Artigos Diversos e Curiosidades Musicais / Testemunhos Pessoais

A Verdade Presente na Música

por: Herbert Blomstedt

Aquilo que gostamos e a maneira como tocamos, diz muito sobre quem somos e como entendemos a Deus

A preleção que se segue, apresentada durante a cerimônia do Premio de Excelência Charles E. Weniger, na Universidade de Loma Linda em 28 de Janeiro de 2012, está reproduzido aqui com algumas alterações editoriais. O Maestro Herbert Blomstedt era um dos agraciados com o prêmio. Convidamos os nossos leitores a considerar respostas a esta articulada exposição de sua filosofia e teologia de música – Os editores [1]

Verdade – Que palavra tremenda! O assunto da Escola Sabatina desta manhã foi o julgamento – o julgamento do Senhor. Durante o dia de hoje nós falamos a verdade, somente a verdade?

Parece que o chamado à verdade está nos perseguindo hoje. De fato, a verdade nos persegue durante todas as nossas vidas. Todos nós nascemos com um desejo pelo conhecimento e pela verdade. Para aqueles de nós que devotam seus esforços à ciência e às artes, a busca pela verdade torna-se uma obsessão, ou não poderíamos ser verdadeiros cientistas ou artistas.

Esta é uma vida difícil, árdua, com muito sacrifício. Oh, sim, também somos ricamente recompensados. Descobrir uma verdade nova é bastante raro. Mas quando isto acontece, ficamos extasiados, como o homem acerca de quem o apóstolo Paulo escreveu, o qual foi levado até o terceiro céu (II Coríntios 12:2). Mas somos imediatamente trazidos de volta à realidade, pelo pensamento que o que descobrimos é apenas uma pequena gota no oceano. De fato, deveríamos ser as pessoas mais humildes e modestas. O poeta inglês Alexander Pope expressou isto muito bem:

“Um pouco de aprendizado é uma coisa perigosa,
Beba profundamente, ou não experimente desta fonte Pierrian:
Ali, o beber superficial intoxica a mente,
E o beber com abundância nos deixa sóbrios novamente.” [2]

Descobrindo a Verdade

Sim, a busca pela verdade é uma obsessão. A verdade nunca deveria ser tratada como uma posse. Nunca podemos possuir a verdade, como alguma coisa que temos no bolso. Verdade como um hábito, verdade como um dever, não é este o tipo de verdade que estamos procurando. A verdade é algo dinâmico, não uma coisa estática. Ao contrário, ela é algo extasiante.

Grandes descobertas clássicas nos vêm à mente: Arquimedes em sua banheira. Isaac Newton embaixo da macieira. O pioneiro adventista Hiran Edson no milharal, no dia seguinte ao Grande Desapontamento.

Elias Canetti, o escritor ganhador do premio Nobel, diz em um de seus rascunhos, “A verdade deveria ser como uma tempestade, e quando o ar já está limpo, ela passa. A verdade deveria vir como um relâmpago, de outra forma ela não tem efeito. Aquele que conhece a verdade deveria ficar aterrorizado com ela. A verdade não deve se tornar o cão de um homem – ai do homem que assobia por ela.”

Lembro-me de uma escola de extensão da Universidade Andrews na Noruega, no meio dos anos 1960. Cerca de 50 pastores, de toda a Escandinávia haviam se reunido para estudar com os principais acadêmicos da América. Eu estava lá para dirigir um workshop sobre hinos cristãos. No último dia, foi anunciado um momento para perguntas. Foram permitidas apenas perguntas por escrito.

A primeira pergunta foi lida e a resposta foi alguma coisa como “Bem, eu tenho aqui uma maravilhosa citação do segundo volume dos Testemunhos para a Igreja, página 213.” Próxima pergunta e o orador ofereceu algo como “Tenho a resposta perfeita para o seu problema em Primeiros Escritos, página 57.” Este foi o Grande Desapontamento daqueles dias que, de outra forma, foram maravilhosos. A verdade foi tratada como um cão. Assobie ele vem. As perguntas eram sinceras; as respostas inspiradas. Mas elas não se combinavam. As questões não foram tratadas, mas ultrapassadas. Desta forma, não pode haver progresso.

