A Seleção de Cantos Para o Culto Cristão – Capítulo II

por: Denise Cordeiro de Souza Frederico

A Tensão Entre Tradição e Contemporaneidade na Música Sacra Cristã do Antigo Testamento aos Cinco Primeiros Séculos da Era Cristã

2.1 – Introdução

O presente estudo inicia apontando as inclinações da música no Antigo Testamento (AT). São levantadas as características da música judaica, que serão encontradas tanto na música secular quanto na sacra do AT. A seguir, registra-se a tradição musical dos levitas, fazendo distinção entre essa tradição e aquela legada pelos profetas. A estrutura do Livro dos Salmos e seus aspectos poético-musicais são mais densamente analisados, tendo em vista que esse tipo de música será um dos mais ricos legados do qual o cristianismo irá se apossar. A autora decidiu que seria importante tratar o assunto desde as suas mais primitivas bases bíblicas, visto reconhecer o valor que essa herança musical ainda nos dias atuais tem para o culto cristão, tanto para o mundo ocidental quanto para o oriental.

Baseando-se em Edward Foley, a pesquisa classifica os hinos do Novo Testamento (NT) e considera a tradição judaica retida pela novel comunidade cristã. Levantadas as causas que compeliram a primeira comunidade cristã a guardar essa tradição, são estudados os motivos que a impulsionaram a compor hinos numa linguagem musical diferente daquela que vinha da herança judaica. Pouca informação é oferecida pelos escritos do NT acerca da música usada nessas primeiras reuniões cristãs. Dois versículos paulinos, contidos em Ef 5.19 e Cl 3.16, servem como modelo daquilo que era feito nessa época: os cristãos são convidados a louvar a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais.

Na terceira parte desse capítulo são estudados os pontos de vista dos “pais da igreja” a respeito da tradição e da contemporaneidade Depois de um breve relato acerca da época patrística, examinam-se as opiniões de alguns pais, como Eusébio, Ambrósio e Agostinho, sobre a música usada na igreja. De Agostinho tem-se uma das declarações mais emotivas acerca daquilo que era cantado nas assembléias cristãs. Muito da atenção dos pais da igreja foi voltada para o que era próprio ou não cantar nos ambientes litúrgicos. Em vista disso, vai-se encontrar uma série de advertências acerca de instrumentos inadequados para o culto cristão, por muitos deles estarem ligados aos cultos pagãos da época. Mediante a análise desses pareceres, deseja-se avaliar como os pais lidaram com a tensão entre um estilo mais antigo e o contemporâneo na música sacra.

Qual a importância do legado da música judaica para o cristianismo? Como isso se deu? O que desse legado foi preservado e por quê? Como era o canto da igreja primitiva? Quais as causas das modificações que ocorreram nessa música? E os pais, como reagiram ao canto? Mantiveram a tradição ou introduziram novos cantos? Com que finalidade esses cantos foram preservados ou não? Estas são algumas das questões que se deseja ver respondidas à medida que o estudo avança.

O propósito final do capítulo é procurar a contribuição de tudo o que foi enfocado, desde o AT até os primeiros séculos da era cristã, sobre a tensão entre tradição e contemporaneidade na música usada nos recintos sagrados. Estudando as maneiras como as pessoas lidaram ou com um estilo ou com outro, deseja-se levantar critérios de seleção de cantos para o culto cristão de hoje.

2.2 – A música no Antigo Testamento

2.2.1 – Características da música judaica

Religião e arte andam irmanadas desde os primórdios da humanidade. A narrativa bíblica da criação do mundo fala repetidas vezes da aprovação estética de Deus à sua criação através da expressão “E viu Deus que era bom”. A relação Criador/criatura foi estabelecida através de ofertas e cultos a partir da necessidade de transposição para uma esfera diferente da natural cotidiana, o comportamento do ser humano transformou a vulgaridade dos gestos naturais, dando a esses gestos novas significações diante do divino, tornando-os assim ritualizados: “A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte é necessária em virtude da magia que lhe é inerente”. O rito e a arte, portanto, transformam pensamentos e objetos naturais em meios de expressão do mundo transcendente.

