Calvino e a Adoração Comunitária

por: Rev. Ricardo Moura Lopes


Índice:

Introdução.
1. Os Princípios da Adoração Comunitária Segundo João Calvino.
2. A Liturgia de João Calvino.
3. A Música na Adoração Comunitária Segundo Calvino.
4. A Oração na Adoração Comunitária Segundo Calvino.
5. Os Sacramentos na Adoração Comunitária Segundo Calvino.
6. A Pregação da Palavra na Adoração Comunitária Segundo Calvino.
Conclusão.
Bibliografia.


Introdução.

Diante da diversidade de igrejas e de formas de culto, é necessário que um servo que procura fazer o melhor para Deus busque informações que dêem a direção mais segura quanto à forma de culto que seja agradável a Deus. Este trabalho busca em Calvino uma diretriz para esta necessidade, em vista dele ter sido um teólogo reconhecidamente dedicado ao estudo da Palavra de Deus. Certamente seu pensamento quanto à adoração pública, será de grande proveito para a igreja no presente momento.

Este trabalho busca expor o pensamento de Calvino sobre cada elemento que ele mesmo entendeu que deveria fazer parte do culto. Ao analisar esses elementos, pretende-se, ao final, obter o pensamento básico de Calvino quanto à adoração pública, e a partir daí uma diretriz para a igreja atual.

Apesar de estar intimamente ligado ao tema proposto, o pensamento de Calvino quanto ao Dia do Senhor não será tratado aqui – somente o que for necessário para o entendimento do ponto abordado no momento. Também não se pretende ser exaustivo no assunto, visto que cada aspecto será estudado somente em relação à adoração pública, deixando de lado outros aspectos que não tenham ligação com o assunto principal.

A partir de uma metodologia dedutiva, cada elemento do culto, segundo Calvino, será exposto, e ao final esses elementos serão retomados para que deles se tire um princípio de culto que possa ser aplicado hoje para a elaboração e preparação do culto ao Senhor. Para tanto, o trabalho começa com os princípios que nortearam o pensamento de Calvino, para que posteriormente os mesmos pudessem ser vistos em cada parte do culto. Os princípios também serão importantes para que se possa entender como cada elemento está ligado a outro.

Após os princípios de culto, será vista a liturgia, para que haja um melhor entendimento de como Calvino colocou em prática seus princípios, obtendo uma visão geral das partes. Nesse momento, estuda-se cada parte da liturgia de Calvino, buscando entender como elas cumprem seu papel diante dos princípios pré-estabelecidos. Tudo culminará na pregação bíblica, como é visto na própria liturgia de Calvino, pois a Palavra de Deus é o eixo da adoração pública, e para a qual tudo no culto de Calvino converge, devido á sua natureza, que será explicada posteriormente.

Que Deus utilize o pensamento de seu servo exposto neste trabalho, para trazer uma melhor ideia do que lhe agrada, e desta forma, a igreja possa ser encontrada como uma fiel unidade adoradora, cumprindo seu principal papel. Como disse John Piper: “As missões não representam o alvo fundamental da igreja, a adoração sim.”

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1. Os Princípios da Adoração Comunitária Segundo João Calvino.

O pensamento de João Calvino repousa sobre a ideia de que todo o verdadeiro conhecimento, ou sabedoria está no conhecimento que o homem deve ter de Deus e de si mesmo, sendo que este último é dependente do primeiro. Esta ideia está presente em todo o pensamento de Calvino, e na adoração pública não é diferente. Conseqüentemente, o seu pensamento básico quanto a adoração comunitária, bem como todos os seus pensamentos, é que esse deve levar ao conhecimento de Deus.

A aplicação deste fundamento na prática é o princípio da adoração de Calvino. O culto é lugar de conhecimento de Deus, então, o andamento do mesmo, deve gerar este conhecimento, e para isso, seus princípios são extraídos da Escritura. Este fato é comprovado pela seguinte declaração:

Ainda que cite muitos textos do Novo Testamento, da Lei, e dos Profetas, no quais se faz expressa e evidente menção a Cristo, sem dificuldade todos eles não pretendem outra coisa senão provar que Deus, o Criador do mundo, nos é manifesto na Escritura, e que o que devemos saber dele, para que não andemos dando voltas perdidos buscando outro deus desconhecido.

Dessa declaração subtende-se que o culto, e qualquer outra prática cristã, só pode transmitir conhecimento de Deus se for apoiado nas Escrituras, caso contrário, seria devagar sem alcançar o conhecimento devido. Portanto, é natural a centralidade das Escrituras no culto – como será estudado adiante – e também na elaboração dos princípios de culto.

Em seu comentário ao livro dos Salmos, Calvino fornece um outro importante princípio ao declarar: “Devemos ter sempre em mente que, tudo quanto não agrada a Deus, que vise a seu próprio bem, e somente até onde ele leva a algum outro fim, se porventura é posto no lugar de seu culto e serviço verdadeiros, é por ele rejeitado e se desvanece.” . É clara a ideia de que o culto deve ser voltado para Deus e agradável a ele mesmo.