Quando Tiago White publicou o primeiro periódico adventista, em 1849, ele o chamou de A Verdade Presente. Um bom nome: a verdade era nova, relevante e urgente. Mas se existe uma “verdade presente” também existe uma “verdade passada”. A história daquele periódico é um bom exemplo. Os temas principais eram o Sábado do sétimo dia e a crença da “porta fechada”, referindo-se à parábola de Jesus sobre as 10 virgens, esperando pelo Noivo. A verdade do Sábado permanece sólida até os dias de hoje, mas a crença na “porta fechada” desapareceu após alguns anos. Eles estavam errados!

Não existe nada de humilhante nisto. Estamos todos caminhando, a vida é uma viagem. Que o seu vôo chegue depois do meu não me torna superior. Que eu seja mais lento do que você não me torna inferior. Somos todos viajantes. Portanto, posso ficar confortável com pessoas que possuem crenças muito diferentes das minhas. Posso me simpatizar com católicos, judeus, muçulmanos e ateus, mesmo não compartilhando seus pontos de vista.

Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6). Que declaração dinâmica! Tudo está em movimento. Nada está estático. Se você quer a vida, tome o seu caminho seguindo Jesus, buscando a verdade. Os fariseus haviam esmagado a verdade com a Torá, pregando até mesmo a Verdade encarnada na cruz. Eles usaram a verdade como uma arma, como uma espada, como vingança. Mas Jesus mostra que a verdade é uma forma de vida. Ainda mais – é o caminho para a vida. Ela nos torna humildes.

Nosso objetivo não deve ser o de “possuir a verdade”, porque isso é realmente impossível. O nosso conhecimento será sempre “em parte” (I Coríntios 13:12). A coisa mais importante é que estamos “possuídos pela verdade”, buscando a verdade, estando constantemente no caminho, tendo a Jesus como nosso exemplo supremo.

Executando Com Paixão

Muitas vezes me perguntam: Como você pode continuar a executar as mesmas sinfonias vez após outra? Você não se cansa de Heróica de Beethoven? A resposta é que eu estou procurando a verdade. A verdade na execução de uma obra musical é conseguir um equilíbrio perfeito entre todos os seus elementos. É muito complicado. Milhares de detalhes que devem se encaixar perfeitamente em uma fração de segundo. Não apenas todas as dificuldades técnicas precisam ser resolvidas – as qualidades expressivas e emocionais também precisam aparecer. Se o desejo pela absoluta clareza e transparência tiver a primazia, corremos o risco de perder o calor. Se conseguirmos a expressão máxima, tendemos a perder a clareza. Intelecto e emoção devem estar em perfeito equilíbrio. E a obra deve soar completamente natural. Ninguém deve perceber como é difícil.

Como executante, devo permanecer em segundo plano. A mensagem da música, conforme escrita pelo compositor, a verdade da música, fica obscurecida se muita atenção é focada sobre o executante. Espero me aproximar desta verdade a cada apresentação, embora saiba que ela nunca será perfeita, porque nas artes nunca alcançamos o ideal. Uma obra de arte, na verdade, nunca termina, é apenas abandonada. Mesmo a Criação de Deus não está terminada. Os sete dias foram apenas “o princípio” (Gênesis 1:1). Ela continua ainda hoje – em toda erva verde que brota, em cada bebê que nasce.

A execução musical tem um lugar especial entre as artes. Diferentemente da pintura ou da escultura, uma sinfonia ou uma canção deve ser tocada ou cantada para se tornar viva. É uma arte de como usar o tempo e preencher o tempo com significado. É um espelho da própria vida. Ela começa com silêncio e termina em silêncio. O que está no meio pode ser sublime ou trivial, mas tem que ser executado para que possa existir no mundo real. Caso contrário, sobrevive apenas como pontos e linhas mortos em um pedaço de papel até que seja “ressuscitado” pelo intérprete.