Para o ser humano primitivo, o modo do discurso era uma das formas usadas para essa transformação. Ao dirigir-se às divindades, sua fala deveria ser ditada por uma declamação diferenciada das palavras e frases usadas no discurso corriqueiro. Entre o povo judeu, essa maneira de se expressar veio a ser conhecida, já no presente século, pelo vocábulo “cantilena”, técnica algumas vezes denominada de salmodia, ou de recitativo, e ainda de declamação. Esse processo declamatório diferenciado, classificado entre a fala e o canto, é relevante para a compreensão dos registros bíblicos do Antigo Testamento (AT) sobre música, pois diferem da concepção que hoje os ocidentais têm do que seja melodia: “Melody, in the music of the early Hebrews, may be described as a kind of declamatory recitative, as among the Arabs”.

A literatura rabínica advertia que os textos das Escrituras fossem não só lidos, mas também cantados, seguindo os modos indicativos do canto, que podiam variar de acordo com a liturgia ou com o texto a que aludiam. A música empregada para essa finalidade era, por excelência, de caráter improvisatório, cabendo ao executante conhecer proficientemente as estruturas “melódicas” cabíveis no texto. Sem dúvida, o texto era o condutor de todo o processo de execução de uma cantilena. Partindo desse conhecimento, havia uma margem de liberdade possível para a ornamentação musical.

Although on occasion this music may be ornamented with rich vocalizations, its form and flow are subordinated to the text and it is clearly adapted to the syntax and punctuation, the natural rhythmic and melodic nature of the text being sung. Thus, in this type of presentation, the word has absolute priority.

A música judaica tem características da música semítica oriental, que é modal em sua forma e cujo sistema está baseado em quartos de tom. A composição dessa música é feita de motivos, conhecidos ainda como pequenas células musicais de uma certa escala, e não existe harmonização. Porque a música oriental tem características populares, suas frases são curtas, o que facilita a sua apreensão pela maioria do povo, e é transmitida oralmente.

O canto judaico empregava sinais “efonéticos”, denominados “acentos” pelo texto bíblico dos massoretas. Nesse sistema, a entonação usa sinais que indicam quando levantar e quando abaixar o tom da voz durante a leitura do texto bíblico. Esses sinais foram adaptados dos acentos gramaticais greco-romanos, que foram inventados por Aristófanes (450 ou 445- 388 a.C.). A entonação é dada pela estrutura frasal e pelas relações sintáticas e lógicas dos elementos da frase, contribuindo ainda para fluência rítmica da mesma. Só muito mais tarde é que os sinais efonéticos foram usados para indicar a fluência da cantilena: “It is generally understood that, in the ancient world, to chant meant to furnish the words and sentences with the most appropriate phonetic inflexion”.

Os chamados acentos bíblicos foram, desde cedo, relevantes para a leitura do Pentateuco, regida por regras precisas, e ainda importantes para a manutenção da tradição oral. O propósito desses acentos era ressaltar o significado do texto e tornar clara sua compreensão. A sabedoria rabínica considera que esse tipo de leitura modulada teve seu início com Esdras, na ocasião em que fora concluída a reconstrução do Templo e o povo se reuniu para a leitura do Pentateuco. Além do componente musical, usava-se o recurso da quironomia, que, no caso, era a arte que o líder utilizava de gesticular as mãos a fim de traduzir a altura dos sons e o ritmo para a pessoa que interpretava o discurso musical.

Os povos primitivos também criam na doutrina do etos da música, que é a convicção de que a música é capaz de provocar e de expressar certas emoções às quais os ouvintes irão responder com atitudes fixas e previsíveis. Ao etos acrescentavam a crença de que a música só alcançaria êxito se o tempo, a estação e o local fossem apropriados.

