Entrevista com o Maestro Flávio Araújo Garcia

Entrevista com o Maestro Flávio Araújo Garcia

Apresentação:

FLAVIO ARAUJO GARCIA é um nome de destaque nos meios musicais do Brasil, mercê de seu trabalho denodado com conjuntos vocais. Nascido em São Paulo e formado em canto, composição, regência e teologia, cursou na Universidade de São Paulo, pós-graduação em artes. Foi assistente, durante seis anos consecutivos, de Hugh Ross, autoridade mundial em canto coral.

Desde 1949, dedica-se à preparação de grupos vocais, tendo fundado três corais, sendo o coral da Associação Coral Adventista de São Paulo (ACASP) um deles.

Durante 25 anos regeu o coral Carlos Gomes, do Instituto Adventista de Ensino. Nessa mesma escola, dirigiu o Conservatório Musical Adventista, sendo também titular da cadeira de canto, regência e análise. Desenvolveu, entre outras atividades, a de editor e gravador.

Foi o presidente da comissão responsável pela compilação do hinário “Cantai ao Senhor”, antigo hinário da Igreja Adventista do Sétimo Dia, considerado pelos conhecedores do assunto como o melhor, do ponto de vista técnico, dentre todos os hinários já publicado na América do Sul.

Atualmente dedica-se, há mais de 32 anos, a dirigir o coral da ACASP, bem como ministrar aulas de regência, na sede da entidade. Dedica-se ainda à direção de cursos de música sacra e regência em várias cidades do estado e em outros municípios brasileiros.

A presente entrevista, abrangendo praticamente todos os principais tópicos da questão da Música Sacra e da Adoração, foi concedida com exclusividade aos editores do Música Sacra e Adoração no dia 30 de maio de 2004 e é com alegria que a publicamos. Os pontos de vista aqui destacados retratam o desprendimento, o zelo e o amor pela causa de Deus, que tem caracterizado a vasta obra que o Maestro Flávio Araújo Garcia tem realizado em prol do Evangelho, no campo da música sacra.


Música Sacra e Adoração: Podemos começar com uma pergunta básica. Qual a diferença – ou do ponto de vista técnico ou do ponto de vista espiritual – entre a música sacra e a música profana?

Maestro Flávio Araújo Garcia: Antes de tudo precisamos esclarecer que a palavra “profana” não tem o sentido negativo que muitas vezes nós lhe atribuímos. O verdadeiro sentido desta palavra é simplesmente, “não sacro”, ou seja, “secular”. A diferença básica entre as duas é que a função principal da boa música profana, ou a música profana erudita, é para recriação, recriar. É para recriar os nervos. Os nossos músculos recebem influência benéfica das vibrações sonoras dessa música.

A música sacra foi instituída antes desse mundo ser criado. Porque os anjos já a usavam no coro do céu. Quem diz que não há diferença entre a música sacra e a profana, se esquece da sensibilidade que os próprios anjos têm ao fazer uma música de louvor a Deus, fazendo-a de tal forma que Deus a aceite – e Ele aceitava o louvor dos anjos que a faziam e aceita hoje.

Nós herdamos através do jardim do Éden esse tipo de música, porque os anjos a cantavam e eu tenho impressão de que Adão e Eva devem tê-la ouvido (essa é minha posição pessoal). Eles ouviram o grande coro de anjos cantando no jardim do Éden, por ocasião do final da criação e início do sábado. Eu imagino que o sábado de adoração no jardim do Éden deve ter sido uma coisa espetacular (nós não podemos imaginar hoje).

No entanto, a pessoa que usar uma verdadeira sensibilidade, perceberá que – ainda que a música sacra tenha as mesmas notas, use as mesmas figuras rítmicas, use os mesmos acordes da música profana – a posição de tudo isso é diferente na música sacra e na música secular (na música profana).

Para esclarecer, vejamos o que acontece num texto literário: eu posso usar as mesmas letras do Salmo 23 num artigo totalmente profano – nem profano, eu falo de abjeto. É só reorganizar as letras e você vai formar aquelas palavras pornográficas como as que estão no muro, que a molecada escreve; e as letras são as mesmas das palavras sacras do Salmo 23.

Então, se a junção de palavras sugere uma adoração ou sugere uma “profanização” – se é que existe esse termo – que diremos dos acordes, do ritmo, da melodia? Vão sugerir aos meus neurônios mais ou menos ligação com Deus. Para mim isso é essencial para esta diferença entre música sacra e profana. Não é somente você olhar o texto e dizer, com base na letra: “bom, essa música é sacra”; porque ele pode estar inserido num contexto de “profanidade”, dentro duma melodia, dentro duma harmonia, dentro de um ritmo profano.

MSA: O pastor falou que uma das bases da música profana é recriar, renovar as energias. Isso significa, então, que a música profana é boa?

Maestro Flávio: A música profana – especialmente a música erudita – cujas frases musicais são maiores (possuem maior quantidade de elementos musicais do que uma pequena frase) produzem nos nossos neurônios certas vibrações. E dependendo do número de decibéis, são benéficas à nossa saúde. Isso é provado por várias pesquisas feitas na questão de som, com animais, plantas, seres humanos. Então, essas vibrações, dependendo da música, são benéficas pra nós. Se você toca, por exemplo, Wagner, há plantas que repelem Wagner, por causa da ousadia nos seus leitmotiven, o que já não ocorre numa música, por exemplo, de Haydn, Schubert, Handel, Bach – seja qual for o período da história da música. No entanto, esses compositores fizeram dos sons alimento para as nossas emoções. Por que não dizer assim: alimento para as emoções. Então, há um abastecimento dos nossos neurônios, dos nossos músculos, através dessas vibrações sonoras, mesmo que elas sejam chamadas de profanas. Note que estamos falando do profano erudito, não esse profano “popularesco” infernal que a gente vê por aí, que é misturado com origens impróprias para o ser humano ser alimentado na sua sensibilidade nervosa e muscular.

MSA: Então, partindo deste princípio, qual deve ser a postura do cristão diante da música secular à luz de João 2:15, “Não ameis o mundo nem o que no mundo há”? Existe um costume de dizer que a música secular erudita pode ser ouvida, ao contrário do restante dos estilos musicais, os quais temos uma tendência de evitar. O cristão pode se relacionar com esses outros estilos musicais, que são seculares, ou deve evitá-los?

Maestro Flávio: Uma pergunta que tem muitos ganchos. Por que, se eu posso usar determinado tipo de música secular, por que não poder fazer nesta música secular uma adaptaçãozinha e trazê-la para a igreja num ofertório, tocar um largo de um quarteto de cordas – seria o caso – ou um andante cantabile do Tchaikovsky da vida, por que não poder fazer isso? Bom, eu penso o seguinte – vamos passar isso agora para um lado um pouco mais prático, o da alimentação – quando eu me alimento, posso usar determinado tipo vegetal, ou posso usar só nozes, ou posso usar cereais. No entanto, meu biótipo será alimentado melhor com determinados tipos de nozes, determinados tipos de cereais, e determinados tipos de vegetais. Porque, quando Deus criou os seres humanos, Ele criou indivíduos perfeitos; mas depois do pecado nós nos separamos em biótipos diferentes, com diferenças de tipo sanguíneo, altura, cor de pele, personalidade, emoção, intelecto. Então, fomos nos separando, por causa do pecado, e vemos pessoas que são práticas e que não se dão à leitura, mas se pedimos alguma coisa, a pessoa está pronta, animosa, até melhor, muitas vezes, do que o erudito, para fazer coisas práticas, para servir.

No entanto, quando – olhando agora para o tipo de alimentação e tipo sanguíneo, que estou mencionando – por causa do pecado, o ser humano se distanciou entre si, criou problemas pra si mesmo. Se você é um tipo sanguíneo A (+ ou -) B (+ ou -) ou O (+ ou -) ou AB, terá certos alimentos que se adaptam mais ao seu tipo. Isso me dá uma característica muito curiosa, no ser humano no que diz respeito à alimentação.

Partindo para o lado da música, essa mesma diferença de música erudita, secular, dançante, pode produzir em você alguma coisa, Fábio, que não vai produzir em você, Adrian, e que vai ser diferente para você, Levi. Então, o que eu quero dizer com isso? Que eu posso, dentro de certas características, não ser influenciado pela música de dança, ouvindo, seja um minuet, um gavotte, uma giga, as músicas que antigamente eram usadas para as danças. Eu posso não ser influenciado. Ao passo que você não foi influenciado, mas o Adrian foi, Fábio. Então, quando eu digo que certo tipo de música secular pode ser recreativo e benéfico eu ainda me resguardo, pois um tipo de música poderá me levar a apreciar alguma “arte” que não será usada no reino de Deus. Então, eu faço uma separação, não da música, mas sim do tipo de pessoa. Quando eu vou assistir um concerto como uma passacaglia, como uma giga, como um minueto, do tempo de Handel, de Bach, do barroco pra trás – que eram músicas características para certas danças – quando eu escuto esse tipo de música profana, eu recebo uma carga positiva ou negativa dentro da função salvação ou perdição. E isto se dá independentemente do que a letra está dizendo. E muitas vezes não é nem a letra que diz, porque a música às vezes é sem palavras, é só tocada, estamos falando agora de música no geral.

Então, o meu grande problema é o seguinte: quanto dessa música eu posso ouvir sem que eu corra perigo de ser influenciado negativamente no plano da salvação? Se eu tenho possibilidade de ser influenciado pelas músicas dançantes, eu devo cuidar… ainda que seja uma música erudita, de recreação, profana, porque eu tenho tendências herdadas que me levam a desejar dançar. Então, se isso me prejudica, eu devo cuidar. Devo ter um senso de quanto eu sou “permeável” àquilo que pode ser prejudicial para mim ou não. Como é que eu vou responder a isso? É um trabalho que precisa estar sendo vigiado pelo Espírito de Deus. Aí não é só minha inteligência, nem o meu sabor musical, ou gosto musical, as minhas tendências artísticas… Eu preciso da sabedoria do Espírito Santo para não cair numa situação de difícil escolha que me coloque como Ló em Sodoma e não em Jerusalém. Então, é muito sutil, é muito subjetivo esse assunto.

