O Ministério Levítico e a Influência do Humanismo na Música Evangélica Contemporânea

por: Rubens Ciqueira

Primeira Parte: O Ministério Levítico

Capítulo 02: Instrumentos Musicais Mencionados na Bíblia

Em alguns textos bíblicos podemos observar algumas características quanto à natureza dos instrumentos musicais empregados nas terras bíblicas do mundo antigo. A Arqueologia muito tem feito para dar-nos informações mais exatas sobre a questão. Podemos dividir os antigos instrumentos musicais em três categorias: os de corda; os de sopro; e os de percussão.

2.1 – Instrumentos de Corda.

a) A harpa (no hebraico, Kinnor)[1] . Esse é o primeiro de todos os instrumentos musicais mencionados na Bíblia “O nome de seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta – Por que fugiste ocultamente, e me lograste, e nada me fizeste saber para que eu te despedisse com alegria, e com cânticos, e com tamboril, e com harpa?”[2] .

Algumas traduções dizem ali lira, conforme a opinião da maioria dos eruditos. Esse era um instrumento portátil, o que se demonstra pelo fato de que os jovens profetas levavam-na juntamente com três outros tipos, “Então, seguirás a Gibeá-Eloim, onde estáa guarnição dos filisteus; e há de ser que, entrando na cidade, encontrarás um grupo de profetas que descem do alto, precedidos de saltérios, e tambores, e flautas, e harpas, e eles estarão profetizando”[3] . Não sabemos dizer se esse instrumento era tocado com as pontas dos dedos ou com algum objeto de tanger. As antigas pinturas murais dos túmulos dos egípcios mostram algum objeto de tanger, mas isso não tem de corresponder ao uso dominante em Israel. O trecho de I Samuel indica que o instrumento era tocado com as pontas dos dedos: “Manda, pois, senhor nosso, que teus servos que estão em tua presença, busquem um homem que saiba tocar harpa; e será que, quando o espírito maligno, da parte do Senhor, vier sobre ti, então, ele a dedilhará, e te acharás melhor”[4] .

Também não sabemos dizer quantas cordas tinha uma harpa. Provavelmente, esse número variava. Josefo fala de uma Kinnor de dez cordas. A harpa era feita de madeira, embora presas as cordas. O termo aramaico qiros que figura em Daniel 3, vem da mesma raiz de onde se deriva a palavra portuguesa guitarra.[5]

b) Saltério (no grego psalterion). Um instrumento de cordas tocado com as pontas dos dedos. O termo grego psallo significa “tocar” ou “tanger”, o que explica o nome desse instrumento. Essa palavra grega traduzia o termo hebraico nebel. A maioria dos eruditos pensa que vários tipos de harpa eram assim chamados, de forma geral, ou mesmo exclusivamente o trecho de I Samuel alude ao instrumento, o que parece mostrar uma origem fenícia do mesmo, visto que naquela porção do Antigo Testamento, o pano de fundo era a cultura fenícia (texto citado acima nota de n. 15). Uma das formas do instrumento tinha uma caixa de ressonância bojuda, parecida com a guitarra portuguesa, na extremidade inferior. Esse instrumento era feito de madeira. O termo hebraico ‘asor, que indica um instrumento de dez cordas, e, na septuaginta, algumas vezes é traduzido pelo vocábulo grego psalterion. Porém, também é possível que a ‘asor fosse apenas um tipo de nebel.

c) Cítara – O trecho de Daniel (“No momento em que ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles e de toda sorte de música, vos prostrareis e adorareis a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor levantou”[6] .) menciona esse instrumento musical como um daqueles que faziam parte da orquestra de Nabucodonosor. Alguns estudiosos pensam que a cítara no hebraico sabbeka[7] era uma espécie de harpa, pequena, de formato triangular, dotada de quatro ou mais cordas, e que tocava em tom alto. Estrabão (x.471) diz que se originara entre bárbaros. Há traduções que dão a esse instrumento o nome de trígono, devido ao seu formato triangular.

d) Saltério de dez cordas. No hebraico asor. Provavelmente, uma lira com dez cordas como é citado pelo salmista “Celebrai o Senhor com harpa, louvai-o com cânticos no saltério de dez cordas – Com instrumentos de dez cordas, com saltério e com a solenidade da harpa – A ti, ó Deus, entoarei novo cântico; no saltério de dez cordas, te cantarei louvores”[8] . Há quem pense que este instrumento era chamado kitara pelos gregos. Mas esse tinha de trinta a quarenta cordas e era tocado com um plectro[9] , o que mostra que não era o mesmo instrumento referido no Antigo Testamento.