Aqui está o mais óbvio elo de ligação entre a religião e a música: a busca da verdade. Toco todos os dias com alguns dos maiores músicos do nosso tempo, e vejo que todos eles são mais ou menos religiosos, mesmo que não frequentem uma igreja. Como eu, eles estão procurando a verdade.

Claro que existem também outras relações entre a religião e a música. Martinho Lutero viu a música como o maior dom de Deus depois da teologia. E os românticos atribuíam poderes transcendentais à música: transportar a humanidade até os próprios portais do céu. O romancista e filósofo sueco Lars Gustafsson, por muitos anos professor da Universidade do Texas em Austin, disse isto em seu último livro: “Há algo de misterioso na música, algo espiritual, ou algo demoníaco, que não encontramos nas outras artes. É como se a música pudesse alcançar mais profundamente os segredos de nossa existência do que podemos fazer com palavras, símbolos ou imagens. Poderia ser que a música saiba mais sobre o mundo e o universo do que normalmente estamos conscientes? A música seria a porta para outro mundo, um mundo interior? E se é uma porta para esse outro mundo, esse outro mundo deve existir.”

Creio que essas ligações óbvias e às vezes misteriosas entre a música e a religião são as principais razões para o crescimento do interesse pela música na Igreja Adventista. Quando eu comecei como regente profissional de orquestras sinfônicas, há 60 anos, creio que eu era o único em nossa igreja, e era visto com muita desconfiança. Isto era coisa “do mundo”, e eu era considerado “perdido”. Mas eu tinha pais compreensivos e membros de igreja amorosos. Sem eles, não estaria onde estou hoje. Deus guiou as coisas de forma miraculosa, e não estou mais sozinho. Atualmente, vários regentes adventistas profissionais, de tempo integral são ativos na direção de orquestras filarmônicas. Isto além de todos aqueles que trabalham nas nossas escolas, igrejas e universidades. E além de dezenas de músicos adventistas que tocam atualmente nas grandes orquestras sinfônicas de todo o mundo.

Uma vez que a busca da verdade promove a humildade, esses músicos também tendem a ser leais membros da igreja. Em Leipzig, Alemanha, lar da famosa orquestra Gewandhaus, da qual fui diretor musical, temos uma igreja de cerca de 400 membros. Em um determinado ano qualquer, cerca de uma dúzia deles são músicos profissionais ou estudantes no Conservatório Felix Mendelssohn. E eles estão entre os mais ativos na igreja.

Uma vez, durante um culto de Ação de Graças, ouvi oito violoncelistas tocarem uma excelente obra de música de câmara. Seis deles eram profissionais ou estudantes, os outros dois eram o pastor e o primeiro ancião, um cirurgião cardíaco, todos tocando violoncelo! E o som foi muito bom.

Autenticidade

É claro que, embora a música seja maravilhosa, também tem suas limitações. Isto não é uma deficiência. Se algo não tem limites, também não tem forma, como Leonardo da Vinci diz em uma de suas máximas. Se você tentar construir um argumento teológico com música para as 28 crenças fundamentais, não vai chegar a lugar algum. A música não serve bem ao dogma. Seu campo é a ética, a união entre intelecto e emoção. O livro do Apocalipse pode inspirar um compositor a escrever música excelente, e a Paixão Segundo São Mateus de Bach pode mover o ouvinte a uma intensa experiência religiosa pessoal. Da mesma forma, também isto também pode ocorrer com uma simples canção do hinário da igreja. Mas o que podemos dizer sobre a música sem palavras: sonatas, quartetos de cordas, concertos, sinfonias? Ou um improviso de Schubert? Que tipo de verdade buscamos quando tocamos essa música? É possível mentir na música? Sim, é, e isso acontece com mais frequência do que você imagina.