MSA: Eu gostaria de ter um esclarecimento melhor sobre esta diferença da influência da música por pessoa. O senhor havia falado que algumas influências eram bem conhecidas, bem documentadas, por experiências, e agora vimos diferenças por pessoa. Então, posso dizer que eu posso levar um certo tipo de música para dentro da igreja, para adoração, por que para mim aquilo faz bem e, embora outras pessoas achem que aquilo não é apropriado para adoração, mas pra mim é, e deve ter outras pessoas como eu, então eu uso e pronto.

Maestro Flávio: Esta pergunta é do advogado do diabo… (risos). Veja: quando o inimigo foi fazer a primeira tentação no jardim do Éden, ele argumentou: “Foi assim que Deus disse? Não comerás de nenhuma árvore”. Ele pôs todas as árvores dentro da limitação que Deus colocou à Adão e Eva. Eu estou me referindo à pergunta que foi feita a respeito dos benefícios da música profana erudita no cotidiano, e não ao seu uso na igreja. Entendeu? Do uso da música profana como recriação, da possibilidade de ouvi-la, fazer bem, o que não a torna música de louvor.

Vou explicar melhor, pela Bíblia: Deus pediu a Caim e Abel um sacrifício. Abel trouxe o que Deus pediu, Caim não. Este ponto nos coloca dentro de uma escolha que Deus faz da maneira de adorá-lO. Se Deus não aceitou o melhor que Caim trouxe, porque não era o que Ele havia pedido, há alguma coisa na música de recriação, na música profana erudita, que Deus pode me deixar usar no cotidiano. As frutas que Caim ofereceu haviam sido criadas para a alimentação dos seres humanos, mas Deus não as queria no seu altar. Dá para entender?

Então, primeiramente, para mim, a música profana ou de recriação, pode ser ouvida, mas não é aquilo que Deus quer ouvir como minha adoração. E essa é a diferença. Então, a música profana, eu não usaria para ser louvor a Deus, primeiro por essa razão.

Segundo: você pode dizer: “Mas a música erudita profana e a música sacra erudita, se aproximam tanto, que chega um ponto em que você não pode perceber a diferença”. Usando uma ilustração de Ellen White sobre o santo e o profano, ela diz que a linha de demarcação entre o santo e o profano é tão tênue, que o melhor é estarmos longe dessa linha o mais que pudermos, para não incorrer no problema de passar para o profano quando deveria estar apenas no lado da música sacra erudita. Acontece muita divergência entre algumas pessoas, porque elas acham que, para evangelizar, precisam usar a música que o povo entenda, na linguagem do povo, e então, tem que ser a música folclórica, com elementos da música popular para que o povo cante com alegria, satisfação e louvor. A mesma coisa que você pegar um sambinha de mil novecentos e trinta e não sei quanto – quando eu ouvi pela primeira vez foi a “Camélia que caiu do galho” – então você vê alguns evangélicos usando: “foi meu Jesus que me salvou, e agora eu sou do meu Jesus. Oi meu Jesus vem me salvar…” (cantando) E daí?

MSA: Então o melhor caminho, o senhor diria, é o de se afastar o máximo da linha tênue?

Maestro Flávio: O máximo, até o máximo! Tenho uma ilustração muito fácil: o carroceiro que ganhou o concurso para ser o charreteiro do rei, o cocheiro, o diretor das diligências… Foi feita a seguinte pergunta aos concorrentes: “A que distância você consegue passar pelo abismo, pelo precipício, com a charrete do rei?” “Ah, eu consigo até 10cm”, respondeu um. “30cm é seguro”, respondeu o outro. Porém, o cocheiro que ganhou o concurso respondeu: “O mais longe possível do abismo”. Ele ganhou o concurso para ser cocheiro do rei. Quanto mais longe eu passar com minha carruagem do precipício, mais eu estarei servindo ao meu Deus. Concorda comigo?

MSA: Se inserirmos na música sacra elementos, fragmentos, frases ou motivos derivados da música profana, isso vai se caracterizar como uma profanação da música sacra ou é aceitável?

Maestro Flávio: Bem, a música profana é muito ampla. Portanto, devemos definir se estamos falando da música profana erudita, ou da música profana popular.

Com relação à música profana erudita, se observarmos certas cadências, certos acordes, linha melódica, veremos que algumas delas não são muito diferentes da música sacra, são semelhantes. Se compararmos um concerto e uma música sacra, as cadências são iguais. A música tem as mesmas notas, os mesmos sinais gráficos, tudo igualzinho. São os mesmos instrumentos que vão tocar, e muitas vezes os mesmos seres humanos que vão interpretar a música sacra são os mesmos que vão interpretar a música profana e geralmente não há muita diferença. Ponto.

Porém, na música sacra, existe a inspiração, baseada no tema sacro (seja a letra sacra, ou um texto bíblico). O compositor que se propõe a escrever música sacra, por exemplo, um Agnus Dei (Cordeiro de Deus) usa frases, harmonias, ritmos, intervalos, melodias, semelhantes à música profana erudita, mas de tal forma que cria na música o espírito relativo ao assunto que a letra ou o texto bíblico está tratando; no caso, o sacrifício de Cristo em favor do ser humano.

A música profana popular foi criada para uma determinada finalidade: para cantar as emoções comuns do ser humano: amores perdidos, revoltas, frustrações, etc.. Ela está inspirada em motivos profanos. E a maior parte das músicas modernas, com toda a sua bagagem, cultua e é oferecida ao inimigo de Deus. Se a origem não é de Deus e a dedicatória não é para Deus, como é que eu vou oferecer isto a Ele?

Voltando à música profana erudita, não usaremos ópera, operetas, valsas, etc., para cultuar a Deus, pelo mesmo motivo.

MSA: Mas o compositor não vai usar, ao escrever música sacra, os elementos que ele tem? Então, se é uma pessoa que está acostumada com a música popular (por exemplo, se é um compositor de samba), quando se converte, os elementos que ele tem são do samba, ele está acostumado a escrever samba. Então, a música sacra que ele, como convertido, for escrever não será um samba?

Maestro Flávio: Há tendências. A tendência é tremendamente grande. Você conhece aquela música “Creio em Ti”? (cantarola um trecho). Quem a compôs foi um cantor de música popular, quando estava quase morrendo. Ele pediu: “por favor, Senhor meu Deus me ajuda a crer em Ti…”; e ele compôs esse “Creio em Ti”. Mas podemos ver, nessa música “Creio em Ti”, elementos tremendamente populares, é possível sentir isso na música. Ao passo que quando cantamos a “Paixão Segundo São Mateus”, de Bach, sentimos a espiritualidade de Bach naquela música. Como é isso?

Está na cabeça do compositor a maneira que ele coloca os acordes e as notas. As próprias síncopes, as próprias cadências que ele faz. É totalmente diferente duma música popular quando você põe uma síncope atrás da outra. Quando você põe um acorde dissonante atrás do outro sem resolução, quando você põe um ritmo pra agitar as células musculares e não as células cerebrais.

MSA: Mas nós podemos rejeitar essa música, considerando-a não sacra, sendo que estes eram os únicos elementos que o compositor tinha para compor o sacro?

Maestro Flávio: Eu pergunto: por que alguns instrumentos musicais não foram para o templo de Salomão? Alguma razão existia pra isso. Alguns tamborezinhos não foram, apesar de serem usados nas festas populares de Israel. Você vai encontrar, por exemplo, o povo jornadeando pelo deserto e acompanhando suas músicas com um tamborzinho, com certas flautinhas que eram fáceis de carregar; e esses instrumentos não fizeram parte da orquestra do templo. E alguns instrumentos que, mais tarde, no segundo templo, o de Zorobabel, poderiam ter sido incluídos, não o foram, porque o seu uso estava ligado à prostituição em Tiro e Sidom.

Volto a dizer: por que Deus não aceitou a oferta de Caim? Era o que ele queria oferecer, era o fruto do seu labor. E por que Deus aceitou o sacrifício de Abel? Que era sanguinolento, tinha que tirar a vida de um animal. Por que a diferença? Está na questão da obediência. A coisa mais importante é essa: a obediência àquilo de Deus fala. Quando nós nos desligamos das coisas desse mundo, das profanidades desse mundo, e tomamos o terreno do sacro, da ligação com Deus, da via sacra com Cristo, mesmo que seja via crucis, nós teremos a sensibilidade que os discípulos tiveram depois da ressurreição de Cristo. Antes eles não a tinham, porque estavam ligados aos interesses da carne. Ao passo que depois, entenderam a posição do reino de Cristo; então passaram a se sacrificar, a não cortar a orelha dos outros, a não negar o Mestre, a lutar pelo reino de Cristo. Por que? Eles se colocaram numa posição totalmente diferente. Qual foi a diferença? O que mudou na cabeça deles? Era o mesmo cérebro, eram as mesmas células! Alguma coisa mudou naquele instante. É o Espírito de Deus atuando sobre uma vida entregue! Então, para mim, como músico cristão, além de querer fazer uma peça sacra, e oferecê-la a Deus, é necessário que eu esteja sob o domínio do Espírito Santo para pedir e receber as características que Deus aceita na música, e não simplesmente fazer mais uma música com o nome de Deus, pois uma música assim não vai ser aceita no altar, assim como as frutas de Caim não o foram.

MSA: A fim de melhorarmos a qualidade musical nos nossos cultos, não seria uma boa ideia contratar músicos profissionais para fazer os momentos de louvor, desde que a música apresentada seja sacra?

Maestro Flávio: Permitam-me responder com uma ilustração pessoal: chegou o Maestro Eleazar de Carvalho e disse: “Pastor, eu quero usar o seu coral, enquanto puder trabalhar com vocês, porque o que vocês têm na cabeça, pra mim é mais importante do que o que vocês têm no gogó”. Quer dizer: é muito mais importante o Espírito com que nós cantamos as cantatas, os trechos de missas, os oratórios, ou seja, a minha ligação com Deus, do que o tanto que eu sei ou posso fazer na música. E essa ligação não deve se dar apenas no momento da adoração, deve ser uma comunhão diária, pessoal, um andar constante com Deus, assim como Enoque.