2.2 – Instrumentos de Sopro.

a) Gaitas (no hebraico, chalil). Algumas traduções também traduzem essa palavra por “flauta”. A palavra hebraica chalil deriva-se da ideia de “furar” ou “cortar”. O termo grego correspondente, aulós, envolve a ideia de “soprar”. Os eruditos hesitam entre um tipo de oboé e uma flauta. Essa palavra também pode ter um sentido geral, incluindo vários tipos de instrumentos de sopro. No livro de Primeiro Reis na festa de coroação do rei Salomão podemos perceber que a gaita e ra muito usada: “Após ele, subiu todo o povo tocando gaitas e alegrando-se com grande alegria, de maneira que, com seu clamor, parecia fender-se a terra”. Gaita de foles, instrumento também aparece no texto de Daniel citado acima. Como palavra derivada do aramaico, sumponya, provavelmente um vocábulo tomado por empréstimo do grego[10] .

b) Pífaro. (no aramaico, mashroqita). Esse termo acha-se somente no livro de Daniel em um dos textos citado acima. Um dos instrumentos babilônicos ali mencionados. A raiz dessa palavra, saraq, significa “soprar” ou “silvar”. Vários instrumentos poderiam estar em foco, e talvez o flautim esteja em evidência entre as possibilidades.

c) Flauta. No hebraico ugab. É difícl saber exatamente que instrumento musical seria esse podendo ser um nome genérico para vários tipos de instrumentos de sopro. “cantam com tamboril e harpa e alegram-se ao som da flauta”[11] . A Septuaginta dá nada menos de três traduções diferentes para a palavra hebraica envolvida, mas nenhuma delas parece corresponder a um instrumento de sopro, a saber: a guitarra, e o saltério.

d) Corneta. No hebraico shophar. No grego, kéras, no latim, cornu. Essa palavra hebraica pode indicar frascos para levar líquidos em pequenas porções, pois esses frascos eram feitos de chifres de boi. E também podia apontar para um pequeno instrumento como aquele que aparece no sexto capítulo do livro de Josué, quando trombetas foram sopradas e as muralhas de Jericó ruíram. “Gritou, pois, o povo, e os sacerdotes tocaram as trombetas. Tendo ouvido o povo o sonido da trombeta e levantando grande grito, ruíram as muralhas, e o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si, e a tomaram”[12] .

e) Trombeta. No hebraico, chatsotserah[13] . Deve ser feita a distinção entre a corneta, feita de chifre de boi e a trombeta, que era um instrumento de metal. Além disso, a corneta era um instrumento militar, embora também pudesse ser usado em funções religiosas. Assim, esse instrumento até hoje é usado nas sinagogas judaicas. Já a trombeta era um instrumento sagrado, e nunca usado para fins militares. Como veremos nos textos a seguir:

“Faze duas trombetas de prata; de obra batida as farás; servir-te-ão para convocares a congregação e para a partida dos arraiais”[14] “Tocai a trombeta na Festa da Lua Nova, na lua cheia, dia da nossa festa”[15] “Com trombetas e ao som de buzinas exultai perante o Senhor, que é rei”.[16] “Clama a plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados”.[17] “Anunciai em Judá, fazei ouvir em Jerusalém e dizei: tocai a trombeta na terra! Gritai em alta voz, dizendo: ajuntai-vos, e entremos nas cidades fortificadas!”[18] .

Somente no texto de I Coríntios capítulo 14 verso 8 que diz “Pois também se a trombeta der som incerto, quem se preparará para a batalha?”, Paulo escrevendo aos coríntios usa a figura da trombeta sem distinguir claramente, deixando entender que poderia ser usado no contexto militar. Mas, quando analisamos o texto percebemos que não é a intenção de Paulo, falar a respeito de instrumento, por isso ele não deixa claro o tipo e trombeta que seria usado, como nós já referimos era a trombeta de chifre de chifre e não a de metal[19] . Talvez também que Paulo era cidadão romano e na época eles a usavam para saídas militares[20] .

2.3 – Instrumentos de Percussão.

Címbalo. No hebraico, Mena’ na’im, uma palavra hebraica de dúbio sentido, que a vulgata traduziu como sistra, “guizos”. A septuaginta traduziu esta palavra por Kumbala, o que explica a tradução portuguesa. No entanto dificilmente tratar-se-ia, realmente, do címbalo “Davi e toda a casa de Israel alegravam-se perante o Senhor, com faia, com harpas, com saltérios, com tamboris, com pandeiros e com címbalos,[21] ,esta palavra no hebraico significa “vibrar”. A arqueologia tem ilustrado vários tipos de guizos. Talvez se trate de algo assim.