Em sua exposição de Romanos, sobre o capítulo 12, verso 1, Calvino traz outro princípio regulador da adoração comunitária, dizendo:

E se Deus só é corretamente adorado pelo prisma de seus mandamentos, então de nada nos valerão todas as demais formas de culto que porventura engendramos, as quais ele com toda razão abomina, visto que põe a obediência acima de qualquer sacrifício. O ser humano deleita-se com suas próprias invenções e (como diz o apóstolo alhures) com suas vãs exibições de sabedoria; mas aprendemos o que o juiz celestial declara em oposição a tudo isso, quando nos fala por boca do apóstolo. Ao denominar o culto que Deus ordena de racional, ele repudia tudo quanto contrarie as normas de sua Palavra, como sendo mero esforço insensato, insípido e inconseqüente.

Deus não quer que os homens lhe ofereçam qualquer coisa. Tão pouco quer que os homens decidam o que lhe dar. Esse reformador entendia que o próprio Deus é quem dita o que deve lhe ser entregue em culto, tanto no aspecto da vida inteira do cristão ser um culto, como na adoração comunitária, visto que o texto de Romanos 12 abrange ambos os aspectos. Além disto, fica claro o fato de que Calvino via as normas que Deus requer descritas na Bíblia. Em outro lugar ele escreveu, sendo mais incisivo:

(…) aqui somos informados de que são falsas e espúrias todas as formas de culto que os homens permitem a si mesmos inventar, movidos por sua ingenuidade, mas que são contrárias ao mandamento de Deus. Quando Deus estabelece que tudo deve ser feito em consonância com sua norma, não nos é permitido fazer qualquer coisa diferente. Estas duas cláusulas significam a mesma coisa: olha que façais tudo segundo o modelo; e: Vê que não faças nada além do modelo. E assim, ao enfatizar a norma que estabelecera, Deus nos proíbe afastar-nos dela, mesmo que seja um mínimo. Por essa razão, todas as formas de culto produzidas pelos homens caem por terra, bem como aquelas coisas a que chamam sacramentos, e, contudo, não têm origem em Deus.

Fica patente, neste fragmento, que para ele nada pode ser feito diferente daquilo determinado por Deus em sua Palavra. Contudo, como a igreja deveria colocar isto em prática, ou seja, o formato do culto, é uma questão que tem a ver com a sua liturgia, que será vista em outro ponto.

Em último lugar, Calvino tinha o entendimento de que o culto era necessário tanto para os cristãos, como era para os judeus. De igual forma como os judeus tinham de descansar no dia sabático, e neste dia oferecer culto a Deus, e nesse culto receber a instrução de Deus, o culto cristão deveria servir para instrução, algo de tanta importância que poderia ser realizado todos os dias, para o crescimento na sabedoria de Deus. Ele expôs esta ideia da seguinte forma:

(…) se nós temos as mesmas necessidades que os judeus, para cujo remédio quis o Senhor instituir o sábado, nada diga que a Lei do descanso sabático não tem nada a ver conosco; pois quis nosso providente e misericordioso Pai ter em conta e prover nossa necessidade não menos que a dos judeus.

Por que não nos reunimos todos os dias? – diria alguém – para suprimir assim esta diferença de dias? Quisera Deus que assim fosse; certamente que a sabedoria divina merece que de cada dia lhe seja dedicado um tanto. Mas se não se pode conseguir da debilidade de muitos que se reúnam cada dia, e a lei da caridade não permite que se exija mais, por que não vamos seguir nós a razão que o Senhor nos tem mostrado?

Observa-se aqui, não só a questão do dia do descanso, ou sabático, mas é visível que o mesmo é muito importante para instrução e crescimento na sabedoria divina do cristão.

Calvino tinha o claro entendimento que o cristão conhece a Deus pelas Escrituras Sagradas, e nestas o fiel aprofundaria sua sabedoria e sua vida . Para tanto, ele também entendia que o papel de transmitir e de prezar pela Palavra era da igreja, e todos os que pretendiam conhecer a Deus, e melhor viver sua vida cristã, e desempenhar seus dons dados por ele, deveriam se tornar “discípulos da igreja, à qual Cristo confiou esse dever.” Daí se tira a importância dos cultos como sendo eles de instrução para o crente.

A importância dessa instrução é que quando a Palavra de Deus é pregada, é como se o próprio Deus estivesse falando. Quando fiel à Palavra de Deus e movido pelo Espírito a falar o que a Palavra revelada prescreve, o pregador fala como porta voz de Deus. Calvino tinha essa visão, e por isso não podia deixar de entender que o ponto alto do culto era a pregação da Palavra, pois era o momento do próprio Deus falar, por ser ele o autor da pregação, bem como o responsável por seus resultados.

Fazendo um apanhado do que foi visto, Calvino apoiou-se na Palavra de Deus para delimitar seus princípios. Antes de tudo, o culto é algo que deve ser agradável a Deus, para tanto, deveria buscar as diretrizes fornecidas pelo próprio Deus fornece em sua Palavra, sendo que todo desvio é desprezado por Deus e não pode ser considerado como sendo culto. Outro ponto importante é que o culto é o lugar onde Deus fala com seu povo por meio de sua Palavra, portanto, é um lugar de instrução e edificação do povo cristão.

O que fica muito claro nestes princípios é que Calvino tinha uma ideia teocêntrica de culto. Em todos os aspectos, o culto parte de Deus, e é voltado para Deus. Mesmo na instrução da igreja vê-se um aspecto teocêntrico, pois a importância da pregação da Palavra está no fato de que é Deus quem fala, e que o povo de Deus aprende sua vontade e a como servi-lo. Ele viu que não são as pompas e ritos do homem que agradam a Deus, mas a obediência ao que ele coloca como forma de adoração.

