Requiem Alemão Op. 45 – Johannes Brahms

Comentários

Apesar de a estréia do Requiem Alemão ter acontecido em l869, os esboços remontam a l861; a intensificação da atividade aconteceu após a morte de sua mãe em l866. Sua mensagem de esperança se apóia numa rígida estrutura simétrica e o texto está formado por passagens escolhidas da Bíblia, a partir da tradução realizada por Lutero. Nos estático clima criado por violoncelos, contrabaixo, trompas e órgão, sobre uma única nota e nos seus registros mais graves surge um motivo, primeiro nos violoncelos e logo depois nas violas, que prepara a aparição do coro, flutuante, quase incorpóreo, com as palavras “Selig seid, die da Leid tragen”, estabelecendo assim o clima emocional que domina a obra: a tranqüila aceitação da morte. Tranqüilidade obscura, já que o compositor elimina todo o brilho ao anular violinos, clarinetes e trombetas. As vozes adquirem uma maior mobilidade na segunda seção: “Die mit Tränen säen werden mit Freuden ernten”. O encontro entre estas duas ressonâncias, onde os centros são as palavras “selig”e “Freude”, cria uma equilibrada tensão. Estes elementos voltam a se alternar, recuperando as palavras iniciais e desatando um breve clímax com o acompanhamento, belíssimo e variável, da seção das madeiras, que junto com os desvanecidos sons da harpa e aos pizzicatti das cordas, encerra o movimento.

Uma marcha monumental inicia a segunda parte. Estranha dança da morte, comparada com freqüência a um canto de peregrinos, que anuncia a inexorável extinção. Essa marcha dá lugar a uma passagem, com a frase “so seid geduldig”cantada por tenores e contraltos e seguida por todo coro, que anuncia a seção final e na que se destaca o solo de flauta, que continua até a reaparição da marcha. Uma breve transição leva a um hino de júbilo, numa fuga que começa com a voz dos baixos com uma poderosa orquestração, para logo sublinhar, de um modo magnífico, o contraste entre as notas, quase dolorosamente alongadas e graves das palavras “Schmerz und Seufzen”, e as breves, precisas e rápidas de “wird weg müssen”. O otimismo se desvanece numa seção mais tranqüila, onde uma melodia, expressando a eterna alegria da salvação, corrobora o triunfo sobre a fatalidade da marcha fúnebre.

As cores escuras do primeiro movimento reaparecem no terceiro: sobre o som das trompas, tímbales e cordas, o barítono inicia um lamento. O tom declamatório, bem próximo do recitativo, revela-se idôneo para expressar a íntima inquietação do homem diante da natureza imprevisível da morte. O coro repete o texto com efeito de eco, como se a comunidade fosse incapaz de aliviar a solidão do indivíduo diante da morte. Após um crescendo rapidamente abafado, desenvolvem-se as variações sobre “Ich muss davon”. Um grito súbito sobre a última palavra leva a um progressivo e tenso diminuendo da orquestra; um pizzicatto das cordas é a derradeira e frágil ressonância ante o silêncio. Depois do vazio vem o consolo: motivos de instrumentos de sopro acompanham as reflexões acerca da futilidade de uma vida dominada pelos interesses materiais. De novo aparece a pergunta-chave, latente, e com ela o desespero “Nun Herr, wess soll ich mich trösten”. O coro, como um remanso, reafirma a esperança e o ambiente transfigura-se com uma impressionante fuga: a permanente instabilidade, que até agora dominava, desaparece ante uma sólida e imponente forma reforçada sobre um ré, extraordinariamente alongado, mantido por contrabaixos e órgão.. Base firme, como a mão do Senhor, à qual se submete a humanidade.

O quarto movimento constitui o centro da obra. Sem correspondência na estrutura simétrica, funciona como o seu eixo: neste, a dialética entre a esperança e o terror, entre a luz e a sombra, resolve-se decididamente a favor das primeiras. O coro descreve as excelências da glória eterna. A seção dos sopros, sobretudo flautas e clarinetas, desenha frases num clima de tranqüilidade. Ressalta o crescendo descritivo da frase “Meine Seele verlanget und sehnet sich” e os toques de corda, quase palpitações, em “Mein Leib und Seele freuen sich”.

O quinto movimento continua acentuando o consolo. Agora a voz solista é a de um soprano. Numa total intimidade, as cordas em surdina, a linha vocal emerge recolhida, quase abrigada, em uma delicada e suave textura, nos instrumentos de madeira e coro, que a rodeia e abraça maternalmente. Entre os numerosos detalhes de uma prodigiosa orquestração, são maravilhosos os solos de oboé e violoncelo em “Ihr habt nun Traurigkeit” e a sublime melancolia da parte final “ich will euch trösten, wie einem seine Mutter tröstet”,  referência explícita à pessoa cuja morte inspirou a criação da obra.

O contraste do sexto movimento é ainda mais eficaz. Começa, mantendo a simetria, com uma marcha, tal como no segundo movimento. Das vozes do coro surge, enérgico, o barítono, com uma impressionante intensidade, para revelar o segredo da Ressurreição. As vozes repetem suas frases hipnoticamente, com assombro e reverência, até que um crescendo nos transporta à pessoalíssima interpretação que Brahms realiza do Dies Irae. Orquestra, coro e órgão anunciam a hora do chamado final, enfatizando a vitória sobre a morte – e não o juízo ou o castigo, como é tradicional na liturgia católica.

O jogo reflexivo e o caminho conceitual terminam no sétimo movimento, que recupera exatamente o mesmo espírito do primeiro. O texto selecionado é similar. A melodia dos sopranos é contestada pelos baixos, mas em vez de um movimento fugado, como era de se esperar, surge um movimento coral compacto em que aparecem, com continuidade, elementos imitativos. A seguir é exposta a ideia do descanso, numa clara referencia à missa católica, para voltar aos versos iniciais que, se num princípio usam o mesmo material temático, passam depois de um breve crescendo à música do primeiro movimento, reforçando a esperança sobre a sombria orquestração e finalizando com a extinção dos pizzicatti, da seção das madeiras e harpa. Com perfeição circular afirma-se a vitória sobre a morte.


Fonte: Publicado originalmente em http://www.unb.br/coral/Repertorio/kompositores/Brahms.htm