, o templo era para todas as pessoas e nações. De acordo com as prescrições, as nações poderiam entrar pela porta, desde que se tornassem parte do povo de Deus. É por isso que os santos do Antigo Testamento e os Salmos cantavam: Nações, louvai a Deus. Sabei que pertenceis a este lugar porque Deus é vosso e vós sois de Deus, conforme diz o Salmo 87.

Quarta: A era do exílio.
Nessa época não havia templo, não havia sacrifício, não havia sacerdócio. Contudo, Deus enviou profetas, como Ezequiel e Daniel. Supõe-se, portanto, que os grupos fiéis se reuniram no exílio e começaram o que depois ficou conhecido como “sinagoga”.

Quinta: A era pós-exílica, com Neemias e Esdras.
A partir de então, o templo foi restaurado, os sacerdotes voltaram a atividade, e os sacrifícios passaram a ser trazidos. Mas a ênfase é colocada sobre a Toráh, a Lei de Deus que era lida perante o povo. Também é nessa época que se supõe que outras traduções da Bíblia começaram a ser feitas, como a aramaica. As sinagogas foram estabelecidas por toda a terra, sinagogas onde homens e mulheres sempre foram mantidos separados, mas onde a Toráh era lida e explicada. Havia cânticos, mas havia também uma divisão de pessoas em grupos diferentes, diferentes práticas litúrgicas nas sinagogas.

Então, à medida que analisamos estas cinco eras, encontramos mudanças, mas há sempre um lugar de adoração; há mudanças na liderança, mas há sempre o papel do líder; há ainda o papel da música, da Toráh e da hora de oração.

Assim, nessas cinco eras, encontramos os seguintes princípios permanentes para o período do Novo Testamento:

1. Adoração.

O culto deve ser centralizado em Deus. Isso não foi mudado no Novo Testamento. A adoração deve ser prestada a Deus, Ele reivindica e espera isso de Seu povo. Cultuar, portanto, é um ato de obediência, é trabalhar para Deus, é serviço. Essa é a razão pela qual podemos falar do serviço de culto, e não da reunião de culto; a menos que você esteja enfatizando o encontro do povo com Deus. Adorar a Deus por causa de Deus significa que honramos o Seu caráter. Ele é espiritual, e por isso Jesus disse que devemos adorá-Lo em espírito. Também por isso a ordem para não fazer ídolos ou qualquer representação física de Deus. Isaías ficou impressionado quando estava no templo e viu a Deus, pois Deus é Santo, separado do que é material, puro; e, como espiritual que é, Ele não está limitado a experiências humanas. As experiências não podem determinar ou governar o tipo de liturgia. Se limitarmos o culto às nossas ideias, estaremos limitando o Deus infinito. Na medida em que viajo por diferentes países do mundo, tenho sofrido pela falta do entendimento do que é a santidade de Deus, e pela falta do verdadeiro culto a Ele. Querem trazer Deus ao nível deles, ao invés de elevarem-se ao nível santo de Deus. Deus não é apenas santo, Ele é também majestoso. Os Salmo 93 diz que Ele está revestido de majestade, Deus é glorioso, é sublime, é lindo. Devemos adorá-Lo no Seu esplendor e na Sua beleza. Se mantivermos a nossa adoração nesse contexto próprio de beleza, majestade, e sublimidade, adoraremos a Deus da forma como Ele deve ser adorado.