A sra. White diz o seguinte, a este respeito: “Em seus esforços para alcançar o povo, os mensageiros do Senhor não devem seguir as maneiras do mundo. Nas reuniões realizadas, não devem depender de cantores do mundo nem de exibições teatrais para despertar o interesse. Como se pode esperar que aqueles que não têm nenhum interesse na Palavra de Deus, que nunca leram Sua Palavra com sincero desejo de lhe compreender as verdades, cantem com o espírito e entendimento? Como pode seu coração estar em harmonia com as palavras do canto sagrado? Como se pode o coro celeste unir a uma música, que é meramente uma forma? (…)

Não contrateis músicos mundanos, se é possível evitá-lo. Reuni cantores que cantem com o espírito e com o entendimento também. A exibição extraordinária que por vezes fazeis, pode acarretar desnecessária despesa, que os irmãos não devem ser solicitados a satisfazer; e verificareis que, depois de algum tempo, os descrentes não quererão dar dinheiro para atender a estes gastos.” (Evangelismo, pp. 508-509)

A interpretação que uma pessoa que está ligada com Deus faz das notinhas que aparecem na música erudita sacra, são muito mais fiéis do que a do individuo que é profano. E você sente isso, você percebe isso. O maestro Eleazar dizia pra mim: “Percebe que esse trecho aqui, quando vocês cantaram o Réquiem de Mozart foi diferente do que o outro coro que cantou”. Quando ele soube que nós estávamos ensaiando o Réquiem de Brahms para cantar em junho de 96, (e ele havia apresentado esta peça em dezembro de 95 com o coral estadual), disse: “mas vocês estão ensaiando essa peça?” “Estamos ensaiando, vamos cantar no teatro.” – eu respondi. Ele parou, fez uma pausa, como dizendo assim: “por que eu não tive coragem de ensaiar com eles?”. Ele ficou com receio de nos convidar, porque esta peça é difícil. Por esse dado informativo, percebi que ele preferiria que nós a tivéssemos cantado. E foi por essa razão que o maestro Weiss pediu dois coros de confissão religiosa para fazerem o Réquiem de Brahms e não convidou um coral profissional. O que estes maestros querem dizer com esta atitude? Que existe uma vibração fora do alcance do profano quando a música sacra é apresentada em consonância com o Espírito de louvor a Deus. Ponto final.

MSA: Duas perguntas. A primeira é sim ou não: a utilização de música secular ou profana com letra religiosa é profanação?

Maestro Flávio: SIM!

MSA: E a segunda: Mas o que dizer, por exemplo, de músicas que eram bastante conhecidas e que se tornaram hinos, como o “Jubilosos te Adoramos” (H.A. 14), que é parte do quarto movimento da nona sinfonia de Beethoven, e como tal, não é sacra, mas profana [Maestro Flávio: uma ode à alegria]. Músicas como esta deveriam realmente estar no nosso hinário?

Maestro Flávio: Amigo, o que você me diz do “Castelo Forte”? (longa pausa). Dizem os eruditos que esta era uma melodia muito conhecida na época. Porém Lutero, que dizia que o diabo não tinha o direito de usar todas as melodias bonitas, adaptou esta melodia, criou uma nova harmonização e fez os versos que hoje conhecemos. Este hino tornou-se, mas tarde, o hino oficial da Reforma. Por esta atitude de Lutero, podemos dizer que ele cria que havia melodias apropriadas, e que haviam sido aproveitadas para coisas profanas. Desta forma ele “resgatou” esta melodia.

Porém, Deus não aceita a mistura do sacro com o profano. Toda a vez que o povo de Israel misturou, desculpem-me a expressão, “deu azar”. Eles estavam isolados no deserto, livres de pecado, Balaão soprou no ouvido de Balaque: “Chame o povo para a festinha, o baile dos primos (o que, aliás, infelizmente, é um hábito de alguns da igreja hoje, fazer festinhas no sábado à noite, para uma porção de coisas, inclusive para bailes); mas foi assim que Israel, o povo Santo, se misturou com os “primos” pagãos para dançar as danças dedicadas aos deuses moabitas. E o que aconteceu? Quantos morreram naquela passagem? 24 mil pessoas! Por que? O povo santo se misturou com o povo profano!

Quando os filhos de Deus, lá no tempo de Adão, se misturaram com as filhas dos homens, o que aconteceu? Surgiram os grandes homens (grandes nos dois sentidos: gigantes e de cérebro muito bom). Porém usaram toda a sua inteligência e capacidade para as coisas do mal, porque eram fruto de uma mistura, os filhos de Sete com os filhos de Caim; era a família de Deus misturada com a família dos homens… E qual foi o resultado? Uma raça longe dos caminhos de Deus, apesar de conhecer a verdade.

Então, quando eu faço a mesma coisa, misturo aquilo que é de adoração (o Salmo 23) com aquela canção de Schubert (aquela célebre canção de amor de Schubert, que é a Serenata), é fogo estranho (cantarola um trecho da Serenata de Schubert chamada “Ständchen”). Os eruditos – que conhecem a “bacanalidade” dessa música, composta por Schubert para ser cantada na janela da apaixonada dele (e ele apaixonado por ela) – quando ouvem isto sendo cantado na igreja, dizem: “não pode ser que eu estou ouvindo na igreja um negócio desses!” Isso foi há muito tempo atrás, mas eu estou me lembrando de que quando eu era jovem a gente ouvia cantar a Serenata de Schubert, que era uma música dedicada para namorada dele, com a letra do “Salmo do Pastor”. Isso é fogo estranho! Mais alguma coisa?

MSA: Mas como é que fica então? Nós temos hoje, no nosso hinário, a “Ode à Alegria”; e também é sabido que muitas músicas do hinário são melodias folclóricas… essa música é sacra ou deveria ser retirada do hinário?

Maestro Flávio: A “Ode à alegria”, muitos músicos a aceitam, entre aspas, “para ser usada” na igreja como um cântico (alguns usam até como adoração). Outros não aceitam essa “intromissão” da música secular dentro da música sacra. É mais fácil dar um exemplo de música folclórica ou popular nos EUA: Stephen Foster é um compositor conhecido do público por suas canções, e ele compôs aquela melodia conhecida e badalada por muitos por aí: (cantarola a melodia do hino “Saudade”, de Stephen Collins Foster (H.A. 340)). Infelizmente esta música voltou ao hinário, apesar de eu haver lutado contra isso, porque era música profana, e os próprios americanos aceitam somente como música popular e não como música sacra…

Outro exemplo: no nosso hinário havia uma canção dos nativos das ilhas do Mar do Caribe: “Nita, Juanita” (Flávio cantarola a canção nativa). Ela está saudando a carne da Juanita!!! E estava assim no hinário (Flavio cantarola a mesma música, agora com outra letra): “Perto, mais perto, quero estar meu Deus de Ti”. O calor que o indivíduo estava sentido pela Juanita, entrou na nossa liturgia como música de adoração a Deus!! O que os anjos dizem disso? O que Deus fala disso? Nada?! Nada? Não, eles se viram, cobrem o rosto e saem!!! Só isso…

Deus falou que não apreciava o estrépito da música do povo de Israel(Amós 5:23), Ele não aceitava (enfaticamente)! Por quê? Era profanidade! Eu pergunto: por que é que a mulher de Ló virou uma estátua de sal? Ela estava sendo salva pelo anjo, arrancada de Sodoma, por que, mesmo assim, ela virou uma estátua de sal?

Porque o que ela deixou em Sodoma era muito mais forte do que o apelo pela vida eterna! E é isso que está acontecendo conosco dentro da igreja, hoje! Só, nada mais… E é por isso que, mesmo sendo arrastadas para fora (porque não olharam para trás), as duas filhas de Ló estavam queimadas com as chamas de Sodoma! Tiveram um filho com o pai… Estavam contaminadas com o germe da profanação. Amigos, é tão claro, nós não precisamos buscar mais exemplos.

MSA: O que pode ser dito, portanto, do “Hino de Batalha”?

Maestro Flávio: O Hino de Batalha foi escrito para ser cantado no espírito religioso.

MSA: Mas não era uma marcha militar da República Norte Americana?

Maestro Flávio: Sim, mas era uma marcha militar de evangélicos. Há diferença, pois sugere uma marcha cristã para eles. Tanto é verdade, que eles cantam essa melodia na igreja, apesar de ser uma melodia de guerra. Assim como no exemplo bíblico: Josafá mandou o coro dos levitas ir à frente da batalha, eles estavam cantando o que? Uma marcha militar, possivelmente, mas uma marcha também considerada sacra, porque estava louvando o nome do Senhor.

MSA: Já que estamos tratando de ritmo e de hinário, perguntamos: O que pode ser dito sobre a presença de valsas no hinário, como no hino “Mais perto quero estar” (H.A. 427) (cantarola, acentuando o ritmo, o hino referido)? A valsa, quando surgiu, era um escândalo para a sociedade, porque os pares dançavam juntos. E hoje esse ritmo é usado no hinário. Como podemos explicar essa transição?

Maestro Flávio: Eu não acho que é transição, acho que é um assalto! (risos) Eu acho que é um assalto. As coisas profanas têm entrado de tal forma na música sacra, que a música popular (rock e etc.) pôde tomar de assalto os púlpitos das igrejas cristãs. Eu repito: tomaram de assalto, não foi uma transição!

MSA: O senhor acredita que pode haver uma associação negativa entre esse tipo de música e o contexto da adoração? Alguns defendem que o maior problema da mistura entre a música profana e a sacra é a associação que pode ser feita entre uma e outra, por exemplo: estou na igreja e ouço uma música que me remete a situações do mundo. Quando a sociedade não tem mais essa associação e a música é de boa qualidade, não seria aceitável se apropriar dessa música?