Os registros que aparecem no AT a respeito de música abordam tanto a música secular quanto a sacra. As narrativas do primeiro livro da Bíblia relatam os acontecimentos dos antepassados do povo judeu, conhecidos como a história dos patriarcas. Entretanto, a história da relação de Deus com o “povo eleito” tem seu início descrito no Êxodo.

É na pré-história do povo judeu que se fala de Jubal, descendente de Caim, que seria “o antepassado de todos os que tocam harpa e flauta”. Uma canção secular registrada nesse mesmo capítulo é um canto lúgubre, em que Lameque explica o homicídio de alguém que o havia ferido. A última referência sobre música nesse primeiro livro da Bíblia relata a censura que Labão fez a Jacó, que fugia dele, sem permitir uma festa de despedida, “com canções acompanhadas de pandeiros e harpas”.

As três referências encontradas no Livro de Gênesis a respeito de culto falam de Abraão, Isaque e Jacó, que construíram altares a Deus e o adoraram no local onde estavam. Esses cultos patriarcais eram ritos bastante primitivos, constituindo-se de pequenas cerimônias litúrgicas em que o menor gesto, presumidamente musical, consistia em “invocar-se o nome de Deus” e em que o chefe de família exercia as funções sacerdotais. Existiam também canções do tipo dos trovadores, comuns à região, cujos vestígios podem ser encontrados em algumas citações da Bíblia. Essas canções falavam de guerras, vitórias e outros assuntos da época heróica de Israel e, juntamente com outros dados históricos, eram registradas em livros. Dois desses livros são citados na Bíblia: os “Livros das Batalhas do Deus Eterno”, em Nm 21.14, e o “Livro do Justo” em Js 10.13 e 2 Sm 1.18.

Os cantos seculares do AT podiam ter funções diversas. Uns eram cantos de marchas, mencionados logo após a saída de Israel do Egito, no deserto, e no episódio da arca. Outros eram associados ao trabalho, como os cantos da colheita e da vindima. Arrolam-se ainda como seculares as canções de vitória, quase todas entoadas por mulheres, e ainda as cantadas nos grandes eventos nacionais, como o cântico do Mar Vermelho. O canto de Miriã é considerado o hino mais antigo conservado no AT.

O AT apresenta outros registros de música secular: Isaías fala da canção da prostituta, de canções da bebida, como a da plantação de uvas e do vinho na festa. Barzilai, convidado por Davi para ir morar em Jerusalém, abdicou do convite por ser velho e já não poder mais ouvir a voz dos cantores. Salomão, descrevendo suas riquezas, fala dos homens e mulheres que cantaram para diverti-lo. Essas canções seculares podiam ter um caráter melancólico. Em Lamentações, o poeta reclama que os jovens se emudeceram. Davi entoou lamento por Saul, Jônatas e Abner. Jeremias conclamou as carpideiras e compôs uma canção de enterro em honra ao rei Josias. A filha de Jefté saiu ao seu encontro, dançando e tocando pandeiro, o que lhe causou a morte, para tristeza de seu pai.

Schleifer diz não ser possível caracterizar com rigor as diferenças entre música secular e sacra no AT. Na sua opinião, naquela época os limites de cada tipo de música ficam difíceis de serem determinados. Dois elementos podem ajudar a definir a música secular. O primeiro deles é o teor de censura que algumas referências bíblicas trazem quando se referem a essa música. O segundo elemento está ligado à música instrumental: a não-sacra está muitas vezes relacionada a lamento e luto. Alguns profetas associavam a música com a corrupção dos ricos, conforme Amós 6. Schleifer considera que a música só veio a ser parte integrante do culto a partir da transferência da arca para Jerusalém. Todas as alusões anteriores feitas ao trompete e ao shofar indicam que eles pertenciam às funções dos sacerdotes durante os sacrifícios, funções essas não musicais, segundo Schleifer.