O Deus do Antigo e do Novo Testamento é um Deus de amor, bondade, compaixão, e misericórdia. Mas esse Deus compassivo e misericordioso é, ao mesmo tempo, o Governador, o Soberano de todas as coisas. Todos os povos digam: Deus reina! Mas os pregadores, os sacerdotes, devem dizer isso primeiro, conforme Isaías. Na presença do Rei, no Palácio do Rei, os súditos nada são e devem portar-se com humildade e com disposição para servi-Lo. Vocês podem imaginar as pessoas indo ao palácio batendo palma “- Por que você está batendo palma?” “-porque eu gosto.” Não, na presença do Altíssimo a nossa atitude não deve ser baseada naquilo que gostamos, mas sim naquilo que Ele requer que façamos. Afinal, quem está sendo cultuado, você ou Deus? Sinto muito se vocês gostam de bater palmas, isso é tão vulgar, diminui a beleza, e o esplendor da glória de Deus. Se o culto é centralizado em Deus, não apenas devemos honrar o caráter de Deus, devemos honrar também a vontade de Deus. Deus tem falado, e nada deve tomar o lugar da Palavra de Deus que está prescrita para nossa adoração. Eu quero repetir: Deus estabeleceu o tempo e o modo do culto, e isso é uma questão de obediência. É da vontade dEle que confessemos os nossos pecados e que compareçamos à Sua presença com um coração quebrantado, os sacrifícios do Antigo Testamento falam disso. Ele nos conclama a relembrar o que éramos e o que hoje somos como pessoas redimidas.

2. A postura do povo na adoração.

Somos portadores da imagem de Deus, e Ele não se esquece disso. Podemos pensar, sentir, falar e cantar; somos mais do que seres materiais físicos, somos espirituais; e é no culto que ocorre o encontro do nosso ser espiritual e Deus.

3. O líder.

No Antigo Testamento o culto devia ser conduzido diretamente por líderes indicados para esse fim (senão leiam de Êxodo 25 a Levítico 10; e Oséias). Os sacerdotes são condenados por não dirigir o povo, e ainda por serem dirigidos pelo povo. O povo de Deus no Antigo Testamento sempre precisou de líderes, o sacerdote tinha que conduzir o povo naqueles festivais, na expiação; então havia o sumo-sacerdote, o sacerdote, e os levitas, cada um com tarefas determinadas, de acordo com a administração superior do sumo-sacerdote. O Antigo Testamento mostra a necessidade da liderança, e estes sacerdotes tinham que se apresentar, conforme era prescrito, com roupas puras e brancas. Se os seus mantos tivessem uma mancha, eles estariam desqualificados para dirigir o povo no culto. Eles tinham que ter os adornos perfeitos. Deviam ser totalmente consagrados, receber um sangue purificador nas pontas dos dedos das mãos e dos pés, e seguir as prescrições de como o culto deveria ser conduzido. Aliás, só havia um modo de conduzir um culto aceitável, o modo prescrito por Deus. Só assim Ele aceitava os sacrifícios do povo através dos sacerdotes. Eles tinham até mesmo que tomar cuidado quanto ao modo como subiam os degraus das escadas que conduziam ao altar, as suas roupas teriam que ser de tal forma que cobrissem todo o seu corpo em todo o tempo. Estou mencionando esses detalhes porque eles estão lá. Na preparação para o culto, eles tinham que privar-se de contaminação com corpos, com cadáveres, com pessoas doentes e de qualquer relacionamento íntimo com a esposa. Em Levíticos, lemos que quando não houvesse uma obediência estrita a essas prescrições eles seriam mortos. Todos os líderes nesta posição deviam se conscientizar desse caráter mediatório da sua função, eles representavam a Deus perante o povo, eles tinham estado na presença de Deus, eles tinham que refletir a santidade, a majestade, e a beleza de Deus; mas eles também compareciam lá representando o povo, eles falavam a Deus em favor do povo. Deus era o Rei; o povo, os servos; e os sacerdotes, os mediadores. Mas não eram mediadores como reis, e sim como alguém do povo que apontado por Deus para representar o povo perante Ele. Eles tinham que elevar o povo até o padrão de Deus, e não trazer Deus aos padrões do povo. Essa era a prescrição do Antigo Testamento.

Às vezes ouço dizer que não estamos na era do Antigo Testamento. Contudo, também no Novo Testamento podemos ler a respeito de pessoas que foram indicadas para liderar, e foram qualificadas por Deus para esse trabalho. O papel do líder não foi renegado no Novo Testamento.