Maestro Flávio: Alguns acham que sim, outros acham que não, porque o princípio é o mesmo. Vou dar um exemplo meio esdrúxulo, mas válido: você precisa curar uma úlcera de estômago e recebe uma receita médica assim: “tome vinho tinto seco, porque ele vai fechar a sua úlcera no estomago” (e esse é, de fato, um dos meios mais fáceis de fechar uma úlcera no estomago). Mas tal receita médica é ministrada justamente para uma pessoa que é filha ou neta de um “beberrão”, o que vai acontecer? Não vai curar a úlcera no estomago, vai colocá-la com os dois pés no inferno… Você entendeu?

Portanto, mesmo que algumas coisas aparentemente não “prejudiquem” o presente da minha vida cristã, podem conduzir, mais tarde, a mim e à minha família, ou alguém da minha família, caso possuamos tendências alcoólatras herdadas dos avós e dos bisavós (que não nos abandonam até a terceira ou quarta geração), ao caos, pois serão tendências cultivadas. O mesmo se pode aplicar à música.

MSA: Estávamos falando há pouco sobre a mistura; a dos israelitas com os moabitas; a dos filhos de Deus com as filhas dos homens; que resultaram sempre em problemas ao povo de Deus. A solução para a mistura perigosa é o isolamento? A igreja adventista já não passou, há algum tempo, por um grande período de isolamento? Agora não estamos em um período de maior abertura? Essa abertura não é positiva?

Maestro Flávio: Sim e não! No passado, a igreja de Cristo saiu a pregar o evangelho e, em pouco tempo, o mundo todo conheceu as boas novas do Senhor. Mas, neste avanço, alguns dos que permaneceram para firmar a igreja nos conceitos do cristianismo, falsearam… E assim começaram a penetrar na Igreja “ventos de doutrina”, como o arianismo e etc. Muitos elementos estranhos à doutrina de Cristo penetraram na igreja, enfraquecendo-a pela divisão.

O mesmo problema existe ainda hoje, o processo é o mesmo. A igreja, para conseguir “evangelizar”, entre aspas, coloca-se no terreno encantado do inimigo sem, muitas vezes, a proteção Espírito Santo. Eu posso me colocar no terreno encantado do inimigo, desde que eu esteja com a espada do Espírito, com o capacete da salvação, com o escudo da fé; enfim, de posse de toda essa armadura divina (Efésios 6:13-17). No momento em que qualquer uma das peças dessa armadura é deixada de lado, para que eu possa fazer uma concessão a fim de ganhar uma pessoa que seja para a igreja, eu trago para dentro do tabernáculo do Senhor uma pessoa não convertida, uma falsificação.

Justamente por ter sido aberta uma concessão, tal pessoa não foi trabalhada para a salvação, mas foi resultado de uma conveniência. E é esse todo o perigo que a igreja está correndo ainda hoje.

MSA: Então nós, povo de Deus, realmente devemos sair e pregar o evangelho! Não podemos ficar encastelados em uma torre de marfim, isolados do mundo! Mas qual seria a solução para que essa saída não seja acompanhada de concessões aos princípios de Deus?

Maestro Flávio: Eu vou explicar com um exemplo bíblico sobre Israel: após a tomada de Jericó, o povo de Deus investiu contra Ai. Por que eles falharam na conquista desta última cidade?

MSA: Porque em um caso eles guerrearam segundo uma ordem de Deus e no outro…

Maestro Flávio: Deus não fora consultado sobre a conquista de Ai. A cidade de Ai deveria mesmo ser tomada, mas Josué esqueceu de orar: “Senhor, estamos prontos?”. E a pergunta deveria ser: “Estamos?”. Não nós, povo, mas Tu e eu. Não oraram e, assim, fracassaram… Por quê? Porque era uma cidade pequena e eles pensaram consigo mesmos: “Ah… se tomamos Jericó, essa aí não tem nem graça, vai ser moleza”.

O espírito deste relato é o seguinte: cada projeto e ato meus, se não estiverem ligados à permissão de Deus, podem resultar em fracasso. Por que Jesus não fracassou? Porque a todo instante Ele tinha o poder e a autoridade de Deus. Apesar de ser o próprio Deus, nunca usou nada que eu não possa usar hoje. Por isso é que a oração de Jesus tinha as seguintes palavras: “Pai, vindica o Teu nome em Mim” (João 12:28). Sempre procurou representar o Pai, por isso estava constantemente ligado ao Pai.

Da mesma maneira, toda vez que eu procurar fazer alguma coisa, se não o fizer – seja música, seja sermão, seja uma visita missionária, seja um estudo bíblico – de modo a estar ligado a Deus, “dá em nada”; assim como vemos muitas séries de conferência “darem em nada”, ou estudos bíblicos “darem em nada”.

Claro que muitas vezes essas atividades são atrapalhadas pelo inimigo, o que pode fazer com que uma pessoa só se decida pela verdade muito tempo depois. Mas quantas vezes uma decisão tomada prematuramente, sem a devida consulta a Deus, traz problemas à igreja? Quantas vezes já não vimos homens e mulheres, reconhecidos como enormes capacidades, abandonando a fé? Ou mesmo pessoas competentes em determinado assunto cometendo erros banais? Elas tinham a capacidade, sabiam fazer muito bem, mas naquele “lance” estavam sem a guarda principal, que é o Espírito Santo.

MSA: E o que podemos dizer daqueles cantores e pregadores de evangelismo que, usando músicas claramente de tendências populares e, “falando a linguagem do povo” (são palavras deles próprios), convertem muitas pessoas, trazem muitos para o batismo?

Maestro Flávio: Pelos seus frutos os conhecereis…

MSA: Sim, mas os frutos todos podem ver bem, muitas pessoas estão se batizando…

Maestro Flávio: Mas o fruto não é o batismo. Não se esqueça de que o fruto não é o batismo, o fruto é uma vida! A pessoa que foi ganha por um momento desses, de pura emoção e sem Deus, entra na igreja sem Deus e logo ali adiante sai, levando outros consigo; ou seja: o mal se torna maior. Ao passo que a pessoa que é ganha com oração e com cuidadoso estudo, é caprichosamente trabalhada pelo Espírito de Deus. E, pelo estudo da Palavra e pela oração, ele não vai se ausentar da igreja tão facilmente quanto aquele que entrou por um chamamento emocional e não um chamamento do Espírito.

MSA: Mudando de assunto: qual o papel da emoção e da razão nas coisas religiosas? Costumamos dizer que o evangelho tem que ser racional (Romanos 12: 1 e 2), mas que o cristianismo é baseado no amor (I Coríntios 13), que é uma emoção. Como devemos lidar com essa aparente contradição? Porque, quem mexe com música, sabe que a música é a linguagem das emoções, então a emoção desempenha um papel importante na adoração, não?

Maestro Flávio: Amor é emoção? Eu não sei o que você pensa sobre o amor, por isso eu pergunto: o amor é emoção?

MSA: O pessoal fala que amor é emoção, que amor é sentimento…

Maestro Flávio: Leiamos I Coríntios 13. A Bíblia diz que se eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine. Ou ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, se não houver amor? Eu não seria nada… E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, ou entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso seria de proveito algum para mim. Por isso eu insisto na pergunta: o amor é emoção ou é razão?

Agora, a partir do verso 4, é que vem o ponto principal: como Paulo define esse amor? Quais suas características? Ele é, por exemplo, paciente. Paciência é razão ou emoção? E a benignidade? É emoção ou razão? E o Ciúme?

MSA: O ciúme pode ser emocional, não?

Maestro Flávio: É… O ciúme pode ser emocional, mas o amor não arde em ciúme. Ou seja, o texto descreve qualidades negativas de coisas que não são o amor (o amor não é invejoso, o amor não se ufana, o amor não se ensoberbece, não se irrita…) e que muitas vezes são emocionais; e qualidades positivas (o amor é sofredor, é benigno, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta) que caracterizam o verdadeiro amor e que não são emocionais, mas racionais, são decisões! Como é que eu posso explicar isso? O amor não se alegra da injustiça, se regozija com a verdade. O regozijo é emoção ou é razão? Pode ser emoção, mas para se regozijar com a verdade, você tem que conhecer a verdade e, portanto existe um mecanismo racional envolvido. Ou seja, mesmo a emoção, neste caso, está fundamentada na razão.

MSA: O que podemos dizer destes “auto-intitulados” ministros de música, que estão por aí, em todas as igrejas? Eles mesmos se elevam ao título de “ministros de música” e, para exercer esse ministério, cobram passagem, cobram vendas de CDs, cobram uma porção de coisas, com a justificativa de que isso é uma profissão, que vivem disso, que é esse o trabalho deles. Isso é válido? O ministério pode ter essa conotação? A música sacra tem esse papel também?

Maestro Flávio: Eu vou me reportar para o Templo. Os levitas trabalhavam no templo como ministros, na função de sacerdotes. Comiam dos sacrifícios levados pelo povo, das ofertas em grãos levados pelo povo por motivo das boas colheitas, dos dízimos do povo (Neemias 13:5; 10-12). Eles eram sacerdotes, indicados pelo próprio Deus, e participavam das coisas do templo.

Agora, será que, hoje em dia, algumas pessoas não estão, como Nadabe e Abiú, pondo fogo estranho no templo e achando que é fogo do Senhor? E se arrogando o direito de fazer negócios escusos na porta do templo – como Ofini e Finéias, filhos de Eli, que se prostituíam com as mulheres que iam ali oferecer sacrifício?

Será que isto que você mencionou não é uma maneira de se prostituir na porta do templo? Esses negócios na porta do templo não são como prostituição que adultera a adoração que Deus quer que seja feita a Ele? Essa venda não é preparada nas horas do sábado? Eu faço essas perguntas e deixo que Deus responda.

MSA: Para que possamos comparar o verdadeiro ministério de música com este ministério “auto-intitulado”, perguntamos: O que é (ou qual é) o verdadeiro ministério da música?

Maestro Flávio: O verdadeiro ministro da música é chamado por Deus, e a Bíblia é bem clara: “A Lei e ao Testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca lhes raiará a alva!” (Isaías 8:20). Isso é claro! Toda vez que uma pessoa se arvora ministro de música e contende por coisas erradas da música, ele não é verdadeiro ministro da música. Como Jesus chamava esse tipo de pessoa? Ladrão e salteador, que vem para roubar.

