O que Cantaremos Nós
por: Joel Sarli
Um só é o objetivo de termos cânticos como parte de nossa adoração ao Senhor. Uma só é a razão de entoarmos louvores em nosso lar, em nossa igreja ou em outras reuniões denominacionais. Há um santo propósito nos cânticos programados para as nossas atividades religiosas e sociais: “Erguer os pensamentos àquilo que é puro, nobre e edificante, e despertar na alma devoção e gratidão para com Deus.”.[1]
Este divino dom tem sua origem com o próprio Deus. Antes mesmo que a Terra existisse “as estrelas d’Alva juntas alegremente cantavam e os filhos de Deus rejubilavam”.[2] Quando os filhos de Israel deixavam o Egito e Vagueavam através da areia ardente do deserto, aprenderam a cantar para amenizar seu sofrimento.[3]
“[Jesus] entretinha em cânticos comunhão com o céu.”[4] Sempre foi o desejo de Deus que Seus filhos, felizes, cantassem hinos de louvor ao Seu nome. Disto deram-nos sólido exemplo Cristo e Seus discípulos. Mas como está patente aos nossos olhos, nem sempre a vontade de Deus foi respeitada entre os homens. O mundo penetrou naquele período histórico conhecido como “Idade Escura”, porque da mente dos homens fora apagada a alegre claridade do Evangelho. A palavra de Deus fora banida dos lares e os cânticos felizes deixaram de existir.
Surgiu então no seio de uma igreja divorciada dos puros ensinos do Evangelho uma música, um canto sombrio, místico, tão diferente da bela simplicidade dos ensinos de Jesus que quando na Terra falava por parábolas!
Para os eruditos aquilo era música litúrgica, ou um canto verdadeiramente sacro. Mas para os cristãos era um cântico estranho. Não trazia consigo a certeza feliz do Amor de Deus. Não brilhava em sua melodia a felicidade de uma alma que fora resgatada de uma prisão para fruir a beleza do raiar de um novo dia. Mas conduzia nas suas entrelinhas uma escura ideia de Deus, de um Deus austero e pronto para castigar o pecador. Trazia consigo a doentia ideia de uma profunda solidão, cercada de uma melancolia incompreensível.
Veio porém, a Reforma e com ela raiou outra vez o sol da alegria cristã. Raiou o sol da certeza. Os homens poderiam ser salvos de seus pecados pela fé no sacrifício expiatório de Cristo. Nada de tristeza. Nada de incerteza. Todos poderiam descansar na venturosa certeza de que “Castelo Forte é nosso Deus, espada e bom escudo”.
E agora os “operários cantam enquanto trabalham, as moças enquanto lavam a roupa, os camponeses ao mesmo tempo que abrem sulcos e as mães, ao filhinho que chora no berço”. Era a mensagem de Cristo que saía dos lábios, vinda de um coração esperançoso, sincero e transbordante. Foi assim que novos rumos surgiram para a música evangélica. Foi assim que a música evangélica passou a ser uma viva experiência entre todos os resgatados pelo poder de Cristo. A esta altura perguntaria o leitor: – E nós, o que cantaremos hoje?
– Para muitos a igreja deveria se tornar uma casa de arte, onde a mensagem evangélica dos hinos seria relegada a plano secundário. Porém, mui prezado leitor, jamais poderemos olvidar o fato de que a mensagem é que converte e transforma.
Para deixar claro o pensamento poderemos criar uma figura: – A mensagem que o poema contém é o corpo. A música é apenas a roupagem. Jamais poderemos mutilar o corpo por causa dos vestidos. Isto é incoerente.
A roupagem pode ser aprimorada até o ponto que ela não prejudique o livre movimento do corpo. Assim também a música pode ser aprimorada até o ponto que não prejudique a mensagem, visto que esta se constitui a razão do cântico. Um hino sem mensagem não tem valor, torna-se mera repetição de palavras.
– Como poderemos empanar a beleza da mensagem?
– De duas maneiras, respondemos. Primeira, tornando a mensagem incompreensível. O cântico poderá ter uma retumbante mensagem mas esta poderá ser prejudicada em parte ou totalmente. Em parte, quando pronunciamos mal as palavras. Cantamos com boca fechada, sem nenhuma articulação (isto tanto em cânticos especiais bem como pela congregação).
Totalmente quando cantamos em língua estranha e os ouvintes nada podem entender.
Para aqueles que cantam não pronunciando bem as palavras diríamos que vale a pena um esforço neste sentido. Deveriam estudar uma maneira clara de cantarem os hinos, lembrando que estão cantando uma preciosa mensagem.
E para aqueles que pensam que cantar em língua estrangeira na igreja é arte, citaremos apenas algumas palavras do apóstolo Paulo: “Pois também se a trombeta der som incerto quem se preparará para a batalha? Assim vós, se com a língua não disserdes palavra compreensível, como se entenderá o que dizeis? Porque estareis como se falásseis no ar.” [5]
E agora, sem alterar a verdade espiritual do texto, poderíamos ler o verso seguinte desta maneira: “Contudo prefiro cantar na igreja cinco palavras com meu entendimento, para instruir outros, a cantar dez mil palavras em outras línguas”. [6]
A segunda maneira pela qual poderemos prejudicar a mensagem é valorizarmos tanto a arte musical dos hinos a ponto de tocarmos na integridade da mensagem.
São tantas as observações criadas pelos homens no setor musical modernamente, que a música, de arte inspirada, está passando a ser frio cálculo aritmético.
Ao lidarmos com traduções para os hinos da Voz da Profecia, sentimos que se formos seguir tudo que é lei deixaremos de traduzir mensagens para ajustarmos palavras simplesmente nas formas musicais.
Então, que haveríamos de fazer? Lembrando-nos de que a mensagem é o corpo e a música a roupagem, procuramos adaptar um ao outro, trazendo o menor prejuízo possível à mensagem que converte.
Não poderíamos seguir caminho deferente se desejamos satisfazer o propósito único dos hinos evangélicos.
Sempre é bom terminarmos considerações assim pensando em Jesus. Que faria Cristo se estivesse em meu lugar? Se Ele viesse hoje à Terra tornar-Se-ia um pregador moderno, anunciando um evangelho social, ou ainda ensinaria aquelas verdades tão fundamentais através de parábolas tão simples?
– Se Ele usasse os hinos para proclamar a mensagem, usaria Ele, quais? Aquele que realça mais a beleza da arte, ou aquele que contém mais clara a mensagem da salvação?
De que precisa mais o homem moderno: de arte, ou do evangelho?
Que Deus nos ilumine ao usarmos hinos na pregação do evangelho. Que não guardemos em nosso coração o desejo de sermos artistas, mas evangelistas. Que não guardemos em nosso coração o desejo de nos apresentar ao mundo com arte, mas com a mensagem da Rude Cruz.
Notas:
[1] E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 594
[2] Jó 38:7.
[3] E.G. White, Educação pp. 38 e 39.
[4] E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 73
[5] I Coríntios 14:8-9
[6] Paráfrase de I Coríntios 14:19
Fonte: Revista Adventista, abril de 1964. Pp. 13,14.