Uma das responsabilidades fundamentais de um artista é saber o que o compositor quer com sua música e reproduzi-la de acordo. A vontade do compositor está disposta na partitura, e temos que tocá-la exatamente como está, não alterando as notas ou os ritmos ou a instrumentação, porque achamos que sabemos melhor. Um grande número de detalhes depende de interpretação pessoal, tais como ritmo, volume, equilíbrio, som, expressão, mas não devemos alterar o texto. Se nos desviamos, temos que deixar isto claro e explicar por que. Caso contrário, não estaremos dizendo a verdade. Tudo começa com colocar o título correto na peça, ou nos tornamos culpados de “malabarismo com os nomes”. O que está escrito na partitura equivale à Bíblia para o músico. É “santo” e não deve ser tocado.

No primeiro sábado à noite que passei em Loma Linda, agora já há mais do que 40 anos, aprendi como é fácil quebrar esse primeiro mandamento da ética musical. Vernon Koenig, do Departamento de Educação de La Sierra, me trouxe um rádio cassete e me pediu para sintonizar a estação FM da universidade e ouvir o seu programa mais ambicioso de música da semana. Ouvi 15 peças de música de grandes compositores do mundo, tais como Bach, Haydn, Schubert – todas elas maravilhosas. Mas nenhuma das peças foi tocada como o compositor as havia escrito. O grande prelúdio de Bach para órgão em Mi bemol foi tocado em um arranjo para orquestra, estilo Hollywood, com fanfarras de trompete e glissandos de harpa – sem alertar ao ouvinte que o original era para órgão. A maravilhosa “Ave Maria” de Schubert foi tocada sem palavras – no saxofone.

Comecei a entender por que Koenig havia me pedido para ouvir. Ele tinha uma vaga sensação de que algo estava errado com o programa, que não era digno de uma estação de universidade, mas não conseguia explicar por quê. Não ficou claro para mim por que a música era deturpada desta maneira. Talvez fosse por pura ignorância, ou – ainda pior – os apresentadores pensassem que as versões alteradas eram mais bonitos que as originais, mais agradáveis ao gosto do público em geral, do qual, aparentemente, eles compartilhavam.

Há sessenta anos, ajudei um grupo de talentosos jovens músicos do Colégio União do Atlântico a executar um programa no Colégio União de Columbia (agora Universidade Adventista de Washington). Tocamos, entre outras coisas, uma das peças mais populares de música clássica, “Eine kleine Nachtmusik” (Uma Pequena Serenata Noturna) de Mozart, para orquestra de cordas. Mas o líder insistiu em acrescentar uma parte de piano, porque tornava a música “muito mais bonita.” Assim, não era mais Mozart puro, não importa quão bem fosse tocado. Também executamos a Sonata ao Luar de Beethoven. Mas não houve qualquer menção ao fato de que iríamos ouvir apenas o primeiro de seus três movimentos. Além disso, o solo de piano original foi “enriquecido” com a adição de longos acordes sustentados pela orquestra de cordas; um esforço consciente para “melhorar” Beethoven! E, de forma a torná-la “ainda mais bonita”, as luzes do palco foram apagadas, com apenas um refletor sobre o pianista. A grande obra-prima da música, reduzida a um espetáculo popular kitsch. E não parou por aí. Para completar a experiência, a mãe do pianista leu um poema ao mesmo tempo. Em vez da verdade, tivemos efeitos superficiais. Nada mais era verdade.

Infelizmente, estamos tão acostumados a essas falsificações que nem sequer as notamos. Um cirurgião da universidade, maravilhosamente pronto a ajudar, me emprestou um de seus carros para que eu pudesse viajar com minha família para a Flórida – uma viagem inesquecível. Ele morava em um lugar magnífico sobre uma colina, e fui instruído a seguir a placa: “Para os Jardins Reais de Rosas.” Eu fiquei curioso e perguntei sobre a história deste lugar. O rei espanhol, por acaso, foi dono deste lugar? “Não, não mesmo”, disse ele. “Eu só achei que soava legal.”