MSA: O que o senhor quis dizer por “contende por coisas erradas da música”?

Maestro Flávio: Coisas erradas, como, por exemplo, vender produto do seu trabalho na porta da igreja depois do J.A. Fez toda a publicidade lá dentro e depois diz, mesmo que de forma implícita: “está aqui, agora você é obrigado a comprar”. Se a igreja não fica com 50 CDs e não paga a viagem deles, não vão cantar naquela igreja. Isso é negociar com as coisas santas, e isso é pecado!!! Para se apresentar na igreja você não pode cobrar nada… Não deve e não vai cobrar, porque a adoração a Deus é inegociável: não tem negócio, não tem barganha.

MSA: Ainda neste sentido, por que a ACASP [Associação Coral Adventista de São Paulo, regida pelo Pastor e Maestro Flávio A. Garcia] não grava CD? Por medo de ser confundida com esse tipo de ministério? Mas, por outro lado, a gravação não é uma forma de divulgar boa música? Se a ACASP faz boa música, não seria esta uma boa maneira de divulgá-la?

Maestro Flávio: Sim, você tem razão, seria bom se nós pudéssemos fazer um CD. Acontece que, para fazer um CD, dá um trabalho que leva praticamente um ano inteiro. É um projeto que pede muita dedicação e poucas apresentações do coral. É preciso trabalhar todo um semestre exclusivamente para o CD, sem nem pensar em sair para cantar nas igrejas. E eu, até agora, optei por cantar nas igrejas ao invés fazer o CD.

Tendo isso em vista, tenho pensado em outras maneiras de conseguir gravações do coral sem precisar gastar o tempo de estúdio, sem correr atrás de um financiador, ou de um mecenas, e esse tipo de coisa necessária para uma gravação. Maior do que tudo isso, confesso, é a “preguiça” que tenho ao pensar em preparar um grupo para uma gravação. É um trabalho de filigrana e de perfeição que exige muito mais atenção e desgaste do que o trabalho que temos executado para nossas apresentações (que são sempre trabalhadas de forma atenta e cuidadosa, pois cantar nas igrejas é um louvor a Deus, o que exige perfeição). Assim, ou tentamos recuperar gravações antigas, já existentes, ou gravamos nossas apresentações ao vivo, ou mesmo gravamos aqui e ali na nossa própria sala de ensaios.

MSA: Partindo para um outro caminho, o que poderia ser dito sobre os grandes eventos musicais organizados pela Igreja Adventista, aos quais muitos dos jovens adventistas aparecem, se entusiasmam e participam? Esses eventos são bons para a conservação dos jovens? O que está ocorrendo, afinal de contas?

Maestro Flávio: [Pausa] Eu não gostaria de responder a essa pergunta, mas vou tentar, sem ofender.

Lembro-me de que, há alguns anos, ouvia falar daquelas programações espetaculares de música popular, com luzes, telões, caixas de som… Por esses dias, estava procurando um noticiário na TV e vi que, para as festividades de fim do ano, a prefeitura colocou nas ruas telões com o Roberto Carlos e todos aqueles cantores populares. Vendo essas coisas e vendo as programações musicais grandiosas da Igreja, imagino que alguns de nós, infelizmente, estamos tentando imitar o mundo também nos shows cristãos… O que não leva a nada.

Eu imagino se essas mesmas pessoas dos shows fossem convidadas para fazer um trabalho específico, musical, constante, em determinadas áreas carentes, cantando música que o Senhor pode usar pelo Seu Santo Espírito, aceitariam o convite? Para mim esse é o “nó Górdio”[1] da questão. Os shows cristãos podem acalmar a consciência de alguns, mas, infelizmente, pouco pode ser usado pelo Espírito Santo.

Vou explicar: Certo dia ouvi dizer sobre um show (eu falo show, porque realmente é!) que aconteceria em um tal de Credicard Hall. Alguns jovens que foram para lá vieram até mim (espontaneamente, eu não perguntei nada) e me perguntaram: “Você foi lá professor?”. E eu respondi: “Não, não fui”. E eles disseram: “Não perdeu nada, foi uma exibição atrás da outra”. O que será que um jovem quis dizer com “exibição”? O que significa ir a um show para um jovem? O jovem encontrou-se com Jesus lá? Essa é a pergunta que eu faço. Procure levar alguém naquele piscar de luzes, naquele frenesi típico de show, e pergunte: você conseguiu ouvir a “suave voz do Espírito Santo” como Elias ouviu no monte Horebe? Eu não espero uma resposta, pois sei que só o Espírito de Deus faz isso, não um show.

MSA: Agora, um entretenimento não é importante para um jovem? Eu acredito que sim. E se um jovem precisa de algum entretenimento, não é melhor um entretenimento falando das coisas de Deus do que um entretenimento mundano?

Maestro Flávio: Um Deus mundano, você quer dizer? É isso? Não sei se cabe, mas a mescla do que você falou pode ser dita em uma frase: Um Deus mundano!

MSA: Mas o jovem não precisa de entretenimento?

Maestro Flávio: Sim!

MSA: Então, não é melhor um entretenimento sobre as coisas de Deus do que um entretenimento mundano?

Maestro Flávio: Essa posição é muito cômoda. Prefiro aquela que fala qual é a melhor recreação para um jovem, que podemos encontrar na Ciência do Bom Viver e no Mensagens aos Jovens, de Ellen White.

Você vai encontrar ali que a melhor recreação para um jovem é no campo, durante o dia, caminhando com os outros jovens. Sim, caminhando, fazendo alguma atividade, algum esporte, e durante o dia, numa brincadeira, para os jovens se conhecerem. Isto sim é “recriar”, e não mero “entreter”.

A senhora White diz que a melhor recreação é fazer um bom canteiro e plantar couve, beterraba, cenoura, porque dá dividendos para a saúde e para a cozinha. Mas quem de nós está sujeito a fazer isso num domingo de manhã quando todos estão cansados pelo show de sábado à noite? A juventude, desgraçadamente, está usando o início da nova semana para – com todo o respeito que eu tenho pelos meus queridos jovens – as bacanais do pecado. É neste terreno perigoso que os nossos jovens tem se colocado.

Assim, o entretenimento, e não a recriação, é que é um perigo. Quando se organizam esses shows para entreter os jovens, a mente deles é preparada para aceitar qualquer show mundano. E eles acabam pensando assim: “não tem problema, é quase igual, tanto faz, eu vou assistir aquele lá, é só uma ‘recreação’…”. Não! É entretenimento! A recriação que Deus estabelece é alguma coisa que limpa a minha mente das cargas elétricas do trabalho constante; através de uma atividade com a terra, um passeio, uma atividade física, uma conivência saudável entre os jovens, um passeio ao ar livre, uma visita a um bosque, ou a um parque nacional, uma viagem pelo rio, apreciar as coisas da natureza ou alguma coisa nesse sentido. Isso refrigera o corpo, recria, carrega as baterias; ao passo que o entretenimento mencionado por você não faz nada disso! Há ali um desgaste de energia, há um desgaste nervoso, uma falta de sono (que precisa ser reposto fora de hora). Tudo peca contra a cidadela da alma.

MSA: O elemento mais importante da música sacra é a letra, a mensagem que está sendo dada. Por que então tanta polêmica em torno da música em si, se a letra é o elemento mais importante?

Maestro Flávio: É que a música é o veículo da mensagem. A música ajuda, carrega a mensagem. Vou exemplificar: um coral religioso é convidado para cantar por meia hora no Palácio do Governo. Em outras palavras: você vai ter apenas meia hora para fazer um sermão para o governador. O que ele vai ouvir com mais atenção? Mensagens musicais ou sermões? Ele é um homem secular, alguém dado à administração e política, e que, provavelmente, não está ligando muito para religião. É certo que ele ouvirá com muito mais atenção à mensagem musical, e o Espírito de Deus poderá usar de forma muito mais eficiente a comunicação através das asas da música, para que a verdade atinja o coração daquele homem secular.

É desta forma que se usa mensagem através da música. Quantas vezes já tive essa experiência com meu coral! Somos convidados para cantar ora para o governador, ora em homenagens ou mesmo em eventos públicos, como o dia do trabalho, por exemplo. E aproveitamos o momento para cantar músicas sacras. Por exemplo: fomos cantar com a Banda da Polícia Militar no Teatro Municipal. Quando nós cantamos o “Hino da Batalha”, o teatro veio abaixo! Por quê? Porque, além de todo o conhecimento sobre esta música, havia a mensagem da música em si e o acompanhamento da banda, de alguma forma, atraiu a atenção do público. O conhecimento sobre esta música, a mensagem dela e a conseqüente atração do público fizeram com que o teatro repetisse o refrão conosco (cantarola o refrão: “Glória, glória Aleluia”). O que estava acontecendo na mente deles? “Vencendo vem Jesus!”. Isso não vai sair mais de suas mentes, porque o Espírito Santo gravou neles essa mensagem.

É muito mais fácil pregar assim. Se eu chegasse lá e dissesse: “Senhoras e senhores, vencendo vem Jesus!”, o que eles diriam? “Fanático! Aqui é lugar de concerto, não de religião”. Mas se, ao invés de falar, eu canto “vencendo vem Jesus”, eles não só aceitam como até cantam junto!

MSA: Mas se a música é apenas um veículo, e a letra é realmente importante, a música não poderia ser adaptada ao público que pretendo atingir?

Maestro Flávio: Você pode usar um veículo “carro de boi”, você pode usar um veículo “bicicleta”, você pode usar um veículo “avião supersônico”, ou até sola de sapato! No entanto, com alguns desses, você atinge mais depressa o objetivo de fixar na mente dos seus ouvintes as mensagens sobre Jesus. Mas você poderia me dizer: “a música popular chega muito mais depressa, comunica muito mais”. Porém eu perguntaria de volta: “se eu puser numa canção popular a letra de Jesus, qual a letra que vai ficar na mente deles? É a de Jesus, adaptada por mim, ou a que eles estão acostumados a ouvir na canção popular?”. A resposta é lógica, obvia e ululante!

