História da música (parte 03)
por: Desconhecido
Ao final do século XVI, a música ainda buscava os caminhos que as artes plásticas, a arquitetura e a literatura do Renascimento já trilhavam: a volta aos padrões clássicos greco-romanos. O teatro grego utilizara os recursos da palavra e do canto para dar maior expressão aos sentimentos. Os padrões rígidos da música renascentista não permitiam esta ênfase. Em suas duas formas - música sacra e madrigal (profana) - só admitia a polifonia e a capela: polifonia, porque diversas vozes cantavam temas diferentes ao mesmo tempo; a capela, porque as peças não tinham acompanhamento instrumental.
Mas, exatamente em Florença, entre músicos e artistas que se reuniam no Palácio de Pitti, ou na residência do mecenas Giovanni Bardi, preparava-se a renovação musical. E os primeiros passos foram dados pelo poeta Ottavio Rinuccini (1562-1621) e pelo maestro Jacopo Peri (1561-1633). O poeta escreveu os libretos (a letra) e o maestro a música de duas obras: "Dafne"(1597) e "Eurídice" (1600). Para que o texto pudesse ser entendido, substituíram a polifonia pelo canto homófono ou monódico, no qual sobressaía um solista. Nascia o gênero ópera, mas completamente diverso do modelo clássico que pretendia imitar.
A voz isolada do solista causou estranheza a um público habituado ao colorido polifônico de muitas vozes. Era necessário acrescentar alguma espécie de acompanhamento. E os compositores resolveram utilizar um instrumento de teclado, que substituiu os antigos corais polifônicos, sem empanar o desempenho do cantor. Como o instrumentista completava continuamente os sons cantados, tocando acordes em tom mais baixo, esse acompanhamento foi chamado baixo contínuo. Juntamente com o canto homófono, o baixo contínuo foi a base de toda a música barroca.
Pouco tempo depois, em Veneza, Claúdio Monteverdi (1567-1643) acrescentou novos aperfeiçoamentos ao gênero. "Orfeu" (1607) é sua primeira ópera realmente bem elaborada, onde Monteverdi explorou ainda outros recursos: orquestra, coro e bailados. Seu trabalho agradou. Até o fim do século, Veneza construiu mais de quinze teatros e a ópera ganhou entusiastas na Europa inteira.
Na representação de uma ópera no século XVII, a platéia não tinha móveis: horas antes do espetáculo chegavam os criados, trazendo cadeiras, poltronas, sofás e até mesas. Aos poucos, o salão ficava repleto de gente que passeava para um lado para outro, cumprimentando os conhecidos, comentando as novidades ou discutindo os acontecimentos políticos. Em dado instante, um toque de clarim se sobrepunha ao borburinho reinante e anunciava o início da representação. Com o tempo, o toque de clarim foi substituído por uma abertura instrumental, a qual, em regra, objetivava pedir silêncio à assistência.
Os cantores imperavam no palco. Se agradavam, tornavam-se logo ídolos da multidão entusiasmada. Em caso contrário, eram atingidos por uma verdadeira chuva de frutas e legumes, vendidos no próprio recinto do espetáculo.
Na França, o gosto do público, influenciado pelo classicismo, exigia uma adaptação da ópera italiana. Jean-Baptiste Lully (1632-1687) satisfez a essa exigência: criou uma abertura que ficou conhecida como ouverture française. Era uma peça exclusivamente instrumental, iniciada por um movimento lento e majestoso, seguido de um movimento rápido e um desfecho lento. Além disso, Lully ainda juntou aos elementos italianos vários bailados em moda na corte francesa. O resultado foi uma ópera tipicamente francesa.
Na Inglaterra, a ópera italiana fundiu-se com a tradição do teatro inglês. O introdutor do gênero na ilha britânica foi Henry Purcell.
Encravada em um golfo do Mediterrâneo, sempre azul, está Nápoles, cidade de povo alegre e brincalhão. Os napolitanos davam mais importância ao "bel-canto" que ao texto ou ao próprio desenvolvimento dramático do espetáculo. Assim, a ópera derivou para o gênero que ficou conhecido por lírico, com árias preparadas para o virtuosismo dos intérpretes e deleite dos espectadores.
O pai da nova modalidade foi Alessandro Scarlatti (1656-1725), que criou também a abertura italiana. Esta, ao contrário da francesa, é formada por um trecho lento entre dois rápidos, e foi de grande importância no posterior desenvolvimento da sinfonia.
