Entrevistas

Eles Opinam Sobre Música

A reportagem da Revista Adventista ouviu os Profs. Flávio de Araújo Garcia e Waldemar Wensell, que falaram sobre música sacra e as ameaças que a cercam. O Prof. Flávio Garcia lidera, atualmente[2] , o distrito de Vila das Belezas, em São Paulo. Por muitos anos foi diretor do Conservatório Musical do IAE e regente do Coral “Carlos Gomes”. Já o Prof. WenselI, embora muito jovem, é o diretor do Conservatório Musical do Colégio Adventista del Plata, na Argentina. Ambos com muita experiência musical e, acima de tudo, muito equilíbrio e responsabilidade ao tratarem da problemática da música. [1]


“A Música. Não é um Fim em Si Mesma”

Prof. Flávio Garcia: não devemos apresentar fogo estranho perante o Senhor.

RA: Que dizer das inovações que rondam a música sacra?

Prof. Flávio: Satanás sempre procurou contrafazer a verdade. Logo após a passagem do povo de Israel pelo Mar Vermelho, ouviu-se um exaltado cântico de louvor a Jeová. Entretanto, o diabo queria contrafazer o cântico de Moisés. E não demorou muito. Quando O líder estava no monte para receber as tábuas da Lei, o povo, lá embaixo, grunhia grotescos solos diante do altar do bezerro de ouro. O inimigo, conhecendo o poder da música, procurou desvirtuá-la e, atualmente, está fazendo as maiores jogadas para levar de roldão muita gente. As inovações que estão surgindo, são extravios, uma contrafação.

RA: Quais as diferenças entre música sacra e música profana?

Prof. Flávio: Existe uma diferença primordial. O próprio termo sacro quer dizer música para adoração. Diz a irmã White: “A música deve servir a um santo propósito. Deve elevar os pensamentos para o que é puro, nobre e elevado, trazendo à alma devoção e gratidão a Deus”. Com esta premissa, é fácil selecionar a música sacra. Já a música profana não se propõe a contar nossa experiência de salvos por Cristo.

RA: Então, como avaliar um hino?

Prof. Flávio: Em primeiro lugar, devemos analisar sua melodia, pois é ela que vai apresentar a linha-mestra para levar a mensagem, que é a letra. A melodia precisa ter vigor, poder, simetria, equilíbrio e cadência. A harmonização também é outro ponto. Precisa ser correta, sem emocionalismo ou sentimentalismo doentio. O ritmo precisa possuir bom gosto, devendo estar livre da secularidade tão própria das marchinhas baratas, das melodias carnavalescas – cheias de sincopes, que sugerem movimentos corpóreos – das valsas, da música de jazz, etc. A música sacra promove uma atmosfera de reverência, de culto. O hino tem sentido de esperança e estimula o amor cristão. Expressa louvor e gratidão a Deus. A música combina com a letra. A frase musical combina com a frase literária. É universal quanto à. aplicação e expressa os sentimentos comuns de todos os homens. Ensina a santidade. Eleva, permanentemente, o cantor ou o ouvinte.

RA: Além da música evangélica, que outra podemos usar?

Prof. Flávio: Dentro da música erudita encontramos peças que são usáveis na igreja. Os oratórios, as cantatas, as paixões, por exemplo, são músicas escritas com textos na categoria de sacros. Contudo, há no gênero erudito, o sacro e o profano também. Basta termos em mente as características da música sacra, para fazermos a necessária diferenciação.

RA: Como o Pastor Flávio definiria a música profana?

Prof. Flávio: A música profana é ruído na adoração. Tem ritmo livre e se assenta na emoção. Ora, a emoção não é o melhor veículo para a religiosidade. Muitas vezes pelo coração se atinge o cérebro. Mas se formos usar somente o emocionalismo no sentido de música, pecaremos contra a música sacra. A’ música profana nos tira o espírito de adoração, produzindo em nós características seculares. É perigoso trazermos fogo estranho à presença de Deus.

RA: Que dizer do negro spiritual?

Prof. Flávio: É uma música que tem um poder de comunicabilidade muito interessante. Tem sido explorada de maneira muito curiosa. É claro que, nesse gênero, há verdadeiras delícias musicais. Podemos dividir o negro spiritual em três tipos. O primeiro é recomendável, pois dá o sonido certo, com mensagens adequadas. É, na verdade, espiritual. O segundo tipo pode ser chamado de social. Por exemplo: Deixa o Povo Ir. Nele se aliam características sociais e espirituais. Entretanto, o terceiro grupo emprega toda a pujança do ritmo negro, para sugerir o gingado. Tem um estilo especificamente comercial, ou seja, de consumo. Tudo nele é orientado no sentido do emocional.