Além deste, vem outro ponto (que não apenas o da letra que vai ficar na mente deles): são as asas da música que levam a mensagem do Espírito Santo [enfaticamente]. A característica da música pode influenciar positivamente ou negativamente o trabalho do Espírito Santo na mente de uma pessoa – a mensagem somente tem força plena quando o Espírito pode usá-la integralmente. E este é ponto em que mais nos enganamos, pois achamos que podemos usar qualquer coisa que atraia o público para depois clamar pela interação do Espírito Santo! O movimento deve ser justamente o oposto: para que uma pessoa possa ser efetivamente convertida para o reino de Deus é o Espírito Santo que deve preparar tudo antes! A pessoa não convertida deve ser chamada pelo Espírito de Deus, não atraída por um mero chamariz. É desse movimento invertido (de pedir a atuação do Espírito só depois de tudo “prontinho”) que surgem os “errinhos da verdade”, os quais tomam de assalto a cidadela dos remanescentes. Aí é que mora o perigo! Os agentes do inimigo são introduzidos na igreja nesse momento!!!

MSA: Consideramos este assunto muito importante, por isso queremos aprofundá-lo um pouco mais. Não é melhor que o Espírito Santo encontre um grupo de pessoas já reunidas e prontas para ouvir o evangelho, do que ter que preparar pessoas? Se eu organizo um evento musical, por exemplo, as pessoas já estarão ali, prontas e preparadas para ouvir o que tenho a apresentar…

Maestro Flávio: Bom, vou explicar com exemplos da Bíblia: Noé, por 120 anos, anunciou e construiu uma arca: “pá pá pá, vai chover!!”. E apenas ouvia: “Esse velho é louco!”. Quando o barco ficou pronto, ele fez o último apelo. Alguns daqueles que riram, caçoaram e fizeram piada, quase atenderam o chamado, mas, na última hora, com medo da chacota dos outros, mudaram de ideia, ficaram com vergonha… E se perderam! Havia, portanto, potencialmente, na multidão que morreu, pessoas que poderiam ser salvas e apenas não foram salvas porque ficaram com vergonha! As pessoas não foram salvas mesmo com a mensagem sendo exaustivamente pregada, pois não ouviram, não estavam preparadas. Eles estavam passando toda hora em frente à arca de Noé. Deus usa maneiras estranhas.

Um outro exemplo: Qual foi a razão que levou Deus a colocar o povo se Israel, o Seu povo, na Palestina? Para eles serem LUZ! Ali era o “caminho das nações”, e tudo o que eles deveriam fazer era viver a verdade! E o que aconteceu? O povo de Israel teve que ser levado cativo para que o rei de Babilônia pudesse aceitar o Deus verdadeiro. E qual Deus Nabucodonosor declarou ter aceitado? O Deus de Daniel, não o Deus da Nação Judaica. Personificado na pessoa de Daniel, Deus se revelou a Nabucodonosor. Tendo em vista este exemplo é que devemos abrir nossos olhos e estarmos preparados não apenas para receber, mas para cumprir a incumbência que Deus nos ordena hoje. E a preparação deve ocorrer antes nos indivíduos, para que possa ocorrer na igreja como um todo. Quando EU me converter, o Espírito Santo vai me usar como luz onde quer que eu esteja; quando NÓS nos convertermos, a igreja vai iluminar onde está e vai chamar a atenção dos povos. É neste momento que os ímpios perceberão quem é o Senhor Deus e quem é Baal.

MSA: Mas o Espírito Santo não pode usar qualquer coisa para converter corações?

Maestro Flávio: Pode!

MSA: Mas o senhor não disse que apenas a música de características corretas pode ser plenamente utilizada pelo Espírito Santo? Se o Espírito Santo pode usar qualquer coisa para converter as pessoas, por que tanta preocupação com o tipo de música? Eu poderia muito bem usar música popular…

Maestro Flávio: Ele usou Nabucodonosor, Ele usou Ciro, Ele usou Pilatos (quando Pilatos disse: “Não vejo nenhum mal nEle!”, era o Espírito Santo falando!!!). Usou até a jumenta de Balaão, quer prova melhor do que essa? Usou um animal, não é?

Agora, será que Deus muitas vezes não usa até o diabo pra mostrar para alguns que eles vão para o inferno? Usa! E alguns, por medo de ir para o inferno, vão ser salvos! Mais dia menos dia Deus mostrará Seu amor contra o desamor de Lúcifer. E, caso o ser humano saiba enxergar isso, o desamor de Satanás, por contraste, poderá levar à salvação. Não que ele tenha a propriedade de salvar, é Deus quem salva. E é isso que, muitas vezes, nós não conseguimos entender: como é que Deus usa as coisas erradas desse mundo, as coisas loucas desse mundo e dessa terra para salvar alguns?

Desta maneira, o Espírito Santo pode falar por um endemoninhado: “que tenho eu contigo, Filho de Davi?” (Marcos 1:24). Ele estava falando de quem? De Deus, de Jesus! E quem estava falando? O próprio inimigo! Mas em sua fala estava o testemunho de que quem estava à sua frente era o próprio filho de Deus!

Deus usa meios que nós, muitas vezes, não somos capazes de compreender. Usa as “riquezas da iniqüidade” para salvar! Eu faço uma pergunta: que dinheiro Maria Madalena usou naquele perfume? Será que ela ganhou de Simão? Ganhou de Lázaro, o irmão dela? Ou ela ganhou na prostituição, no tempo que ela morava em Magdala? Eu não sei! Mas Deus aceitou esta “riqueza da injustiça” como uma demonstração de amor a Ele, por uma mulher que havia sido ganha da injustiça para a justiça. Como isso funciona? Eu não sei explicar, porque é Deus que faz isso!

MSA: Então nós podemos usar músicas populares se a nossa intenção é boa?

Maestro Flávio: Não, não podemos usar… Porque aquele endemoninhado não continuou endemoninhado após falar que Jesus era o próprio Deus! Ele foi curado e o demônio foi expulso… E, após o milagre, aquele homem ficou bonzinho ao lado de Jesus, pedindo para ficar com Ele, porque nEle sentia segurança. Madalena não continuou na vida de prostituição; o baixinho Zaqueu não continuou ladrão de impostos; e eu poderia ficar a citar outros tantos exemplos da Bíblia… Eles mudaram as suas vidas. Se eles mudaram as suas vidas, deve haver uma mudança radical na minha vida quando eu vejo quem é Jesus e o que Ele fez por mim!

MSA: Poderíamos então dizer que o Espírito Santo tem a liberdade de usar os meios que Lhe aprouver para converter as pessoas, mas nós não? Nós temos que usar os meios que Deus indicou pra que usássemos, não é isso?

Maestro Flávio: Eu sou egoísta e sou pecado. Se uso meios errados, o inimigo me pega nos meios errados. Este é o atributo dele! E esses meios errados vão me pôr em tropeço lá adiante. Se até quando eu uso os meios de Deus o inimigo tenta me bombardear, quem dirá quando eu uso os meios do próprio inimigo! Esse é o perigo que nós, como Igreja, corremos e nem percebemos! Queremos usar os meios do mundo para atrair o mundo para Deus, quando Deus não permite que eu faça isso! O Espírito de Deus pode usar todo e qualquer meio, quando Lhe aprouver! Mas o Espírito não permite que eu use os métodos do diabo; eu, servo, só posso usar os métodos de Deus!

MSA: Voltando a um aspecto mais técnico da música, falemos do ritmo. Consideramos que não existe música sem ritmo. Mesmo o canto gregoriano tem um ritmo, embora este não seja metrificado. A música acontece no ritmo, o ritmo faz a música acontecer no tempo. Por que então tanta polêmica em torno do ritmo usado na música de adoração hoje em dia?

Maestro Flávio: Eu faço uma pergunta: por que algumas traduções bíblicas interpretam o texto de João 1 (“No princípio era o Verbo”) por “No Princípio era o ritmo”? Porque existe um ritmo de Deus! Deus formou esse mundo num ritmo. Por outro lado, o inimigo colocou junto à arvore da ciência do bem e do mal o ritmo dele! Eva aceitou esse ritmo e levou para Adão, e desde então o ritmo do inimigo está sendo batido neste mundo! Por isso eu devo ter muito cuidado e permitir que o Espírito de Deus faça com que eu use só o ritmo que Ele deseja que exista nesse mundo, e não o ritmo do inimigo. No princípio era o Ritmo, e o Ritmo era Deus! E o Ritmo estava com Deus. Qual é o ritmo de Deus?

MSA: Para que pudéssemos diferenciar o ritmo de Deus do ritmo do inimigo, precisaríamos ter mais elementos. Quais são as características de um e de outro?

Maestro Flávio: Bom, vocês têm ouvido falar milhões de vezes: o ritmo que mexe as cadeiras é do diabo, o ritmo que impulsiona você na marcha para o céu é de Deus. Você escolhe.

MSA: A partir deste ponto podemos passar a falar sobre a dança. A dança é má em si mesma? É pecado por si mesma? Não é uma expressão corporal natural ao se ouvir uma música ritmada?

Maestro Flávio: Quando vemos uma bailarina expor o seu corpo através da dança, somos levados, como pecadores, a apreciar este corpo. Esta é uma verdade que ninguém pode negar (porque se fosse uma tábua se virando lá, nós nem ligaríamos, mas para uma mulher damos muita atenção!).

Por causa da situação de pecaminosidade na qual nós fomos gerados, há certas coisas que, somente por aparecerem, já sugerem o mal, o pecado. Eu imagino que no céu estas mesmas coisas não sugerirão pecado. É possível até que, no céu, eu possa saltar de alegria como Davi saltou perante a arca, quando a estava levando para Jerusalém. Afinal, Deus não disse que aquilo era pecado. A mulher dele, Mical, a filha de Saul, foi quem o disse: “Quão honrado foi o rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem vergonha se descobre um indivíduo qualquer” (II Samuel 6:20). Para Mical, foi um escândalo (enfaticamente) o pulo de Davi. No entanto, Deus aceitou aquilo como a expressão viva de um rei alegre perante Ele. Davi não estava bêbado! Simplesmente expressou seu exultante júbilo ao Senhor.