Uma vez que o limite entre secular e sacro não pode ser determinado com segurança, alguns estudiosos apontam o cântico de Moisés como o primeiro canto religioso registrado na AT, que, ao lado do de Miriã, podem ser considerados expressões espontâneas de caráter religioso, mas ainda não propriamente litúrgicos.

Em relação à música sacra do AT, existem dois tipos de tradição: a tradição profética e a tradição levítica. A profética caracteriza-se pelo êxtase e pela espontaneidade. A levítica é litúrgica, talhada para profissionais, não aceitando improvisação. Há uma ordem estabelecida e disciplinada a ser acatada por quem a executa.

Não há necessidade de se lamentar a ausência de maiores informações da Bíblia acerca da música, visto que através de situações e fatos se pode aferir o padrão bíblico para certas situações. O que mais importa em relação à exposição veterotestamentária sobre música sacra são os exemplos retirados da vida humana. Pelo que se pode depreender da leitura desses relatos bíblicos, a preocupação divina gira em torno da conduta de quem está na liderança da execução musical. O texto de Amós 5. 21-24 clarifica essa posição. Nessa passagem, o profeta narra a censura de Deus à artificialidade dos atos litúrgicos empreendidos por quem não está vivendo sob a retidão exigida por ele. Com exceção da menção dos instrumentos usados e das indicações litúrgicas do uso da música para os levitas, o AT nada mais oferece em relação ao modo do canto.

Só na era da instituição do Templo por Davi e por seu sucessor Salomão é que a música de Israel mudou significativamente. É nessa ocasião que o canto começou a atrair o foco do interesse musical, com toda a organização profissional que demandava. É no relato da mudança da arca para Jerusalém que os nomes dos levitas foram listados. Eram homens com treinamento e habilidade musicais de tal envergadura que foram selecionados por Davi para essa tarefa. Os primeiros a serem mencionados são os cantores solistas Hemã, Asafe e Etã, certamente os mais dotados e que foram indicados tanto para o canto quanto para a execução dos címbalos, função que denotava grande distinção. A seguir mencionam-se grupos de um escalão mais baixo, como os instrumentistas líderes da melodia e outros instrumentistas acompanhadores do canto, todos liderados por Quenanias. Além dos cantores levitas, alguns sacerdotes mais ligados à parte litúrgica também atuavam como trompetistas. O número total dos músicos levitas era de 4 mil, os quais ficaram responsáveis pela música do Templo e seguiam um plano bem elaborado para atuar em todos os cultos ali efetuados. Os pertencentes ao coral foram distribuídos em 24 grupos, cada um formado por 12 coralistas, num total de 288 componentes. Os três cultos diários para os sacrifícios juntamente com os cultos do sábado exigiam que todos os grupos estivessem atuando de alguma forma durante a semana. É provável que para as grandes festividades anuais fossem todos chamados à participação conjunta. Os músicos levitas só eram admitidos para atuarem nos cultos com a idade de 30 anos, portanto, só faziam parte dessa categoria profissional os já amadurecidos e longamente treinados na prática musical. O tempo de serviço era de 20 anos e o tempo anterior de aprendizagem específica levava cerca de cinco anos, não contados os anos de infância dedicados à memorização de todos os detalhes ritualísticos. A música do Templo era feita em uníssono, em volume alto e agudo, grande parte do tempo. Nas procissões, que deveriam ser acompanhadas por danças e instrumentos musicais, a música era alegre. Sobre o caráter dessa música instrumental, Rowley presume que se deveria igualar ao caráter do canto que acompanhava. A música do Templo era ainda “rústica”:

The melodies were probably no more than a kind of recitative within a very narrow compass; the cantillation of the modern Jewish synagogue is by some supposed to be a survival of it. Harmony was as yet unknown. The instrumental accompaniments must have been in unison or in the octave with the voices.

Os levitas, portanto, foram os responsáveis pela manutenção de uma tradição musical, pois eram os que possuíam habilitação e domínio das técnicas requeridas para a execução da música litúrgica. Além disso, segundo a compreensão do AT, eles foram investidos por Deus nessa função.