Pelo fato do próprio Deus não estabelecer uma ordem fixa do andamento do culto, Calvino também não o fez, como era de costume de sua parte não ir além do que as Escrituras revelam. Por esse motivo, essa questão não faz parte de seus princípios de culto.

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2. A Liturgia de João Calvino.

O formato da liturgia de Calvino e os elementos que ele julgava essenciais ao culto não são necessariamente iguais. Isso porque Calvino entendia que a música, por exemplo, não era essencial, contudo não havia problema quanto ao seu uso, por ser um elemento válido para adornar a adoração a Deus. Em seu entendimento, Calvino via que a igreja não poderia reunir-se “sem a Palavra, sem a esmola, sem a participação na Ceia e na oração.” Um ponto interessante é a questão da esmola, que deveria ser oferecida aos necessitados da comunidade, pois Calvino entendia que a Ceia é como um contrato que constrange a todos a agir caridosamente, visto que é a atitude do Senhor para com os homens que é lembrada na Ceia.

A liturgia de Calvino começou a ser desenvolvida após sua chegada em Genebra, em 1536. Sua permanência foi forçada por William Farel, que buscava em Calvino aquele que iria direcionar a reforma protestante em Genebra. Na verdade, o trabalho de reforma em genebra já havia começado, visto que, desde 1532, Farel já buscava a reforma, e quando Calvino chegou à cidade, encontrou o magistrado já convencido de que a cidade deveria aderir à reforma.

Não somente neste aspecto o trabalho já havia começado, mas Farel também já havia feito um trabalho de reforma da atividade cúltica da cidade, tendo criado uma espécie de manual de culto. Esse manual era muito simples e muito didático, repleto de referências bíblicas, baseado no que era usado em Berne desde 1529. O manual continha os dez mandamentos e o credo apostólico musicados e Farel tinha o costume de orar a oração do Pai-Nosso antes dos sermões. Em princípio Calvino fez uso desse manual, que era muito influenciado por Zwinglio. Contudo, Calvino não se limitou a esse trabalho. Ele buscou desenvolver sua própria forma de culto. Sua intenção era retornar a um culto puramente evangélico e livre de todas as distorções que a história trouxe. Como diz Charles Baird, Calvino “voltou-se para a autoridade e inspiração da lei e do testemunho de Deus.”, deixando de lado toda o cerimonialismo da Igreja Estabelecida.

Em abril 1538, Calvino e Farel foram expulsos de Genebra por diferenças com os magistrados quanto à disciplina, liturgia e adesão à confissão de fé. Calvino foi para Estrasburgo encontrar-se com Martin Bucer, que liderava a reforma naquela cidade. Ele também foi um grande influenciador de Calvino.

Em Estrasburgo Calvino pastoreou uma igreja de refugiados franceses, usando o andamento litúrgico que Bucer elaborarou. Até Bucer se tornar o reformador de Estrasburgo, a influência de Lutero era muito forte, sendo que Bucer trouxe a influência de Zwinglio à cidade, fazendo de sua liturgia uma síntese do pensamento de culto de Lutero e Zwinglio.

Bucer simplificou o culto. Ele tirou boa parte dos responsos e colocou os salmos metrificados e alguns hinos no lugar do Kyries e do Glória in excelsis. Outras tantas partes da formula missae foram substituídas por orações de gratidão dentre outras. As leituras de átrio foram retiradas também, permitindo que o pregador selecionasse o texto de seus sermões, sendo que estes duravam uma hora. O culto se tornou menos estético e mais racional.

A ênfase de Calvino era a mesma, simplicidade que deixava de lado todo a pompa da missa e fazia retornar ao culto primitivo. Foi baseado nessas influências que Calvino formulou sua obra sobre o culto, A Forma das Orações e Maneira de Ministrar os Sacramentos de Acordo com o Uso da Igreja Primitiva. O pensamento básico de Calvino quanto ao culto está presente nessa obra. Calvino fez apenas algumas mudanças no trabalho de Bucer, contudo, basicamente era a mesma forma de culto. Calvino propôs apenas algumas mudanças na confissão, na oração do Senhor, na leitura do decálogo e no canto dos salmos.

Em 1541, quando Calvino retornou a Genebra, sua liturgia tinha uma característica de simplicidade e lógica. Ele trouxe espontaneidade, mas que acompanha o andamento que se quer dar ao culto. As orações eram presentes, mas deviam seguir o pensamento do momento litúrgico, e as músicas eram uma ajuda para que a oração não fosse mecânica, na verdade, as músicas eram orações fervorosas, e todas tinham de ser os salmos metrificados. A freqüência da Ceia do Senhor era um problema. Para Calvino tinha de ser ao menos mensalmente – sua vontade era que fosse semanalmente – mas as pessoas estavam acostumadas com o comportamento zwingliano que não via tanta importância na Ceia como sendo ela um meio de graça. Zwinglio era menos místico e tinha uma visão muito diferente de Calvino e Lutero da presença de Cristo na Ceia. Esta disputa em relação à Ceia do Senhor foi constante até a morte de Calvino em 1564. Contudo, é necessário deixar claro que o próprio Calvino via em sua forma de culto como única aceitável, pois o mesmo diz o seguinte em sua Exposição da Primeira Epístola aos Coríntios:

O Senhor nos permite liberdade em relação aos ritos externos, para não concluirmos que o seu culto se acha limitado por essas coisas. Ao mesmo tempo, entretanto, Ele não nos concedeu liberdade ilimitada e descontrolada, mas construiu, por assim dizer, cerca em torno dela; ou, de algum modo, restringiu a liberdade que nos deu, de tal maneira, que somente à luz de sua Palavra é que podemos orientar nossas mentes sobre o que é certo.