Agora, e se eu (como fazem algumas igrejas nos dias de hoje) abrir os fundos do templo em direção a um salão, e começar a tocar uma música que faça com que todos os adoradores dancem um sambinha, ou uma valsinha? É algum tipo inocente de entretenimento, como dizem alguns? Ou mera recreação que até oferece um pouco de exercício físico? Ou representa algo do tipo: “se esfregar com uma menina até que é gostoso”? A dança, portanto, sugere uma porção de coisas [breve pausa] íntimas, vai dizer que não?

Desde que o pecado entrou no mundo, Adão e Eva precisaram se vestir, porque suas vestes de glória desapareceram e seus corpos sugeriam o pecado. Mas eles não eram marido e mulher? Eram! Mas se Deus mandou que eles se cobrissem, era porque havia nisto alguma razão. Então, quando eu, pecador, pretendo fazer certas coisas, preciso cuidar para que a minha mente não seja levada ao pecado! E é isso que o Espírito de Deus quer fazer comigo a todo instante (afastar minha mente do pecado), quando diz: “não veja revistas assim”; “não escute músicas assim”; “não vá a lugares públicos assim”; “não vá a cinemas assim”. Ver algum documentário seria pecado? Não. Mas se, para ver um documentário, você vai à sala de cinema, cria um hábito que vai levar você a assistir alguma coisa que não presta, num ambiente que pode ser maléfico para você. Então, dada a minha condição de pecado, há uma série de coisas as quais eu preciso evitar, para que minha mente continue pura perante um Deus que é Santo!

MSA: Sabemos que muitas igrejas evangélicas possuem hoje a “dança sacra”. A dança, portanto, é institucionalizada, possui até um “Ministério da Dança”. Por outro lado, vemos hoje, na Igreja Adventista, que a maioria das músicas apresentadas tem um componente rítmico muito forte. O ritmo forte e marcado causa a resposta física da dança. Nós poderíamos dizer, portanto, que em breve teremos dança na Igreja Adventista?

Maestro Flávio: Eu não gostaria que isso acontecesse. De jeito nenhum! Vocês já devem ter assistido comigo “Christmas History” (uma fita de vídeo, gravada nos EUA, na Catedral de Cristal, com músicas e encenação sobre o Natal). É muito curioso: começa o assunto “Vida de Jesus” com dois “bailarinos em Dó Maior”! Ou melhor, “Dó Sustenido”! [risos] Depois entram em cena umas meninas e uns garotos, todos dançando… muito bem. A menina que dança está com um vestido de seda que mostra todas as formas de seu corpo. Ao final, há o passo em que ela é levantada pelo bailarino. Podem ser vistas suas pernas e toda a parte sensual do seu corpo! Vai incitar alguém ou não vai? Mesmo que seja apenas um, mesmo que seja apenas eu!

Digamos que apenas eu tenha sido provocado por aquela cena de dança e que a garota seja inocente, que tenha participado daquela dança apenas como uma artista, que não tenha dançado com o propósito declarado de me provocar ao pecado. Quem vai pagar pelo meu pecado (por eu ter sido incitado por um quadro daqueles)? Eu pago! Há ainda alguém que, se eu me arrepender, vai receber essa culpa: Satanás. E mais alguém: aquele que foi o responsável por inserir aquela dança na apresentação.

Você compreendeu? Toda vez que estou fazendo alguma coisa para o Senhor e provoco alguém ao pecado, aquele pecado vai cair sobre mim primeiro e, depois, sobre a pessoa. Por isso que até a maneira de nos vestirmos ao ir à igreja tem alguma relação com a nossa adoração! Porque ela vai dizer aos outros alguma coisa, e se a mensagem for um ruído em relação à verdadeira adoração, esse ruído poderá trazer conseqüências que vão cair sobre mim.

MSA: Notamos, portanto, que o maior problema relacionado à dança é sua sensualidade. Mas aqueles que ministram a “dança sacra” dizem tomar cuidados tanto com a vestimenta dos dançarinos, quanto com os movimentos em si, para que não haja qualquer conotação sensual. O senhor acredita que haja uma dança não sensual? Uma dança assim, não sensual, poderia ser usada?

Maestro Flávio: Eu não acredito que toda prevenção seja realmente feita para que a dança na igreja não seja sensual. Eu tenho um livro que trata desse assunto: Dancing for God (Dançando para Deus). Neste livro é possível ler sobre pessoas que fazem esse tipo de exibição na igreja. Li, por exemplo, sobre freiras que dançavam. Apesar de parecer algo bastante interessante, mesmo essa dança pode sugerir “alguma coisa”, pelo excesso de movimentos. E pode sugerir algo de pecaminoso tanto para mulheres, quanto para homens. Se as mulheres nos atraem como homens, conforme a vestimenta, os homens também atrairão as mulheres.

Então a alternativa a esta questão seria fazer o culto a Deus apenas abrindo, lendo e fechando a Bíblia, pois todo o resto poderá aparecer como exibição e pecado? – você poderia me perguntar. De fato, o canto, por exemplo, pode levar ao pecado da exibição que, por sua vez, leva à presunção, que leva ao orgulho e à vaidade, que geram nos outros a inveja. E os maiores pecados são justamente o orgulho, a inveja, a presunção e a vaidade. São esses os pecados primordiais, desde que pintura, a escultura, a arquitetura, a literatura, a música, em suma, a arte está sendo usada na igreja. O povo de Deus precisa cuidar muito para que a arte e os artistas que a executam sejam ungidos pelo Espírito Santo de Deus. Pois o grande problema não é a arte, o grande problema é o pecador!

MSA: A irmã White falou que a música nos últimos dias se tornaria um laço. Essa profecia se cumpriu, está se cumprindo ou ainda vai se cumprir?

Maestro Flávio: Já se cumpriu e está se cumprindo e ainda vai se cumprir. Lá no livro Mensagens Escolhidas, segundo volume, ela é bem clara. Na página 36, lemos claramente: “As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo”. Por isso eu repito: aconteceu, está acontecendo e, infelizmente, vai piorar muito. Porque o inimigo não vai dar tréguas para aqueles que, liberalmente, se apegarem aos métodos dele para “louvar” a Deus!

MSA: A igreja adventista tem uma Filosofia Adventista de Música, editada em 1972, no Concílio Outonal da Conferência Geral. Essa Filosofia de Música está sendo revista[2], por uma comissão de músicos, o que deixa claro que a Igreja possui diretrizes neste sentido. Mas, quando lemos tais diretrizes, percebemos que elas não estão sendo aplicadas no que a Igreja vem fazendo, a música da Igreja nos parece contrariar a Filosofia Adventista de Música. Por que a própria liderança, que construiu o documento, permitiu que as diretrizes fossem deixadas de lado? Como é que a música não apropriada invadiu o nosso culto?

Maestro Flávio: Você consegue segurar uma cachoeira?

MSA: Quando ela está na nascente eu consigo desviá-la, ou controlar o seu curso.

Maestro Flávio: Mas quando ela já está no precipício, você não consegue mais segurar! Ou: você consegue segurar quando estoura uma represa? Quando a represa está ali, segurando a água, tudo muito bonito, mas na hora em que estoura o dique…

MSA: Mas quando eu vejo apenas um buraquinho, posso colocar o dedo lá e tampar.

Maestro Flávio: Por que, então, não puseram o dedo no buraquinho da represa? Porque o início do estouro dessa represa se deu com alguém lutando com o desejo de salvar a família, talvez os filhos?! Eu já ouvi isso. E não foi apenas uma, nem duas, nem quatro, nem cinco vezes. Pessoas aflitas já me disseram: “Mas Flávio, não bata de frente sobre esse assunto, para eu poder salvar os meus filhos…”. Ponto final!

MSA: Mas esse desejo de um pai aflito pela salvação de seus filhos não é legitimo?

Maestro Flávio: É, mas não “abrindo guarda” para que o inimigo atormente os outros jovens da igreja!

MSA: A solução seria deixar o filho se perder, então?

Maestro Flávio: O filho não deveria chegar a esse ponto! Vou explicar com uma ilustração: uma vez, com um amigo, fui ao cinema assistir uma grande valsa: “A Vida de Strauss”. Achei espetacular: imagens, música, etc. Depois disso, fui ver um outro filmezinho banal, somente por ter gostado de ir ao cinema. Meu pai soube que eu fui ao cinema, e me perguntou: “filho, o que você foi assistir?”. “Ah, pai, eu assisti isso, aquilo, assim, assado”. “Tudo bem, filho, mas posso pedir uma coisa a você? Quando eu encontrar um filme que eu possa ir com você ao cinema, eu vou convidá-lo; eu mesmo compro os ingressos e vou com você ao cinema”.

Ele faleceu e nunca me convidou. O que isso quer dizer? Que ele tinha em mente uma coisa: com aquela fala ele me dava a liberdade de procurar algo útil para assistir e comunicá-lo. Mas eu fui falar? Não, porque eu simplesmente sabia que não deveria ir ao cinema. Eu tinha recebido essa informação em casa desde pequeno: “com as coisas do inimigo a gente não mexe, porque dão choque!” Pronto e acabou!

O mesmo princípio valia para uma outra situação corriqueira de minha juventude: Era proibido jogar futebol no colégio sem a permissão dos pais ou do próprio colégio. Um dia meu pai juntou a mim e meu irmão com uma porção de rapazes e nos levou para jogar futebol com ele no campo de piquenique (todos juntos!). Quando chegamos em casa, meu pai disse: “filhos, quando vocês quiserem jogar futebol, me chamem; eu vou junto com vocês, mas não voltem lá sozinhos, por favor”. Deu a lição! Com isso, ele me ensinou uma coisa: há um limite que um pai pode dar a um filho (e é para onde o pai pode ir junto com o filho). E há um limite que o filho precisa aprender: até aqui, não mais!