Dois tipos de címbalos têm sido achados pelos arqueólogos. Um desses tipos consiste em dois pratos achatados feitos de metal, que eram batidos um no outro de forma ritmada; o outro tipo consiste em duas espécies de conchas, batida uma na outra. Aqueles termos hebraicos têm sentido de zunir. Por esta razão que no salmo 150 verso 5, faz a distinção: “címbalos sonoros” e “címbalos retumbantes”. No grego Kúmbalon, “´cimbalo”, palavra que ocorre somente uma vez em todo o Novo Testamento “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como címbalo que retine”[22] .

b) Tamborim. No hebraico, toph, como vemos no livro de Exôdo “A profetisa Miriã, irmã de Arão, tomou um tamborim, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamborins e com danças”[23] .

“O substantivo toph é um termo genérico para tamborins e tambores médios (os instrumentos de percussão mais comuns nos tempos antigos), dos quais foram encontrados exemplares em escavações no Egito e na Mesopotâmia. Entretanto, o tamboril não está entre os instrumentos mencionados em Crônicas e preceituados para a adoração no templo”[24] . Este instrumento era parecido com o pandeiro brasileiro, tangido com a mão. Era usado para acompanhar, ritmadamente, a música e a dança, nas festividades e nos cortejos.

c) Adufes. A palavra é a da mesma raiz o hebraico para tamborim “toph”. Provavelmente era outro nome para se referir ao pandeiro[25] .

Notas:

[1] CHAMPLIN, Russel Normam, Enciclopédia de Bíblia e Filosofia, vol 3, p.29

[2] Gênesis 4:21; 31:27

[3] I Samuel 0:5

[4] I Samuel 16:16

[5] Um instrumento musical com cordas e feito de madeira. Comumente associado ao júbilo e à alegria. O que parece a palavra é de origem indiana, pois na Índia existe um instrumento de cordas denominado Kinnara. É possível que a palavra, se não o próprio instrumento, tenha vindo para o vocabulário hebraico através do hitita. Provavelmente o kinnor era uma lira, e não uma verdadeira harpa. Liras aparecem em várias pinturas e esculturas antigas. Embora a maioria das referências à harpa ocorra num contexto de adoração pública, cerca de seis referências indicam que ela era um instrumento de recreação e descontração. Era comum a harpa ser tocada em festas, presumivelmente por dançarinas “Toma a harpa, rodeia a cidade, é meretriz, entregue ao esquecimento; canta bem, toca, multiplica as tuas canções, para que se recordem de ti.” Is. 23:16. (BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 2000. p.1004,5).

[6] Daniel 3:5

[7] Lira, cítara. Um empréstimo linguístico do grego kitharis. Quanto à importância dessa palavra e de outros empréstimos lingüísticos do grego para a datação de Daniel. (BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p.1199).

[8] Salmos 33:2; 92:3; 144:9

[9] s. m. 1. Ant. Pequena vara de marfim, com que se feriam as cordas da lira. 2. Fig. Poesia, inspiração poética. Dicionário Michaelis

[10] Na atualidade geralmente se aceita que, uma vez que houve muitos contatos anteriores entre gregos e persas, esse nome de instrumento musical pode muito bem ter sido encontrado junto com o instrumento na corte persa. O mesmo se pode dizer das três outras palavras gregas nesse trecho de Daniel: qîteros, “harpa”, sabbeka, “trombone”; psalterîn, “saltério”. (BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p.726

[11] Jó 21:12

[12] Josué. 6.20

[13] Talvez originária de uma raiz com o sentido de “ser estreito”, descrevendo sua forma, a palavra ocorre 29 vezes sempre no plural, com exceção de Oséias 5:8 “Tocai a trombeta em Gibeá e em Rama tocai a rebate! Levantai gritos em Bete-Àven! Cuidado, Benjamim”. Dessas ocorrências, 16 encontram-se em 1 e 2 Crônicas. É traduzida por salpigs na LXX e por tuba na vulgata, tendo ambas as palavras o sentido de “trombeta”. (BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 2000. p.518,519).

[14] Números 10:2

[15] Salmos 81:3

[16] Salmos 98:6

[17] Isaías 58:1

[18] Jeremias 4:5

[19] BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p. 726.

[20] PACKER, J. I.; TENNEY, Merril C.; WHITE, Willian, O Mundo do Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 2000. p. 58-61.

[21] II Samuel 6:5

[22] I Coríntios 13:1

[23] Êxodo 15:20

[24] BROWN, Colin, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. p. 2537.

[25] DAVIS, John D. Diconário da Bíblia. Editora Candeia e Juerp 20ª ed., 1998. p. 581.


Fonte: Publicado originalmente em http://www.textosdareforma.net


Primeira parte – Capítulo 03

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