Como é claro, Calvino não era fechado ou mesmo dogmático quanto ao formato do culto. Para ele, o culto deveria ser, além dos princípios já vistos, um lugar de ordem e decência, que são orientadas pela Palavra.

A forma como cada parte do culto – sacramentos, orações, músicas e pregação – eram aplicadas será vista nos capítulos que se seguem.

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3. A Música na Adoração Comunitária Segundo Calvino.

O uso da música por Calvino ganhou força com sua ida para Estrasburgo. Antes, em Genebra, havia uma tentativa de se cantar os salmos, mas não foi bem aceito, pois a cidade, por ter sido episcopal por muito tempo, fora dominada por muitos membros do clero, o que dificultou a aceitação do canto congregacional no culto. Contudo, o mesmo era incentivado pelos reformadores, pois seria um bom meio de participação e contato do povo em culto.

O incentivo à música e ao canto congregacional Calvino encontrou em Estrasburgo. Lá ele escreveu um saltério com 17 salmos metrificados, com a ajuda de Clément Marot. A primeira edição foi perdida, mas edições seguintes a continham, apenas acrescentando novos trabalhos. A terceira edição desse saltério feita por Calvino, quando ele já havia regressado à Genebra, foi publicada em Estrasburgo em 1545.

A continuação desse trabalho foi feita por Thedoro de Beza. Ele era um poeta famoso, recém convertido ao protestantismo. Em 1551 Beza publicou 34 salmos de Davi, e no ano seguinte, juntamente com Marot um saltério com 83 salmos, sendo que 49 eram de Marot. O trabalho de metrificação só foi terminado por Beza em 26 de dezembro de 1559.

No prefácio do saltério de Genebra, Calvino deixa claro que no seu entendimento somente a Palavra de Deus poderia ser cantada na igreja, como é dito na citação desse prefácio feita por Hughes Oliphant Old:

Os salmos nos incitam a louvar a Deus, orar a Ele, meditar nas suas obras a fim de que O amemos, temamos, honremos e O glorifiquemos. O que Santo Agostinho nos diz é totalmente verdade; a pessoa não pode cantar nada mais digno de Deus do que aquilo que recebemos dele.

Isso ajuda a entender o porque de sua concentração nesse trabalho de metrificação dos salmos. Em seu comentário de 1 Coríntios 14.15, a interpretação de Calvino quanto ao canto de salmos apóia a ideia acima quanto a exclusividade do uso da Palavra para o canto na adoração comunitária.

O uso do canto para Calvino só tinha valor quando o mesmo partia de um coração sincero. Ele baseava sua ideia nas palavras do profeta Isaías, como é visto em suas Institutas da Religião Cristã: “(…) se vê claramente por isto, que a voz e o canto, que se usam na oração, não têm valor algum diante de Deus, nem servem de nada se não nascerem de um íntimo afeto do coração.” O canto é algo não só aceitável, se fruto de um coração sincero, mas também desejável, segundo Calvino, pois “Deus deve resplandecer em todos os membros de nosso corpo, convém que a língua, criada especialmente por Deus para anunciar e glorificar seu santo nome, se empenhe em fazer isto, seja falando ou cantando.” Ou seja, Calvino entendia que o canto era uma forma de louvor a Deus devida, por ser mais um meio de usar uma capacidade humana no serviço a Deus.

No entendimento de Calvino, a música tinha o papel de ajudar no fervor, evitando um aspecto mecânico na oração. A música seria um ajuda para “incitar os corações e inflamá-los em maior afeto e fervor para orar.” Contudo, Calvino não entendia que a música deva ser algo direcionado às emoções, mas deve chegar lá por meio do entendimento e da inteligibilidade que devem ser presentes na música. Para Calvino, aquele que canta não pode dar mais atenção à melodia, e a outros elementos musicais, que ao sentido das palavras.

Até aqui, o que se viu é o pensamento de Calvino quanto ao canto, ao que se deve acrescentar ainda, que em seu entendimento não deveria ser exercitado pelos corais e conjuntos de vozes que não incluíssem toda a congregação. Contudo, não se vê muito o ensino de Calvino quanto aos instrumentos musicais, isso, certamente, é por ele não entender que os mesmos são necessários, ou melhor, devidos no culto. Em seu comentário ao Livro dos Salmos ele escreveu que o uso de instrumentos não era algo devido à dispensação do Evangelho. O instrumento consistia numa ajuda ao povo que ainda vivia à sombra do que haveria de vir, mas que hoje o cristão vive em plena maturidade e não precisa desse tipo de auxílio para entoar o cântico ao Senhor. Ele condenava veementemente o uso de instrumentos musicais por parte dos papistas, chamando-os de insensatos. Calvino apenas aprovava o uso das vozes como artifício musical, e que os salmos não ensinavam, ou exigiam o uso dos instrumentos, mas apenas faziam uma espécie de descrição, ou melhor, uma conclamação ao povo segundo o que era costume da época.