Uma falsidade. Nem sequer tenta ser verdadeiro.

Mesmo na igreja temos falsidades. O órgão é, na maior parte das vezes, nada mais do que uma imitação eletrônica de um órgão, sem tubos. Certamente isto ajuda as igrejas que não podem pagar por um órgão de verdade, mas ainda é apenas um quebra-galho. Seria melhor ter um órgão pequeno, verdadeiro, um objeto de arte real, do que uma grande falsidade que apenas imita. O instrumento verdadeiro construído artesanalmente por um mestre é uma inspiração constante. Mas a falsidade produzida em uma fábrica apenas estraga o nosso gosto pelo genuíno. Como o poeta John Keats escreveu: “Uma coisa bela é uma alegria para sempre.”

Muitos cantores usam microfones para encobrir sua falta de treinamento da voz, o que transforma microfones em destruidores de voz. Ou ouvimos um solo vocal com o acompanhamento de uma gravação; apenas fingimos que temos uma orquestra à nossa disposição. Uma falsidade.

Fiquei entusiasmado com dois guitarristas na igreja Lakeview, perto de Cleveland. Um dos jovens era completamente surdo. Ele apenas movia suas mãos em sincronia com seu companheiro. A música era extremamente simples, mas era genuína. Nenhuma pretensão. Era verdadeira.

Há uma noção generalizada de que a música é neutra e não tem nenhum significado especial, que se destina apenas para o prazer sensual. Assim, escolhemos e selecionamos aquilo que, por acaso, gostamos. Mas na realidade a música conduz uma variedade de mensagens peculiares. A música que você escolhe me diz muito sobre quem você é. E quando está tocando ou a cantando, o executante é como uma pessoa nua, sem esconder coisa alguma. Conforme você toca ou canta, assim você é. É assustadoramente revelador. Se você é orgulhoso, isto vai aparecer na sua maneira de tocar. Se a sua educação é superficial, seu estilo vai revelar isto. A linguagem musical é direta e reveladora.

Em comparação, parece que a comunicação com palavras muitas vezes só serve para encobrir a verdade. As palavras dizem uma coisa, mas a maneira de dizê-las conta outra história. Quando o grande compositor Felix Mendelssohn conheceu Frédéric Chopin, ele escreveu para sua irmã: “Foi uma alegria estar mais uma vez com um músico, não é um daqueles meio virtuosos e meio classicistas que gostariam de combinar a honra da virtude e os prazeres do vício na música.”

Apreciação Consciente

Estas combinações ruins de valores opostos estragam grande parte da música contemporânea, e temos que estar constantemente conscientes de seus efeitos negativos. Aprendi minha primeira lição sobre isto aos 13 anos. Toquei a barcarola dos Contos de Hoffmann de Offenbach em um culto na igreja. Na saída um querido irmão me chamou de lado e disse: “Você não deveria tocar este tipo de música na igreja.” Eu fiquei pasmo. Achava a música simplesmente maravilhosa. Mas ele me disse: “Isto é uma opereta!” Ele tinha mais experiência do que eu, e sabia que era uma canção lasciva, cantada por uma prostituta.

Combinações ruins acontecem mesmo no Hinário Adventista do Sétimo Dia. Tome por exemplo o número 53 – “Conta-me a História de Cristo” O texto realmente lindo escrito por Fanny Crosby conta a “mais preciosa” e “emocionante” história jamais contada. Sobre a forma como Jesus foi “desprezado e afligido, sem-teto, rejeitado e pobre.” Sobre sua “angústia e dor”, e sobre a “tumba onde o puseram.” [3] É belo e comovente.