O temperamento alegre de Nápoles contribuiu para o desenvolvimento da ópera buffa ou cômica, que na verdade nasceu por acidente. Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) havia feito uma ópera séria. E, como era de uso, escreveu também algumas cenas cômicas que seriam apresentadas nos intervalos entre os atos. A ópera "grande" foi um fracasso, mas "La Serva Padrona" - o enteatro - era uma pequena obra-prima. Calorosamente recebida, serviu como padrão ao gênero cômico, que ironiza os costumes da vida mundana.
Tais foram os caminhos da ópera até cerca de 1750. Foi quando Christoph Willibald Gluck (1714-1787), em Viena, no apogeu de sua carreira de operista do molde italiano, tomou consciência de que sua arte, pomposa e ornamentada, era cada vez mais vazia. Decidiu então iniciar uma reforma do gênero, para torná-lo mais sério. Para tanto, contou com o incentivo e a colaboração do poeta e crítico Ranieri Calzabigi (1714-1795).
As primeiras experiências no sentido de um retorno à ópera monteverdiana, tomada como padrão, não foram bem recebidas emViena. Gluck e Calzabigi seguiram então para Paris. Mas, encontraram a corte francesa divida em dois grupos antagônicos: os partidários de Niccolo Piccinni (1728-1800), autor de óperas cômicas, e os admiradores de Jean-Philippe Rameau (1683-1764), que, como Gluck, também pretendia tornar mais séria a ópera. Após a apresentação de "Orfeu e Eurídice", em 1762, ópera despojada de tudo o que agradava aos apreciadores de Piccinni, Gluck passou a atrair a admiração dos seguidores de Rameau e a aversão dos piccinnistas. A querela arrastou-se por vários anos, até que, com as óperas "Ifigênia em Áulis" e "Ifigênia em Táuris", Gluck conseguiu uma vitória definitiva.
O violino, a princípio, era considerado um instrumento profano, indígno de ser apresentado em igrejas e salões de elite. Era usado pelos mendigos, nas aldeias e nas tavernas, para acompanhar a dança dos camponeses embriagados. Entretanto, em meados do século XVII, floresceu em Cremona o melhor artesanato de instrumentos de corda. Os Stradivarius, os Amati e os Guarnieri eram modelos inimitáveis e conquistaram lugares antes proibidos.
No século XVII, época do barroco, aperfeiçoaram-se também os instrumentistas, destacando-se muitas virtuoses, mestres consumados no domínio de um instrumento. Foram eles responsáveis, em grande escala, não só pela divulgação do violino, mas também pelo desenvolvimento da música instrumental. Surgiram então as orquestras de câmara (conjunto de poucos instrumentistas) e o concerto grosso, o mais autêntico produto da música barroca. Neste gênero, um grupo de solistas, chamado concertino, executa sua melodia em contraposição à orquestra.
Ao mesmo tempo, desenvolveu-se a cantata, obra origináriamente de caráter narrativo, executada por um cantor com acompanhamento de baixo contínuo. De caráter profano, a cantata era música para sala de concertos. No século XVII, porém, foi transferida, por Giacomo Carissini (1604-1674), para a igreja. Dividiu-se, assim, em duas modalidades: cantata de câmara, sobre temas leigos, e cantata de igreja, de inspiração religiosa. Passou a ser executada por vários cantores, com acompanhamento de pequenas orquestras, valorizando assim a instrumentação.
Rivalizando com a ópera, popularizou-se também no século XVII o oratório, composição musical executada por solistas vocais, coro e orquestra, com texto geralmente extraído da Bíblia.
Duas formas instrumentais cultivadas na época se notabilizaram: a sonata e a tocata. Na origem, a sonata era executada por qualquer instrumento que não tivesse teclado, diferenciando-se da tocata, que era uma peça para instrumentos de teclado, sobretudo o órgão. Outra diferença era que a sonata, originária da suíte (coleção de danças rápidas e lentas)), obedecia à divisão em três movimentos: rápido, lento, rápido.
A tocata não seguia essa norma. No século XVII, a sonata passou a ser executada inclusive por instrumentos de teclado, enquanto a tocata ficou reservada para o órgão. Grande mérito no desenvolvimento da sonata cabe à chamada Escola de Mannheim, na Alemanha.