Algo que com certeza ajudou Calvino a concluir desta forma o uso de instrumentos, é o fato de que não há referências ao uso de instrumentos no Novo Testamento, somente os cânticos são mencionados sem qualquer possível inferência à um acompanhamento instrumental. Contudo, é interessante observar ainda, que outros reformadores pensaram diferente de Calvino. Lutero utilizava nos cânticos congregacionais os instrumentos, mas não era presente, por exemplo, o órgão – muito tradicional em períodos posteriores – por ser este utilizado em execuções.

O que se pode concluir do papel da música para Calvino na adoração comunitária, é que deve ser através do canto de letras bíblicas – que poderia ser um salmo, ou o decálogo, mas sempre era proveniente do Antigo Testamento -, sem o acompanhamento instrumental, e para motivarem e acompanharem o momento de oração. Deve partir de um coração desejoso em louvar a Deus e que entende o que canta.

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4. A Oração na Adoração Comunitária Segundo Calvino.

No entendimento de Calvino, a oração é uma comunicação que há entre os homens e Deus, o que traz ao homem a consciência correta de sua dependência e da grandeza de Deus, e de seu domínio sobre todas as coisas. Quem ora está, na verdade, humilhando-se diante daquele que decidi o que acontece, e a oração é um exercício para vista humana, para que essa nunca seja obscurecida.

No exercício da adoração pública, a oração ocupa um lugar central na mente de Calvino. Para ele este é o principal elemento de serviço a Deus na adoração. Contudo, em outros pontos Calvino parece dar a primazia à Palavra, pois a mesma é que regula e ensina o modo correto de adoração. O que se conclui, então, é que Calvino está dando ênfase quando fala de cada um desses pontos, oração e Palavra, quando na verdade, a Palavra, ensina e motiva a oração. A oração, portanto, tem um aspecto de primazia para Calvino, pois é nela que se verá o entendimento da Palavra lida por parte do que ora. Ao comentar o salmo 50, verso 15, Calvino deixa essa última conclusão bem clara ao dizer: “Tampouco devemos ignorar o fato de que nossas orações só são aceitáveis quando as oferecemos em submissão aos mandamentos de Deus e somos por elas animados a uma consideração da promessa que ele tem formulado.” Nessa citação, vê-se a clara ligação e seqüência Palavra de Deus, oração.

É inegável a importância que Calvino dá á oração. Em suas Institutas da Religião Cristã, o capítulo sobre oração é certamente um dos mais extensos, senão for o maior. Ele vem antes de Eleição e ocupa mais páginas que o capítulo sobre Predestinação.

Devido este aspecto de que a oração é uma resposta ao texto lido, é que na liturgia de Calvino elas sempre seguiam uma leitura de um texto. A liturgia do culto de domingo era da seguinte forma:

  • Leitura de textos bíblicos, seguidos da leitura dos Dez Mandamentos;
  • Invocação da ajuda do Senhor para o culto;
  • Exortação à confissão, a qual era feita pelo dirigente em seguida;
  • Cântico de um Salmo;
  • Oração por iluminação para a exposição das Escrituras;
  • Exposição das Escrituras;
  • Oração de intercessão pela aplicação da mensagem, e também pelos governantes, pastores, todos os outros homens, pelos aflitos, perseguidos, e pelas congregações;
  • Oração do Senhor;
  • Proclamação do Credo;
  • Bênção.

Esta estrutura trás os momentos de oração sempre subseqüentes à leitura da Bíblia, o que mostra que a Bíblia tem lugar principal, pois é Deus falando em seu culto, e a oração é uma resposta ao que foi lido, portanto principal exercício de culto.

Calvino, ao falar sobre a importância da oração, afirma ser ela uma comunicação com Deus, sendo que ao orar, a pessoa entra no santuário celestial, e estando lá ela lembra justamente das promessas de Deus, que estão descritas na Bíblia. Em seu comentário ao livro de Daniel, Calvino diz o seguinte:

Sabemos que o principal sacrifício exigido por Deus é a invocação. Pois é assim que damos testemunho de ser ele o Autor de todo o bem que nos cerca; também damos provas de nossa fé quando nos volvemos a ele e lançamos todas as nossas ansiedades sobre seus ombros, lançando a seus pés todos os nossos desejos. Portanto, já que a oração tem primazia na adoração e no serviço a Deus, certamente não é um assunto de somenos importância que o rei proibisse alguém de orar ao Senhor. Era, aliás, um manifesto e uma absoluta e crassa negação da piedade.

Fica claro nesse comentário de Calvino que ele entende que a oração é um exercício do adorador. É uma proclamação feita pelo adorador, que é o que Deus deseja de seus servos, uma confissão de sua servidão e dependência. Contudo, não se deve pensar que para Calvino a pregação da Palavra era sustentada e direcionada por Deus, enquanto a oração é um trabalho exclusivamente do homem. Linhas antes ao comentário acima descrito, Calvino comenta que Daniel era dirigido pelo Espírito, ou mais profundo que isso, era o Espírito quem falava pela boca de Daniel. Este mesmo auxílio para a oração em momentos difíceis, e em todos os outros, Calvino entendia que era concedido a todo crente, inspirando os corações a orarem da forma devida a Deus.

