Que Atitude Estamos Trazendo Para o Culto?
por: Jetro Meira de Oliveira
Mais um dia de trabalho chegava ao fim. Cansaço e frustração era tudo o que ele podia sentir. Afinal de contas, todo o seu esforço parece que foi em vão. A multidão já se dispersava, aparentemente satisfeita com o que vira e ouvira. No entanto, ele sabia que o verdadeiro objetivo não havia sido alcançado.
Sua apresentação havia sido perfeita, o aplauso da multidão indicava isto. O timbre suave de sua voz, a facilidade com que tocou, as belas palavras proferidas em verso, tudo parecia estar em seu devido lugar, mas faltava algo.
A frustração tornava-se agora em questionamento: será que havia errado em sua estratégia? Não, ele sabia que os anos de preparo não haviam sido em vão, pois o próprio Deus o havia chamado. A mensagem que trazia era de vida ou morte, mas a multidão não parecia se importar com isto. Na realidade, ouviam as palavras, achavam-nas belas, mas não as colocavam em prática.
Esta é a triste descrição da atitude do povo de Israel para com a mensagem do profeta Ezequiel, tal qual o Capítulo 33 relata; e de particular interesse para nós são os versos 31 e 32: “E eles vêm a ti, como o povo costuma vir, e se assentam diante de ti como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as praticam; pois lisonjeiam com a sua boca, mas o seu coração segue a sua avareza. E eis que tu és para eles como uma canção de amores, canção de quem tem voz suave e que toca bem; porque ouvem as tuas palavras, mas não as praticam” (Eze. 33: 31, 32).
Como um bom aluno da Escola de Profetas, Ezequiel era bem treinado nas artes, principalmente na poesia e música. A mensagem de arrependimento e salvação que recebera de Deus foi apresentada com muita criatividade. Ezequiel utilizou os recursos da linguagem através de metáforas e alegorias, utilizou os recursos da representação dramática, e certamente utilizou os recursos da música para levar a mensagem de Deus ao impenitente povo de Israel.
Mas curiosamente o povo rejeitou a mensagem de Ezequiel. Curiosamente porque não o fez ignorando o profeta por completo, como se poderia esperar, numa demonstração de total desinteresse. Muito pelo contrário, o povo costumava reunir-se regularmente para ouvir à Ezequiel. Estando no exílio babilônico não havia templo para tais reuniões, portanto o mais provável é que o povo reunia-se à porta da própria casa do profeta ou à porta da cidade.
“E eles vêm a ti, como o povo costuma vir, e se assentam diante de ti como meu povo. . .”, com toda demonstração de respeito, reverência, sem cochichos ou sono; eles se assentam durante todo o tempo necessário sem reclamar, sem desejar que o sermão termine logo. O povo tinha prazer em ouvir à Ezequiel, “E eis que tu és para eles como uma canção de amores, canção de quem tem voz suave e que toca bem. . .”. O assunto que Ezequiel apresentava era fantástico; sua linguagem, refinada; suas expressões, elegantes; suas parábolas, fascinantes; e sua voz, melodiosa. Suas apresentações eram de tal forma que o povo se assentava para ouvi-lo, e se pudermos usar a linguagem dos nossos dias, como que para assistir a uma peça teatral ou ópera, ou para ouvir a um show musical.
O povo de Israel sofria do grave pecado da religião formal. O ato de ir e ouvir a palavra do profeta havia tornado-se uma tradição, um simples hábito recreativo e de diversão, um entretenimento para ser desfrutado por uma hora ou duas. Sendo assim, o povo desenvolveu um senso crítico refinado. O dicionário Aurélio define crítica como: “A arte ou faculdade de julgar produções de caráter literário, artístico ou científico, ou outras manifestações dessa natureza.” E o povo, como bons críticos de arte, preocupava-se apenas com as performances de Ezequiel, sem atentar para as verdades Espirituais. “E quando vier isto (e eis que está para vir), então, saberão que houve no meio deles um profeta” (Eze. 33: 33).
Esta situação é bem parecida com a que Jesus encontrou quando andou nesta terra: “Este povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está longe de Mim.” Foram as Suas palavras em Mateus 15:08. Uma religião externa, da boca para fora. Mas e hoje? Será que é diferente? Eu lhes pergunto: o que faz morada em nosso coração?
Vivemos numa época na qual a religião passa a ser cada vez mais aceita. As antigas barreiras de preconceito contra as religiões protestantes estão sendo pouco a pouco quebradas, e nunca antes houve uma procura tão intensa pela religião em nosso país. Este crescimento das religiões protestantes trouxe também um enorme desenvolvimento na música religiosa. Um grande mercado de consumo foi desenvolvido para a este tipo de música. Viajando de norte a sul do Brasil, é comum sintonizarmos estações de rádio religiosas, FM, de várias denominações, isto sem contar os programas de TV. Hoje temos inúmeros músicos das diversas denominações que trabalham tempo integral com isto. E estes recebem tratamento de artistas, com toda “tietagem” que é comum aos artistas seculares. Esta verdadeira explosão musical se manifesta em música dos vários estilos populares, sendo possível encontrar similares evangélicos de praticamente todos os estilos e gêneros populares. Até mesmo “pagode gospel” já pode ser encontrado.