4. A adoração deve expressar a relação pactual estabelecida por Deus entre Ele e o Seu povo.

Ele é o Senhor Soberano cujo amor tem sido demonstrado em atos e palavras. Mas Ele é o Senhor e nós, os servos. Nessa relação, devemos nos tornar a cada dia mais semelhantes a Ele. Eu ouço dizer que, no casamento perfeito, a esposa se torna mais e mais semelhante ao marido, mas isso é um pouco bilateral, porque o marido também deve aprender com a esposa. Agora, o que me conforta é que Deus não Se torna semelhante a nós, mas Ele nos compreende, e quando não fazemos exatamente o que Ele quer, Ele ainda é compassivo e continua a perguntar: “você me ama?” Todos os que O amam fazem a Sua vontade.

5. O quinto princípio da adoração é que há um julgamento pelo pecado e, por isso, o sacrifício deve ser representado.

O pecado tem que ser coberto, a expiação, a propiciação, foi feita por Cristo, em nosso favor. Os sacrifícios do Antigo Testamento apontavam para aquilo que Cristo iria fazer. No Antigo Testamento não havia culto, e nem adoração, sem sacrifícios; não havia culto sem altar. Para nós, não há culto sem o significado da cruz, não há culto sem Jesus Cristo, que foi imolado e agora reina. Israel tinha que repetidamente ouvir as maldições do pacto sobre aqueles que o violavam; ouvia as bênçãos, mas tinha que ouvir as maldições também, para lembrar-se de que havia um caminho da vida mas que havia também um caminho da morte.

Além disso, a adoração devia também incluir ofertas, e os sacrifícios deviam expressar gratidão, devoção, desejo de comunhão e meditação, prontidão, e voluntariedade para compartilhar coisas materiais com os sacerdotes, levitas, os pobres, e as viúvas. Não havia lugar para a mesquinhez no culto.

No Sinai, Deus trouxe o povo a um lugar; no Tabernáculo, Ele trouxe o povo para Si mesmo; no Templo , Ele atraiu o povo para Si, em um lugar; porque num lugar centralizado, a imortalidade de Deus e a Sua permanência eram expressas de uma maneira mais bela; porque num lugar centralizado a Sua beleza, Sua glória, poderia ser também melhor expressa; mas de uma maneira ainda mais significativa, o lugar centralizado era onde a unidade de Israel, como um só povo, podia ser melhor expressa. Eu devia ter mencionado isto antes mas vou mencionar aqui: No lugar centralizado, aquilo que Deus tem feito deve encontrar também a sua melhor expressão. Como um só povo, reunido num só lugar, devemos reconhecer a Deus como aquele que nos criou e que nos redimiu. Lembrem-se, as festas foram colocadas para lembrar as maravilhas que Deus tinha feito (Deuteronômio 5). A festa do Tabernáculo expressava o modo como eles viveram no deserto e como Deus os conduziu lá; a festa das colheitas era a maneira como eles celebravam as boas coisas que Deus lhes concedia. Portanto, a adoração é uma expressão concreta do reconhecimento de que Deus é um Deus generoso, criador e redentor. No Novo Testamento, isso se traduz em louvores a Deus por nos dar o Seu Filho. Lembramos da morte e ressurreição de Jesus Cristo, do Seu Reino, e do Seu Espírito derramado sobre nós. Assim, também devemos dar ações de graças a Ele através das nossas dádivas.