The continuity of the well established tradition depended mainly on finding a method for the best possible transmission of the current musical practice to further generations. Levitical singers, the chosen guardians of the tradition, were bound to invent and further develop such a method.

2.2.2 – Características dos Salmos

O Livro dos Salmos é o livro litúrgico por excelência da religião judaica, contendo cantos e orações coletados ao longo dos séculos. Recebeu o nome hebraico seper tehillîm, livro de louvores, usado principalmente sob a responsabilidade dos músicos levitas durante a liturgia hebraica. O nome “Salmos” veio da versão grega do AT. Sua estrutura atual só foi definida no século IV da era cristã, quando passou a ser lido como extensão da lei mosaica e dividido em cinco livros. Essa divisão levou em consideração a expressão “Bendito seja o Senhor Deus de Israel”, elemento divisor dos cinco livros dos Salmos, por analogia com o Pentateuco. Sua colocação litúrgica poderia ser ou no início ou no fim de uma oração. Supõe-se que os escribas a tenham registrado no final de pequenas coleções de salmos. O Livro I abarca os Salmos 1 a 41 e a grande maioria deles pode ser catalogada como “orações de pequenos grupos”; o Livro II, contendo os Salmos 42 a 72, é conhecido como o saltério “eloístico”, porque há 164 ocorrências da palavra Elohim, em contraste com 30 menções de “Javé”; o Livro III tem duas seções: de 73 a 83 são salmos eloísticos e de 74 a 89 são javísticos; os Livros IV (Salmos 90 a 106) e V (Salmos 107 a 150) englobam uma série de salmos dos mais variados assuntos. O último bloco mostra uma linguagem de júbilo, na sua maioria, sendo que os cinco últimos salientam o tom de louvor enaltecedor a Javé. No Templo, um salmo era destacado para cada culto diário e, nas grandes festas, o grupo dos salmos conhecidos como Hallel ganhava destaque. As autorias dos salmos são atribuídas a Davi (73), a Salomão (salmos 72 e 127), aos filhos de Coré (42-49, 84-85, 87-88), a Asafe (50, 73-83), a Hemã (88), a Etã (89) e a Moisés (90). Embora haja controvérsia acerca das anotações indicativas da autoria dos salmos, a escola Gunkel-Mowinckel aceita que os salmos em que existe a expressão hebraica equivalente a “pertence a Davi” foram compostos para o rei Davi, não sendo ele necessariamente o autor de todos.

Durante os primórdios do culto no Templo, o canto dos salmos era da alçada dos músicos levitas, mas, com o passar dos tempos, a congregação mudou a sua participação, tornando-se mais ativa. Isso resultou no canto responsorial, com a congregação expressando-se através de pequenas aclamações, até atingir o canto antifonal, com a repetição de refrões. Durante o período do exílio na Babilônia, os salmos serviram de consolo e se tornaram muito populares. No retorno do exílio, os salmos passaram a ser de domínio de todos os judeus e não mais ficaram confinados aos átrios do Templo ou às ocasiões das grandes festas oficiais. As pessoas cantavam os salmos em suas festas particulares e ainda durante as festas religiosas nacionais, onde aconteciam as refeições comuns de sacrifício, que eram acompanhadas de música: “(…) o livro dos salmos contribui para a edificação pessoal, como base da devoção familiar, como livro de consolação e oração, como guia para Deus nas horas de alegria e de tristeza”.

Uma das mais recorrentes formas da poesia hebraica é o paralelismo. Kidner, por exemplo, coloca o paralelismo como característica fundamental da poesia hebraica, considerando-o até mais importante do que o seu ritmo.

Without that parallelism of diction our musical and liturgical expressions would be so much poorer, probably as monotonous as only constant hymn-singing could be. The abundance of varied forms, the scope of artistic imagery, all this is only understandable in the light of the fundamental concept of scriptural dichotomy.

