Introdução à música

por: Keith Spence

Todos sabemos o que é música, pelo menos até o momento em que tentamos traduzir por palavras aquilo que ela exprime. Descobrimos então que não existe unanimidade e que aquilo que para uns é música para outros não passa de uma confusão de ruídos. Através da história, qualquer novidade era saudada com um grito: "Isso não é música!" Disse-se isso de Bach no século XVIII e de Stravinski no século XX. Dizem isso os amantes da música clássica a propósito da música pop e vice-versa.
Talvez tenhamos então de ter presente que pode haver várias "músicas" e não uma só arte musical. O dicionário fornece uma tentativa de definição positiva, dizendo ser a música "uma das belas-artes, que está relacionada com a combinação de, sons do ponto de vista da beleza da forma e da expressão do pensamento ou da emoção". Embora se afigure adequada, a definição não é satisfatória, na medida em que nega a um simples som a possibilidade de ser considerado como música.

Os músicos chineses são capazes de escutar as ressonâncias de um simples toque de sino esmorecendo até o silêncio, e para eles isso é música. Muita gente, porém, no Oriente ou no Ocidente, espera da sua música algo mais do que a mera contemplação de um simples som, por mais belo que seja ou por mais reminiscências que desperte. Qualquer peça musical, desde a canção de poucos minutos de duração até a sinfonia de mais de uma hora, é um organismo vivo, nasce do silêncio, cresce com o tempo e finalmente morre, umas vezes num acorde triunfante, outras sumindo-se gradualmente.

Também, como qualquer organismo vivo, não só não há duas peças iguais como as suas execuções diferem todas de uma maneira sutil, dependendo da perícia e da personalidade dos intérpretes. E isso tanto é verdade para a mais delicada peça escrita para violão solo, como para uma imponente sinfonia executada por mais de cem músicos. Perante tal complexidade, torna-se quase impossível recuar no tempo até o momento em que a música teria surgido.
De qualquer forma, nem mesmo entre os especialistas há acordo acerca das origens da música. Uns defendem que ela começou com o canto, enquanto outros afirmam que ela principiou com ritmos tamborilados, provavelmente acompanhando danças que aumentariam as colheitas ou assegurariam uma boa caçada. Porém, é certo que era uma atividade primitiva, de profundo significado, envolvendo toda a família ou tribo.

Hoje em dia somos propensos a encarar a música como divertimento, como forma de relaxar, após um dia intenso. Mas tal atitude é uma manifestação relativamente recente na história da música. Os antigos gregos acreditavam que certas escalas ou modos enfraqueciam a determinação do homem, enquanto outras o preparavam para o combate, crença que encontra eco ainda hoje, em países totalitários, onde a música é apodada de "decadente" ou "imoral" caso ofenda o pensamento do poder. O receio da inovação não se confina a esses países.

A música que perturba ou transtorna as pessoas nunca foi particularmente bem-vinda. Os compositores tendem a edificar as suas obras a partir das construções complexas dos seus predecessores, chegando por vezes a um ponto em que a música se torna tão difícil, que se sente a necessidade de um regresso à simplicidade. Aconteceu há quatrocentos anos, quando se procurou na ópera um regresso à "simplicidade" da tragédia da antiguidade grega. Aconteceu ainda por volta de 1750, quando os filhos de J. S. Bach se afastaram das poderosas estruturas da música de seu pai, abandonando-as como se tratasse de "uma velha peruca". E há indícios de que isso pode voltar a acontecer nos nossos dias. Ao mesmo tempo em que o cálculo matemático, no qual alguns compositores baseiam as suas obras, se torna cada vez mais complexo, há um movimento contrário no sentido da simplicidade. Simples ou complexas, as pessoas criam e ouvem música porque a amam.

Quando Schubert pretendeu expressar os seus sentimentos "pela maravilhosa arte", fê-lo de uma forma sublime numa das suas mais simples canções, À música, verdadeiro hino de afeição e ação de graças. E Beethoven, no início da sua Missa solene, escreveu: "Do coração veio, ao coração se dirige". É esse o verdadeiro significado da música.