RA: E cantar um negro spiritual em inglês, para pessoas que desconhecem essa língua?

Prof. Flávio: É “falar” em língua estranha…

RA: A Revista Adventista está convidando o Pastor Flávio Garcia para orientar uma seção de música. Que acha da ideia?

Prof. Flávio: Estaremos totalmente à disposição dos leitores, para atender às necessidades mais urgentes, desde que tenhamos capacidade.

RA: Contamos, pois, com o professor. O que ainda gostaria de dizer?

Prof. Flávio: A música não é um fim em si mesma. É um meio de ajudar o povo adorar a Deus.


“A Música Sacra é Uma Oferta”

Prof. Wensell: o importante é o que Deus quer e não o que apreciamos.

RA: No Brasil vários jovens estão compondo hinos, ou demonstrando certo grau de criatividade que muito nos anima. Como estão os jovens adventistas na Argentina? 

Prof. Wensell: Já está surgindo gente de valor neste aspecto. Mas não tanto quanto no Brasil. Quando chegamos ao Colégio Adventista del Plata, iniciamos o trabalho para a organização, da Faculdade de Música. Conseguimos que o governo reconhecesse nossa faculdade. Dai veio muita gente estudar em nossa escola. Temos alunos até mesmo do Brasil. Agora está-se formando um bom grupo para ) esse trabalho. Vários que cantam no MUSICAP fazem arranjos. Já se percebe o espírito de criatividade. E isto tende a evoluir.

RA: E a tendência para modernizar?

Prof. Wensell: Quando chegamos a Puigari (já faz quatro anos), não havia um trabalho definido com os jovens. Eles faziam o que bem queriam, surgindo conflitos com a turma mais conservadora. Deparamos várias tendências: alguns queriam fazer uma revolução, impor música ritmada; outros já não concordavam com isto. Foi quando começamos a trabalhar. Com diálogo e muita amizade fomos introduzindo uma nova orientação. Aliás, quero dizer que não há problema com a música. O que há são problemas espirituais. Quando estes são solucionados não há problema com a música.

RA: E qual foi a reação dos jovens?

Prof. Wensell: Ah, depois de vários diálogos, fomos encontrando a forma mais equilibrada de fazer música. Mas foi necessário que conversássemos com alguns jovens sobre o que quer dizer cristianismo, nosso alvo na vida, de que forma devemos entregar-nos a Deus e que condições devemos preencher para que Ele nos possa usar em Seu serviço. Fiz questão de dizer que Deus não usa o que queremos. Usa o que Ele pede. A irmã White fala claramente sobre a música que devemos usar. Assim fomos estabelecendo os princípios que devíamos seguir. Discutimos muito o caso de Abel e Caim. Cada um deu o que tinha. Mas Deus não aceitou o que Ele não havia pedido. Com a música acontece o mesmo. Não é questão de oferecermos o que nos agrada. Temos que oferecer o que Deus pede. E todos nós sabemos o que Deus pediu, não é mesmo? A verdade é que, com a ajuda de Deus, encontramos boa vontade da parte de todos.

RA: Que acha do negro spiritual?

Prof. Wensell: Muito bonito, mas não deixa de ser folclórico.

RA: Pode ele ser apresentado na hora do culto?

Prof. Wensell: Acho que no culto, nunca. Há negro spiritual que daria, mas a gente não pode explicar que este dá, que aquele não dá. Então, minha atitude é esta: aconselho que não se cante negro spiritual no culto.

RA: O que gostaria de dizer aos jovens do Brasil?

Prof. Wensell: Vocês têm mais elementos do que nós. Lá também temos boas coisas. Assim que eu desejo incentivar os jovens adventistas do Brasil a trabalharem. Nada se consegue sem esforço. E trabalhando não para fazer o que agente quer, mas o que Deus quer. A música sacra é uma oferta de louvor. E aquele que trabalha nesse campo, precisa pensar no que é bom para Deus e Sua Causa. Lembremo-nos de Abel. Ele foi aceito porque sua oferta estava de acordo com a vontade divina. Assim deve ser com a música, não é mesmo?


Fonte: Revista Adventista (Jornal), págs. 14-5, 1975 (nós do Música Sacra e Adoração não conseguimos localizar este número da Revista Adventista. Agradeceremos a algum leitor que nos possa ajudar).


Notas:

[1] Agradecemos à Loide Simon por essa contribuição ao Música Sacra e Adoração.

[2] É importante notar que “atualmente”, para o artigo, é o ano de 1975. Atualmente (ano de 2004), por exemplo, o Pr. Flavio Garcia está “jubilado” e não mais pastoreia uma igreja, mas lidera um coral, a Associação Coral Adventista de São Paulo (ACASP).


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