A oração do Senhor era muito importante para Calvino, pois este via nela um resumo de “tudo quanto nos era lícito desejar dele, tudo quanto nos pode ser útil e proveitoso, e tudo quanto nos é necessário pedir-lhe.” Contudo, essa petição deve ser clara, inteligível, de forma que todos que a ouvirem possam entender não só a língua, mas também o sentido que se quer dar às palavras. Ele condenava o uso das línguas no culto, da mesma forma como Paulo o fez na Epístola de primeira aos Coríntios, pois o uso indiscriminado, que visa tão somente a glória de quem ora em línguas, separa o restante do entendimento.

Enfim, no culto, a oração era uma resposta do fiel diante da instrução da Palavra. É o principal exercício do crente que entendeu a instrução dada. Contudo, não era algo que dependia do fiel, mas este é dirigido pelo Espírito Santo. Por último, a oração tinha de ser de forma inteligível para que todos pudessem entender o que se diz.

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5. Os Sacramentos na Adoração Comunitária Segundo Calvino.

É claramente visível nos escritos de Calvino que os sacramentos eram parte e mais um motivo para que os crentes se reunissem em adoração comunitária pelo menos uma vez por semana. Para os protestantes, somente o Batismo e a Santa Ceia são sacramentos, sendo que todos os outros cinco instituídos pela Igreja Católica eram rejeitados. Todos estes outros cinco sacramentos romanos eram instituições humanas, não havendo qualquer indicação bíblica de que eram sacramentos. Somente Deus através de sua Palavra pode instituir sacramentos. Calvino estruturava um sacramento juntando a Palavra de Deus com um símbolo por ela instituído, ou seja, se a Bíblia não descreveu a união entre um símbolo e a Palavra, não pode ser considerado um sacramento.

Sendo o culto um lugar de exercício da fé, não pode faltar a administração do sacramento. Calvino entendia que os sacramentos são para exercitar o povo de Deus na fé e para fazer profissão e testemunho diante dos homens da religião cristã. Os sacramentos tranqüilizam e consolam o participante, pois eles representam as promessas de Deus de forma visível através de seus símbolos. Calvino via nas promessas de Deus a base do sacramento, por esse motivo os sacramentos são um importante exercício de fé, portanto, um importante elemento de culto a Deus.

No caso do batismo, Calvino via neste uma porta de admissão na participação da graça de Deus. Em outro lugar Calvino ensina que o batismo é uma iniciação na unidade do corpo e da alma, na igreja. Calvino entendia que o batismo deveria ser administrado da forma como Jesus ensinara aos seus discípulos. Jesus não ensinou que este deveria ser feito necessariamente no momento do culto, mas simplesmente que deveria conter a água e que deveria ser feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por outro lado, não seria estranho ver um batismo na liturgia de Calvino, visto que este também é um exercício de fé, sendo cabível ao momento do culto.

Quanto à Ceia do Senhor, Calvino tinha sérias discussões em Genebra. Em seu entendimento, ela deveria ser administrada semanalmente, como um exercício de culto e fé, mas o pensamento Zwingliano dominava a cidade, sendo assim, a Ceia era administrada quatro vezes no ano, em ocasiões e datas festivas como o natal e o pentecostes. Calvino entedia que a Ceia é um memorial que alimenta a fé, a fim de assistir o crente em sua fraqueza. De outra forma não seria tão necessária sua administração, mas sendo este o caráter dado por Calvino, a Ceia tem grande importância e lugar no culto.

O pensamento de Calvino quanto a Ceia chega às últimas conseqüências quando ele discute a presença de Cristo na Ceia. Respondendo a questionamentos de que Cristo estaria presente carnalmente nos elementos da Ceia, o pão e o vinho, Calvino escreveu as seguintes palavras:

Mas, segundo minha tese, a participação no corpo do Senhor, que nos é oferecido na Ceia, exige não uma presença local, nem a descida de Cristo, nem uma extensão infinita de seu corpo, nem qualquer outra coisa desse gênero; porque, em vista do fato de que a Ceia é um ato celestial, não há qualquer absurdo em dizer que Cristo permanece no céu e não obstante é recebido por nós. Pois o modo como ele mesmo se nos comunica é através do poder secreto do Espírito Santo, poder este que é capaz não só de manter-nos juntos, mas também de juntar as coisas que são separadas pela distância – de fato, por uma imensa distância.

Porém, afim de nos habilitarmos para esta participação, devemos subir ao céu. Neste sentido, nossos físicos não são de nenhuma valia, por isso é a fé que deve vir em nosso socorro.

A Ceia, então, é um momento sublime para Calvino, onde pela fé, o povo de Deus é levado à presença de Cristo no céu, de onde ele não sai, mas é representado diante os olhos do crente por meio dos símbolos que verdadeiramente representam o corpo e o sangue de Jesus.

Pela fé, é como se o crente estivesse diante de Cristo no céu, visto a profunda ligação entre o símbolo e o que eles simbolizam. No caso, essa ligação é feita pela Palavra de Deus que pronunciada pela boca de Jesus, e registrada pela pena de Paulo, assegura que Cristo se faz presente, mas como ele não pode ser visto pelos olhos sendo ele carne, então é a igreja que sobe, e pela fé ceia na presença de Cristo.