Estas manifestações musicais e religiosas são caracterizadas por verdadeiros shows de produção. Tudo é feito em grande estilo, oferecendo animação e alegria dignos dos programas de auditório mais assistidos. E aí fica a indagação, se este esforço de produzir uma religião acessível, mais próxima do quotidiano do povo comum, criou uma religião popular que traz para a igreja uma atitude parecida com a que observamos no povo de Israel no tempo de Ezequiel. Uma atitude que temos diante de qualquer programa de TV ou rádio ou diante de qualquer evento secular, e que certamente não pertence dentro da igreja. É também interessante e relevante notarmos que desde o período de repressão política, e apesar da chamada “crise”, nosso país não vive um momento de tanta estabilidade econômica oferecendo assim um certo conforto de vida a todos. Esta combinação de certo conforto material e uma religião muito voltada para a sua forma de apresentação, a história já mostrou que não funciona muito bem.
Será que o movimento religioso atual é um triste exemplo moderno da religião formal descrita por Ezequiel? É interessante notarmos, que apesar de estar em cativeiro o povo de Israel desfrutava uma certa prosperidade material. Durante o período de Ezequiel os Babilônios foram até que cordiais com Israel, permitindo uma vida confortável. Abastados e cheios de si, o povo preocupava-se mais e mais com os negócios da fazenda e comércio; e em seu coração o egoísmo crescia. Podemos traçar um paralelo entre o povo de Israel no tempo de Ezequiel e a atual situação. Ambos desfrutam de prosperidade material, mesmo que em “cativeiro”, e ambos estão mais preocupados com o show do que com o verdadeiro “artista”. Estão preocupados com a forma da religião, mas não se preocupam com a essência da religião, Jesus Cristo. É muito difícil julgar a sinceridade das pessoas para com as coisas Espirituais, isto é trabalho para o próprio Deus. No entanto Deus nos permite julgar os frutos das obras dos homens, o seu resultado. E sabemos quais são os frutos de vida daqueles que caminham com Jesus. Talvez em na atual situação a própria forma do culto esteja promovendo uma religião de aparências e indiferente que sirva apenas como uma diversão semanal, um bom show para satisfazer um público exigente e sofisticado. Mas o que dizer do povo de Israel? Será que Ezequiel fazia algo de errado? Creio que não. Ezequiel havia recebido a mensagem do próprio Deus, e certamente recebeu também a inspiração de como apresentá-la. Portanto se não havia algo de errado com a forma do culto, por que o povo não colocava em prática a mensagem que ouvia? É muito simples. Se o indivíduo não abrir a porta do seu coração para que Jesus possa entrar, não existe nenhuma fórmula na terra ou no céu que possa fazê-lo. Não é a música, o sermão ou qualquer outro ponto que faz a diferença. A atitude que trazemos em nosso coração é o fator determinante em nosso aproveitamento espiritual.
Falamos um pouco sobre um passado distante, e sobre um presente que talvez não represente a realidade de todos. Mas, e quanto a nós. Quanto a você e eu. O que temos trazido em nosso coração à Casa do Senhor? Será que crescemos acostumados com os rituais de nossa igreja a tal ponto que já não sentimos o seu significado? Ou será que o nosso vir à igreja tornou-se um grande evento social, uma oportunidade para desfilarmos com nossas melhores roupas e observarmos o que os outros estão vestindo; uma oportunidade para utilizarmos o nosso desenvolvido senso crítico e analisarmos a forma, técnica e expressividade da Palavra falada e cantada. Será que temos trazido em nosso coração uma expectativa de que vamos realmente ter um encontro com Cristo, ou que simplesmente vamos nos divertir?
Por favor não me entendam mal. Não estou falando contra o senso estético manifestado no bom gosto das vestimentas e nas apresentações bem preparadas. Mas não podemos de forma alguma permitir que esta seja a ênfase de nossas atenções.
Eu fico pensando o que aconteceria se trouxéssemos em nosso coração esta expectativa de que vamos realmente ter um encontro com Cristo, e de que tudo que foi preparado no culto tem este objetivo. Será que nossos olhos poderiam ver o semblante de Cristo no rosto das pessoas, será que nossos ouvidos poderiam ouvir e entender as mensagens de vida? Será que esqueceríamos o nosso egoísmo e participaríamos de maneira desprendida na família de Deus?
Tal atitude não pode ser comprada. Ela precisa ser desenvolvida. Não adianta acordar no sábado de manhã e procurá-la ao redor, ela não vai estar lá. Dia a dia precisamos desenvolver esta expectativa de um encontro com Cristo, nos desprendendo cada vez mais das coisas deste mundo. Reconheço o forte bombardeio que sofremos através dos veículos de comunicação. Portanto precisamos estar atentos para que a atitude que temos ao ouvir uma música no rádio ou assistir um programa de TV não seja a atitude que trazemos para o culto. E mais ainda, de que a nossa forma de culto não se assemelhe aquilo que é característico do secular. Caso contrário estaremos nos entorpecendo com o desejo de agradar ao próprio eu, obscurecendo nossa capacidade de discernir as coisas Espirituais.
Portanto vos faço um convite. Vamos trazer um coração alegre para o culto. Vamos trazer um coração disposto a ouvir e seguir. Vamos trazer para o culto um coração que transborda em gratidão pelo supremo sacrifício de Cristo Jesus. Vamos trazer um coração que expressa esta gratidão através de um louvor vibrante. Vamos trazer um coração que se preocupa mais em discernir a vontade de Deus para nossas vidas, do que simplesmente analisar a forma de apresentação do culto. Que possamos atestar agora, que profetas têm andado entre nós.
Jetro Meira de Oliveira é professor da Escola de Artes do IAE/C2