A Bateria à Luz da Antropologia e da Bíblia – Uma Contestação
Olá
Sou um assíduo freqüentador do seu site e um grande divulgador do seu trabalho. Sou adventista e músico. Escrevi uma observação no livro de visitas da página, mas resolvi me explicar melhor. Li o artigo “A bateria à luz da Antropologia…“, mas já havia lido antes, pois tive acesso à dissertação do Pastor Vanderlei Dorneles sobre o transe místico. É um excelente trabalho. Porém vi, desde a primeira leitura, um equívoco no texto. Está no seguinte parágrafo:
“Na condução da arca de Quiriate-Jearim até a casa de Obede-Edom, houve música com tamboris e Davi dançou e se alegrou, ao ritmo da banda (1Crônicas 13:8 e 2Samuel 6:5). Nessa viagem, tudo deu errado.”
De acordo com 2 Sm 6:14, Davi dançou na segunda parte do transporte (da casa de Obede-Edom até Jerusalém). Ou seja, na primeira parte da viagem houve tambores, mas não dança.
Isso compromete o raciocínio do autor. Se na segunda parte a viagem foi abençoada por Deus, então coloca a dança de Davi sob a iluminação divina, pois o transporte deu certo.
“Três meses depois, Davi juntou o povo para buscar a arca da casa de Obede-Edom. Desta vez, ele orientou que ninguém conduziria a arca, senão os levitas (1Samuel 15:2). Houve alegria, mas ao contrário da primeira tentativa, desta vez a orquestra não teve tambor, mas harpas, alaúdes e címbalos (1Crônicas 15:16). O transporte deu certo.”
Não teve tambor, mas teve dança. Se o autor vincula o “dar certo” com a ausência de tambores, alguém poderia usar o mesmo argumento e vinculá-lo à presença da dança, certo?
E mais ainda:
“A música que se fez no transporte da arca até Jerusalém, sem uso de tambores, foi chamada de “música de Deus” (1Crônicas 16:41 e 42), enquanto que a banda que deu o ritmo da dança, quando Uzá morreu, não recebeu essa adjetivação (ver 1Crônicas 13:8).”
Ora, a Bíblia não registra dança durante o trajeto em que Uzá morreu (de Quireate-Jearim até Obede-Edom).
Creio que deveríamos trazer o assunto à baila, mas não deveríamos construir raciocínios sobre uma leitura errada do texto bíblico. Não me entenda mal: não sou defensor da dança, das palmas, ou de qualquer modismo que exista por aí. Mas acho que uma interpretação assim serve mais como argumento para os críticos. Digo isso porque pessoas que gostam de palmas, danças e baterias ritmadas já me mostraram tal contradição nesse artigo, usando-o como um argumento a favor de suas opiniões.
Já tentei contatar o autor, mas não obtive nenhuma resposta. Talvez você tenha mais êxito do que eu.
Continue firme, e que Deus abençoe o seu ministério.
Um abraço,
Isaac.
A Bateria à Luz da Antropologia e da Bíblia
Resposta do Autor
Olá,
Desculpe não ter respondido logo seu pedido. Por motivo de férias só pude fazê-lo hoje.
Bem, primeiro quero agradecer seu interesse pelo meu trabalho e por divulgar os textos em seu site. Espero que sejam benéficos para muitas pessoas.
Quero dizer que não recebi contato do Isaac, que te enviou o e-mail indagando sobre a questão da dança de Davi. É possível que ele enviou para outro endereço. Teria respondido com prazer.
Quero também dizer que está em fase de preparo por mim mesmo um livro sobre a música na Bíblia, com especial atenção à música do templo e ao ministério dos levitas. Deverá se chamar “O louvor no santíssimo”.
Afirmei no artigo que Davi dançou por ocasião da primeira fase do transporte da Arca, com base no fato de que em geral quando há música com tambores na Bíblia, essa música é de dança. Esse fato fica mais claro quando lemos o texto no original.
A versão Almeida Revista e Atualizada traduz 2Sam 6:5 assim: “Davi e toda a casa de Israel alegravam-se perante o Senhor, com toda sorte de instrumentos”; e 1Cron 13:8 como: “Davi e todo o Israel alegravam-se perante Deus com todo o seu empenho”. A questão está na maneira de traduzir estes dois versos. O verbo hebraico empregado neste texto é mesahaqîm, que é traduzido na versão grega Septuaginta pelo verbo paídzontes, da raiz paídzw. Este verbo tem o sentido de “brincar, divertir-se, brincar com música e dançar”.
A versão Almeida traduz como “alegrar-se com todo o empenho” para dar o sentido mais amplo do verbo, não para limitá-lo. Outras versões traduzem por “dançar” simplesmente. Como a Bíblia de Jerusalém, que diz: “Davi e toda a casa de Israel dançavam com todas as suas energias” (2Sam. 6:5); e “Davi e toda a casa de Israel dançavam diante do Senhor com todas as suas forças” (1Cron. 13:8). A BLH diz: “dançavam e cantavam” (2Sam 6:5); e “Davi e todo o Israel começaram a dançar” (1Cron 13:8). A King James, versão de língua inglesa, traduz o verbo por “play”, dando o sentido de “diversão, brincadeira com música”. A versão francesa dos Monges Beneditinos de Maredsous, tradução do original hebraico, traduz como “dançavam”. Joyce G. Baldwin, em seu comentário, diz: “A lenta velocidade do carro permitia que a procissão participasse em danças e canto ‘diante do Senhor com todas as forças’. O verbo alegravam-se, no hebraico, tem o valor de celebração incontida na adoração” (ver Baldwin, I e II Samuel, introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova, 1997, 234).
Bem, a despeito do fato de Davi e todo o Israel terem dançado, confirmando que a celebração, mesmo em honra a Deus, resultou em expressão corporal de dança, a questão que procurei mostrar no meu texto é a mudança da música do primeiro para o segundo transporte. Essa mudança certamente foi resultado o mandato de Deus a Davi, estabelecendo um estilo musical mais brando para o templo (ver 2Cron 29:25-27).
Davi parece era inclinado a expressar fisicamente seu estado de espírito. Mesmo com a música mais branda sem tambores e com menos instrumentos, ele dança no segundo transporte. Mas é bom notar que da primeira viagem se diz ele dançava com todo o Israel, e na segunda se diz que ele dançava, parecendo que o fazia sozinho (ver 2Sam. 6:16 e 1Cron 15:29).
Creio que o ponto mais importante desses textos é a possibilidade de extrair daí o princípio da música reverente. Embora Davi tenha dançado, e parece que sozinho, na segunda viagem, a música do templo não favoreceu mais a expressão física, visto que essa prática não é comum desse momento para frente, ficando restrita a celebrações populares..
Sem mais para o momento, me coloco à disposição para outros possíveis esclarecimentos.
Um abraço.
Vanderlei Dorneles