Mas o que a música nos diz? Exatamente o oposto. É uma canção de marcha trivial e envolvente que consegue se derramar em sentimentalismo. O mais doce intervalo de terça é ouvido na melodia por quase metade da canção. A harmonia é monótona ao extremo, uma vez que todas as cadências estão na mesma tonalidade. A melodia nos coloca em um estado de espírito sonhador, passivo. O ritmo quer que marchemos adiante, enquanto o texto quer que paremos e reflitamos sobre as maravilhas da salvação. Nada se encaixa. Este cântico envia mensagens contraditórias. A verdade não consegue prosperar em tais contextos.

Felizmente, nosso hinário também está cheio de cânticos maravilhosos. Mas temos uma tendência a gostar dos ruins, aqueles que apelam mais aos nossos sentimentos. Isto não é apenas uma questão de gosto, é muito mais grave do que isso; isto influencia a maneira como percebemos a Deus. O nosso grande Deus permanece [em nossa imaginação] por tempo demais na forma de um Super Papai Noel, que nos ama infinitamente e que nos dá presentes quando nos comportamos bem, mas também quando não o fazemos. Temos que experimentar mais da majestade e do poder de Deus. Temos que exercitar de forma mais eficaz os nossos músculos intelectuais e busca por mais “verdade presente” ou “nova luz”, como Ellen White chamaria isto.

Nossa igreja está começando a compreender isso. Recentemente li uma declaração surpreendente no Guia de Estudos da Escola Sabatina para Adultos: “Nada é mais destrutivo para nossa compreensão da expiação de Cristo do que o sentimentalismo que passa pelo cristianismo em nossos dias” (19 de janeiro de 2012).

O sentimentalismo é essencialmente outra forma de mentir. Ele explode uma sensação de bem-aventurança, que é desproporcional com relação ao material em mãos. Está apenas fingindo uma emoção, muitas vezes de uma forma teatral, em detrimento da razão. Como Oscar Wilde disse: “Um sentimentalista é aquele que deseja ter o luxo de uma emoção sem pagar por isso.” Já que o público gosta de ver emoções, nós como artistas estamos em constante perigo de ficarmos presos nos pântanos sem fundo do sentimentalismo, das emoções arrogantes que estão fora de equilíbrio com a substância musical. Um zero musical explodindo a 100 decibéis só demonstra seu vazio absoluto.

Mais Perto, Mais Perto, Mais Perto

Setenta anos já se passaram desde que meu pai me batizou na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Nunca me arrependi daquele passo decisivo. Sempre confiei e habitualmente obedeci. Experimentei milagre após milagre. Todas as minhas orquestras, algumas das maiores do mundo, concordaram em não agendar os ensaios no sábado. Uma delas até concordou em mudar todo seu ritmo semanal por sete anos para que pudéssemos ter ensaios gerais no domingo, às 11:00 horas, em vez dos habituais aos sábado às 10:00. Ninguém reclamou, nem mesmo o sindicato dos músicos, nem mesmo dos cônjuges que tiveram que desistir de seu único dia completo com a família. Mesmo o governo comunista da Alemanha Oriental colocou por escrito no meu contrato “os desejos do Maestro Blomstedt relativos a ensaios, audições e entrevistas aos sábados serão respeitados.”

Deus certamente tem sido o caminho para mim. Ele tem me mostrado algumas verdades maravilhosas e me deu uma vida rica. Ainda assim, eu não parei de procurar novas verdades. Sinto-me parecido com o grande pintor suíço Paul Klee, que teve estas palavras colocadas em sua lápide:

Ligeiramente mais perto do coração da criação do que o habitual, mas ainda não perto o bastante.


Herbert Blomstedt é um dos principais regentes de orquestras sinfônicas do mundo.


Notas do tradutor:

[1] Esta observação foi acrescentada pelos editores da Adventist Review (voltar)

[2] Infelizmente não foi possível traduzir as rimas do poema original (voltar)

[3] Nem todas estas expressões do texto original do hino “Tell Me the Story of Jesus” constam na versão que utilizamos em Português. (voltar)


Fonte: Adventist Review Online

Revista Adventist Review de 12 de julho de 2012

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Agosto de 2012

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