6. O último princípio de que vou tratar é que o culto é para toda a família.

Pais, como chefes do lar, representando o rei; mães, como as rainhas, tão reais quanto o pai; e os filhos, que são os príncipes e as princesas; todos tiveram que estar lá no culto a Deus, no Sinai. Quando Deus fez um pacto com o Seu povo, eles todos tiveram que estar presentes, até mesmo as crianças de peito; e não havia um culto especial para as crianças lá (estou pisando em terreno perigoso?) Talvez possamos falar um pouco sobre isso. No Antigo Testamento, as crianças tinham que ser trazidas ao templo já no oitavo dia para circuncisão, e na idade de 12 anos já deviam ser consideradas adultas, no que diz respeito ao culto; as crianças eram os futuros servos do rei. Deixem-me lembrar também que as crianças deviam participar da páscoa, e elas tinham inclusive o privilégio de perguntar: “O que significa isso”? E os pais tinham que responder. Isso certamente foi na época em que o culto estava centralizado na família, mas o mesmo é verdadeiro quando o culto foi transferido e centralizado no templo. Eu sou pai de oito filhos, e eu e minha esposa temos experimentado o que é educar, em termos de culto, a essas crianças. Eu sei o que estou falando; nós somos avós de vinte e nove meninos e meninas, então podemos falar a partir de uma situação concreta. Estou pronto para falar sobre isso. Eu acredito em culto familiar, em casa e na Igreja.

Concluindo, no Antigo Testamento encontramos cinco períodos; e, permitam-me enfatizar que foi uma época de sombras, símbolos, tipos, e de preparação para a vinda de Cristo. Agora estamos no período do Novo Testamento; o Cristo que foi indicado no Antigo Testamento, como o Servo Sofredor, agora é o Cristo entronizado, Ele trouxe tudo o que estava representado nos sacrifícios. Não há mais necessidade de derramamento de sangue, mais ainda se espera sacrifícios. Nós trazemos os nossos sacrifícios em cânticos, louvores, e dádivas; mas o maior sacrifício que podemos oferecer a Deus somos nós mesmos. Quando Deus chama os presbíteros, os líderes, os ministros, chama para o culto, chama para representá-lo, como aquele que está entronizado, como o cabeça da Igreja. Portanto, é uma questão de obediência que nos reunamos como povo de Deus, é uma questão de honra devida a Cristo. Quando ouvimos e obedecemos àqueles que são os líderes apontados por Deus para o Seu serviço aqui na terra, não é uma questão de escolha, Deus não nos deu escolha. Ele nos chama para o Seu culto através dos Seus representantes divinamente ordenados. E nós, como líderes da Igreja, temos que lembrar da nossa responsabilidade. Devemos cumprir e mostrar a vontade de Deus ao povo. À medida que comparecemos perante o povo, representando a Cristo, Sua Palavra e Seu perdão, devemos lembrar-lhes a vontade de Deus, e isso de forma digna e majestosa para que represente, por sua vez, a dignidade, a majestade e as maravilhas de Deus. No nosso culto hoje, devemos refletir acuradamente sobre o que Deus fez no passado. Não devemos imitar as práticas do Antigo Testamento, não precisamos fazer aquilo que os puritanos fizeram, ou aquilo que os católicos fazem, mas eu estou perfeitamente convencido de que nós temos que obedecer a esses princípios que consideramos acima. Eles não foram revogados.

Vou terminar com uma passagem do Novo Testamento: 1 Timóteo 1: 15-17. “Fiel é a palavra e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão me foi concedida misericórdia, para que em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna. Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém.” Nos céus… . Eu não posso adorar tão perfeitamente como eles o podem lá, mas posso saber em que eles estão envolvidos. Em Apocalipse 4:11, somos informados de que, lá nos céus, junto com o nosso Senhor e Salvador, aqueles que estão adorando ao Senhor dizem: “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as cousas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas.”

[*] 1. Gerard Van Groningen é doutor em Teologia pela Universidade de Melbourne, foi professor de Teologia do Antigo Testamento no Reformed Theological College, Victoria, Austrália; Dordt College; Reformed Theological Seminary; Covenant Theological Seminary e Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper.


Fonte: Publicado em O Presbiteriano Conservador na edição de Maio/Junho de 1993