A Ceia servia para alimento do povo de Deus, através da esperança trazida pela presença de Cristo na Ceia e em sua promessa de volta. Essa esperança Calvino entendia que era abalada pela ideia Romana da transubstanciação. Sendo o sacramento o uso de um símbolo representando uma verdade espiritual, não há sacramento se o símbolo não é mais uma representação, mas a própria coisa significada. Desta forma, não há mais sacramento, e não há mais meio de graça, e tão pouco fé, pois não é algo que não se vê e espera, mas algo que até se pode comer. Ou seja, a instituição da Ceia feita por Cristo, perdeu seu sentido de ser, pois ela não é mais um anúncio da morte de Cristo, mas uma repetição de seu sacrifício, a diferença é que na Ceia Romana Cristo é ferido não pelos cravos, mas pelos dentes dos fiéis.

A Ceia em Genebra era celebrada da seguinte forma :

Após o sermão, o pregador deve dar instrução da Ceia, ensinando ao povo o significado e a forma como deveria ser recebido. Após isso:

  • Invocação: pedindo a Deus que todos possam receber a Ceia como alimento e com a lembrança de Jesus entregue pelos pecados de seu povo;
  • O Credo: o credo era proclamado como uma confirmação individual de fé na religião cristã;
  • Exortação: citação do texto de 1 Coríntios 11.23-30, e instrução para que estranhos à mesa da comunhão não tomem parte nela, e para que os crentes não tomem a Ceia de forma indigna, crendo no significado desse sacramento;
  • Distribuição: os elementos são distribuídos, enquanto um salmo é entoado;
  • Ação de graças: agradecimento pela participação e comunhão com Cristo Jesus;
  • Benção final.

Essa é forma como Calvino celebrava a Ceia em Genebra. Por ela percebe-se seu cuidado com a pureza desse sacramento. É visível também sua fidelidade às Escrituras, buscando celebrar a Ceia da forma mais próxima do que fora feito pelo Senhor. Também ficou visível até aqui, que Calvino via a Ceia do Senhor como um momento imprescindível ao culto, pois ele via nesse sacramento um alimento para a fé do crente. Era uma oportunidade única do fiel alimentar suas esperanças nas promessas de Deus – que são a base para todo sacramento -, e assim professar de forma visível a graça interna invisível.

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6. A Pregação da Palavra na Adoração Comunitária Segundo Calvino.

Calvino entendia que “ninguém pode sentir o menor gosto da sã doutrina sem se tornar discípulo das Escrituras”, deixando claro que para ele a pregação da Palavra é de fundamental importância para a vida da Igreja. A edificação, segundo Calvino, vem pela Palavra de Deus, que também mantém a Igreja unida.

A importância da pregação da Palavra era tanta para Calvino, que ele entendia que a ordem do descanso sabático também se aplica para a Igreja. Seria no dia do descanso que o cristão aprenderia da Palavra como agir no dia a dia, e se portar ordenadamente e descentemente. É a Palavra também, que edifica a Igreja no culto, instrui como o mesmo deve ser, além de todas as outras áreas da vida cristã.

A pregação da Palavra tem sua importância pela própria natureza da Palavra pregada. Calvino entendia que a pregação do Evangelho é a manifestação do poder de Deus para salvação, sendo que o Evangelho inspira a fé, conduzindo o fiel a agir segundo a Palavra de Deus, e a manter-se firme nesse propósito. A Palavra de Deus, para Calvino, é o meio ordinário de Deus ensinar seus filhos a andar em sua vontade. Essa autoridade, segundo Calvino, não vem apenas do fato da Bíblia ser inspirada, mas, também, pelo fato de que Deus é autor da pregação, por meio da iluminação do Espírito Santo, e por este não permitir que a pregação volte vazia. Quanto à natureza da pregação, Anglada afirma ser ela Palavra de Deus pelos seguintes motivos: “a condição de embaixador e porta-voz de Deus do pregador; [e] devido ao seu conteúdo”, o que resume esse ponto de vista de Calvino.

Dessa ação do Espírito de cuidar da resposta à Palavra, vê-se outro ponto da ideia da pregação na adoração pública segundo Calvino. Quando a resposta à pregação do Evangelho é positiva, não só no momento de evangelização, mas também por toda a carreira cristã, é porque não só o pregador deve ser fiel, mas também o ouvinte da Palavra deve ser um ouvinte fiel.

Para a compreensão Reformada a pregação da Palavra é Palavra de Deus, com mais o que foi visto anteriormente do pensamento de Calvino, vê-se que a pregação é um veículo do meio de graça que a Palavra é. É por ela que o crente aprende de Deus, de sua própria vida e destino de todas as coisas. É pela Palavra que Deus direciona seu povo, une, incentiva, disciplina e mostra seu amor declaradamente, portanto, a pregação se da Palavra se torna um meio de graça que alimenta o crente, assim como os sacramentos.