Deste modo, em minha vida adulta, quando vieram incursões do inimigo para que eu fizesse coisas no setor da arte que não estavam de acordo com a Palavra, eu estava como um dique, totalmente preparado para suportar o peso da pressão. Não tinha em minha personalidade nem um dano, nem um dedinho, nem uma brechinha… Por quê? Porque fui preparado!

MSA: Por que o departamento de música, na instituição da igreja, é vinculado ao departamento de jovens? Se a música tem um papel no evangelismo, deveria ser de responsabilidade do departamento de evangelismo; se a música tem um papel na sustentação da igreja, deveria estar vinculada ao departamento ministerial; por que então a música é geralmente vinculada ao departamento de jovens?

Maestro Flávio: O primeiro ponto: a música parece ter hoje mais afinidade com o Departamento JA do que com o Departamento de Evangelismo. Por quê? Porque o JA lida diretamente com os jovens e, assim, precisa preparar mais e mais ENTRETENIMENTO para os jovens! Não deveria, mas hoje a música está, neste sentido, intimamente ligada ao Departamento JA. Assim, as comportas da música não aceitável têm sido abertas para serem usadas em alguns dos programas JA feitos hoje. É por isso, entre outras coisas, que eu prefiro a antiga denominação de “MV” (Missionários Voluntários) e não de JA (Jovens Adventistas), pois um nome tem implicação para a identificação dos jovens com a mensagem do Advento e de sua relação com as coisas de Deus!

Eu creio que nós deveríamos ter nas igrejas o modelo que a nós foi dado no Monte Sinai: os cantores levitas. Um modelo que foi dado a Davi: a orquestra do templo. Modelo que não tem sido seguido por “não termos” verba pra essas coisas – e todo mal está aí. Nós não queremos empenhar a potencialidade financeira nesse departamento, nós não queremos gastar dinheiro no departamento de música para a igreja. Não queremos investir nisso! É por isso que se diz que, em alguns lugares, o departamento de música é o departamento da guerra! Porque forma divisões, atritos; porque os músicos são prepotentes, são muito ensimesmados, etc. E porque a própria natureza do músico não permite que ele dirija o departamento de música…

MSA: Mas os músicos são assim?

Maestro Flávio: Alguns são! E muitas vezes eu mesmo tenho sido, essa é a verdade. É por isso mesmo que precisamos estar atentos. Porque, se Deus permitiu que a Sua Igreja se organizasse deste modo, talvez seja para um mal menor…

Apesar de que, no exterior, nos Estados Unidos, por exemplo, há um ministro da música nas grandes igrejas. As Associações possuem uma pessoa responsável pela música. Os colégios têm o seu “dean” da música (uma pessoa responsável pela parte musical no colégio). E normalmente é uma pessoa que tem também formação teológica, e isto é muito bom. Mas, infelizmente, isso não chegou ainda na “terra dos pés descalços”.

MSA: A Casa Publicadora Brasileira não deveria, assim como casas publicadoras de outras denominações (a Batista é um exemplo), publicar materiais sobre música e partituras de boas músicas, para que a igreja tivesse material sobre o assunto? Indo mais além: a “MusiCasa” não deveria gravar músicas que estivessem de acordo com a “Filosofia Adventista de Música“, para que o membro da igreja pudesse ouvir música sem ser influenciado pelo mundanismo? Por que, enfim, eu vou ao SELS (Serviço Educacional Lar e Saúde) e só encontro material contaminado pelo mundanismo?

Maestro Flávio: Você fez duas perguntas: Na primeira você perguntou acerca da Casa Publicadora, o que me faria responder de uma vez só: “Sim e ponto final!”. Contudo, você perguntou sobre as vendas dos SELS. E aí a questão é outra. Na questão sobre o SELS entra o jogo financeiro. E neste jogo financeiro, figuram aqueles que, nas vendas, dão maiores porcentagens ao SELS… Entendeu? E, mais do que isso, entra o gosto não santificado para a escolha de produtos que acabam sendo levados para dentro da igreja. Todo o problema é esse.

MSA: Para encerrar, vamos refletir sobre o seguinte: vimos que o cristão pode ouvir música para entretenimento pessoal. Mas a música a ser usada na igreja deve ser diferente da música da minha recreação pessoal? Qual o critério usado para diferenciar uma música da outra? Qual o critério que deve nortear a escolha da música para a igreja? Existe critério para a música que vou usar na minha recreação pessoal?

Maestro Flávio: Sim! Ao cantar na igreja, deve-se cantar no estilo da música de câmera – ou câmara, como preferem alguns – que é o mais erudito, a maneira mais nobre do cantar. E, se eu não posso levar um cordeiro manco ou cego para o holocausto, eu também não devo cantar à maneira popular. Pois Deus pede que eu cante de uma maneira erudita (“Os que forem eruditos (ou sábios), pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento” é o que Daniel 12:3 nos diz). Certo?

E, para que cante de uma maneira nobre, eu deveria ter, desde a minha formação, uma escolha da música que escuto. Em casa, não vou escutar o Zeca Pagodinho e similares, para depois querer cantar o “Aleluia Amém”, lá na igreja… Por quê? Porque eu estarei formando uma dicotomia na minha mente, de tal forma que será difícil que ela se adapte a ouvir o “Sejas Louvado Rei Criador…” (cantarola um trecho do hino n° 7 do Hinário Adventista), pois está acostumada a ouvir a música do Zeca Pagodinho e seus comerciais de cerveja… Aquele indivíduo que eu escutei durante a semana toda vai fazer com que minhas células se demorem a se adaptar com a melodia do céu. Ou, ao contrário, eu posso ouvir o “Sejas Louvado” durante a semana toda, e habituar minhas células ao Reino dos Céus!

MSA: Afinal, é pela contemplação que somos transformados…

Maestro Flávio: Pela contemplação! O grande problema da música que ouvimos em casa é esse: você escuta seis dias por semana Rock, Samba, Jazz e depois quer ir à igreja cantar um hino? Você não vai cantar o hino… Você vai cantar a primeira estrofe do hino; na segunda você começa a balbuciar de qualquer jeito; na terceira você já começou a resmungar… Já se passaram três estrofes e ainda o Espírito Santo não conseguiu atuar na sua mente – quando deveria ter começado a atuar desde a primeira estrofe, quando você abriu a boca para cantar.

Então, nosso problema todo é esse: a gente come repolho podre e quer arrotar peru recheado. E não funciona! Eu tenho que me alimentar da música que produz nas minhas células uma entrega total ao Senhor! Desde o raiar da primeira hora do primeiro dia da semana. E não deixar a boa música só para ser ouvida no pôr do sol: quando chega a sexta feira eu ponho lá na vitrolinha aquele CD surrado de um hino sacro que a turma já nem escuta mais, porque já sabe de cor. E, assim, não preparo uma adoração digna ao meu Deus! Mas, em contrapartida, eu preparo minha discoteca para ouvir durante a semana as porcarias que o mundo e o inimigo fazem! É esse o perigo: se eu estou ouvindo desde que eu nasci, ou antes mesmo de nascer, boa música erudita (ainda que seja secular), que acalme e recrie os meus nervos, dificilmente eu vou ter estresse (pois o estresse pode começar antes do nascimento). A mãe que, grávida, escuta uma porção de porcarias, vai dar aos nervos do filho um estresse antes dos sete anos de idade!

Quando eu preparo os meus neurônios com a música erudita, ainda que seja secular, eu vou ter no meu “paladar”, no meu gosto, na minha mente, na minha escolha, aquele tipo de música… Eu achei muito curioso quando um japonês (eu não sei qual a religião dele) me disse: “Meu filho, desde quando nasceu até primeiro ano de vida, escutava uma hora de música erudita por dia”. Um ano de idade! O pai puxava o bercinho do bebê para sala, o garoto ia sacudindo os pés, a música tocava, o pai e o garotinho ficavam escutando aquela melodia, aquela harmonia (uma orquestra, um quarteto de cordas, o que fosse); ouvindo a música erudita. Aos três anos ele já passava três horas escutando música erudita! Você acha que um garoto desse vai ser pagodeiro? Nunca! Depende, então, de quê? De uma orientação que os lares precisam ter com respeito à música erudita e à música sacra! Infelizmente nós estamos descambando. E esse mal vai ser tão terrível que vai ser pior que a queda dos muros de Jericó. Porque não é só o anjo do Senhor que derruba – não foi só a gritaria do exército de Israel que derrubou os muros de Jericó – a gritaria do inferno também pode derrubar muros “em Jerusalém”!

MSA: Que conselhos o senhor daria aos músicos da igreja hoje?

Maestro Flávio: A primeira coisa: ler muito a Bíblia. E a segunda: orar muito. Se não sabe o que ler na Bíblia, leia Mateus, Marcos, Lucas e João, a história de Jesus. Leia o livro O Desejado de Todas as Nações. Leia o livro Caminho a Cristo, ainda que seja meio difícil para alguns, leia por pedacinhos. E faça calo no joelho! Só assim Deus vai poder usar os músicos com a finalidade que Ele quer. Senão, a gente entra na roda-viva na qual o mundo está colocando todos os cristãos: que é a mesmice, e o popularesco dentro da igreja, com todas as suas filiações grotescas que estamos vendo.


Notas:

[1] Explicação: A expressão “nó Górdio” refere-se a uma história de que na Grécia antiga, um camponês, chamado Górdio, era famoso por dar um nó no varão de sua carroça que ninguém conseguia desatar. A expressão ficou, com o significado de algo praticamente impossível de resolver, um problema insolúvel. O restante da história é que, quando ele foi apresentado a Alexandre, o Grande, este viu o nó e, não tendo como desatá-lo, tomou da espada e cortou-o, resolvendo a questão pela força das armas (nota dos editores do Música Sacra e Adoração).

[2] Nota: Quando a entrevista foi realizada o documento final ainda não havia sido divulgado. Porém hoje já está votado e aprovado o documento “Filosofia Adventista do Sétimo Dia com Relação à Música“, disponível em nosso espaço virtual.