Para Calvino, diante de todo esse pensamento sobre a pregação, Jesus tinha de ser o centro de tudo. Jesus é o centro do evangelho que é poder para a salvação e alimento para a fé. Por outro lado, Cristo também é o centro da pregação, pois todas as promessa de Deus se firmam em Jesus. Ele também é o cumprimento de toda a Palavra do Antigo Testamento, e o penhor do que se cumprirá no Novo Testamento, portanto, ele é o centro de toda a Palavra de Deus revelada nas Escrituras. Mais do que isso, Calvino via ainda que Jesus era a própria Palavra de Deus. Jesus é a ação de Deus na criação e na manutenção da mesma.

Disso, entendendo que para Calvino a Palavra de Deus é o eixo da adoração comunitária, vê-se que a mesma deve ser centralizada em Cristo. Enfim, Cristo é o centro do culto, por ser o centro da Palavra e o centro das orações, pois estas são feitas em seu nome.

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Conclusão.

Diante do que foi apresentado, é razoável que se entenda que Calvino era um homem preocupado com a fidelidade à Palavra de Deus em todas as áreas da Igreja, e em especial na adoração pública. Calvino buscou nela os princípios que o dirigiram para formular desde sua liturgia até a pregação. Sua preocupação com a ordem e decência é bem visível, visto que mesmos as orações eram orientadas.

Seu cuidado não deixou de lado nenhuma parte do culto. A música recebeu atenção especial, apesar de Calvino ter sido contra o uso de instrumentos. Contudo, o canto congregacional era incentivado como uma forma de se trazer fervor às orações. Calvino queria que o homem não só usasse a razão no culto. Ele buscava que o adorador usasse todo o seu ser na adoração, inclusive suas emoções. Mesmo assim, ele não aceitava emoção por emoção. Calvino queria que a razão normatizada pela Palavra de Deus fosse a diretriz para todas as atitudes do adorador. Por este motivo, a leitura da Bíblia era feita em cada momento litúrgico, fazendo com que as orações e os cânticos fossem um exercício de resposta e demonstração de entendimento do que foi lido na Palavra de Deus. É pela importância da Palavra para o culto de Calvino que se vê a centralidade de Cristo em todos os momentos, pois mesmo que o texto não falasse de Jesus, certamente o Senhor seria um exemplo de obediência da passagem.

A exemplo do cuidado de Calvino, a Igreja deve ser cuidadosa com o preparo do culto ao Senhor. A adoração pública deve sempre levar o adorador ao entendimento da Palavra e a uma reação que demonstre seu entendimento. A adoração pública não pode ser simplesmente um lugar onde haja uma liturgia, ou um rito. É um lugar de entendimento, participação, emoção e resposta de vida ao que é ensinado. Este é um ponto importante para Calvino, o ensino.

A adoração pública é lugar de ensinar sobre Deus, e sobre a reação humana devida diante do que se aprende de Deus. Daí a importância de um culto repleto de leituras bíblicas. Elas é que ensinam a doutrina de Deus e sua vontade. É por meio dela que a Igreja é alimentada, edificada e unida. O próprio entendimento de Calvino quanto aos sacramentos converge para esse ponto.

A Ceia do Senhor não dependia dos símbolos simplesmente. Calvino via que os símbolos unidos à Palavra é que tornavam um rito um sacramento. Por esse motivo Calvino não aceitou outros sacramentos além da Ceia e do batismo, pois são os únicos ensinados na Bíblia. Mas na própria administração do sacramento a Palavra de Deus tinha de estar presente.

Em suma, a adoração pública segundo Calvino era um momento da Palavra de Deus com o envolvimento de todo o ser do adorador, que era ajudado pela liturgia e suas práticas, como o canto, a oração e os sacramentos.

Além do que aqui foi visto, outros assuntos relacionados com a adoração pública segundo Calvino poderiam ser abordados. Um estudo mais aprofundado do “Saltério de Genebra” poderia ser muito proveitoso. Certamente iria contribuir para o canto congregacional de hoje, pois o canto da Palavra de Deus iria acrescentar muito à adoração pública atual, e o trabalho já feito no Saltério de Genebra certamente é um bom começo.

A pregação da Palavra como um meio de graça também é um assunto de grande proveito, e que ajudaria os pregadores de hoje a entender melhor sua missão, além de acrescentar em responsabilidade aqueles que se afadigam do estudo da Palavra. Em relação ainda com a Palavra, seria proveitoso um estudo sobre o pensamento de Calvino sobre ser ela a marca essencial de uma verdadeira Igreja.

Todos esses assuntos seriam proveitosos, como foi este sobre a adoração pública, onde a igreja pode, diante do pensamento desse servo de Deus, João Calvino, acrescentar e rever muito de sua prática de culto.

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O autor: O rev. Ricardo Moura Lopes Coelho é ministro presbiteriano, pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Osasco. É formado pelo seminário JMC (2001) e mestrando em Teologia Sistemática pelo Centro Presbiteriano Adrew Jumper (CPAJ).


Nota dos editores do Música Sacra e Adoração

Como escrito acima, o autor do presente artigo é de confissão religiosa presbiteriana. Por este motivo, alguns trechos do texto poderão contrariar a teologia Adventista do Sétimo Dia. Todavia, os autores do Música Sacra e Adoração consideram o conteúdo geral do artigo de grande valor para a adoração de Deus, justificando assim sua publicação neste espaço virtual.


Fonte: Publicado originalmente em: http://www.ipb.org.br/artigos/artigo_inteligente.php3?id9.