O paralelismo pode ser expresso em duas partes (paralelismo bimembre) ou em três (paralelismo trimembre), separadas por uma cesura. Os primeiros versos do Salmo 24 exemplificam esses dois tipos de paralelismo – paralelismo bimembre: 1 – “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam, 2 – Porque ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios”, Salmo 24. 1-2 ; paralelismo trimembre: 1 – “Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, 2 – que não entrega a sua alma à vaidade, 3 – nem jura enganosamente”, Salmo 24.4.

A partir dos estudos de Gunkel e de Mowinckel, outros estudiosos também consideraram o conteúdo, a cultura e o local (Sitz im Leben) onde as canções eram cantadas como elemento chave para a compreensão de toda a produção poético-musical de Israel. Ao estudar os Salmos, Kraus arrolou-os em seis categorias: os salmos de louvor, as canções de oração, os salmos reais, as canções de Sião, a poesia didática e os salmos dos festivais e das liturgias. Ao descrever os tipos de salmos e reuni-los sob categorias, Kraus fez a ressalva de não se poder classificá-los de maneira completamente isenta de erro na interpretação:

Thus also the following statements may be thought of only as an attempt to arrange the Psalms according to inner (formal and thematically by content) principles of disposition in order by this means to create a practical presupposition for a context-oriented interpretation.

São considerados salmos de louvor todos os que iniciam com uma expressão hebraica traduzida por “canção de louvor”. Encontram-se classificados aqui os hinos que usam o modo imperativo (como “Louvai o Senhor”), os hinos individuais, os que aclamam Javé como rei, os que o louvam como Criador, as canções de colheita e os hinos para o início do culto. Entre os cantos de oração incluem-se os salmos para oração individual (em que o pronome pessoal é “eu”), os cantos para oração coletiva (em que o pronome usado é “nós”) e os de ações de graça. Os salmos reais são os que falam de reis e contêm elementos literários encontrados na literatura do antigo Oriente Próximo: o oráculo, a prosperidade para o rei, a intercessão que profetas e sacerdotes fazem a Javé em favor do rei bem como elementos que descrevem ritos, como os do Salmo 101 em que o rei declara sua lealdade a Deus. As canções de Sião estão baseadas no Salmo 137.3 e eram conhecidas por todos, no exílio, pela expressão “cânticos de Sião”. As canções didáticas são aquelas em que aparecem os termos hebraicos equivalentes a sabedoria e entendimento, sendo os salmos da Torá um exemplo. Alguns salmos que narram vidas a serem imitadas e seguidas como exemplo incluem-se aqui, como o Salmo 78. Outros traços retirados da sabedoria proverbial também ilustram esse tipo de salmos: a efemeridade da vida humana (Salmo 90), a construção da casa e a proteção da cidade (Salmo 127) e a vida de comunhão que deve existir entre irmãos (Salmo 133). Quanto aos salmos de festivais e de liturgias, Kraus mais uma vez expressa-se cautelosamente ao afirmar a dificuldade de reconstituição integral dos cultos do AT, mas aponta fragmentos que ajudam a conceber, mesmo que parcialmente, esses rituais. Ele retira do Livro dos Salmos três festivais ali narrados: Salmos 50, 81 e 95, sendo que somente o 81 define o local do acontecimento. Kraus avalia a relação dos Salmos com a história de Israel através da análise de quatro características: a linguagem e o estilo dos salmos; a história dos rituais religiosos de Israel; a observação de fatos históricos antigos e sua adaptação à narrativa vigente nos salmos e as referências diretas a um determinado evento histórico, sobretudo as “canções de oração comunitária”.

Kraus faz quatro considerações em relação à métrica da poesia hebraica encontrada no Livro dos Salmos: a) os Salmos devem ter sofrido fortes influências no decorrer do extenso período em que se desenvolveram, cerca de mil anos, as quais ocasionaram muitas mudanças; b) é muito difícil detectar-se a forma original dos Salmos em razão de problemas com a pronúncia da língua hebraica; c) por causa das mudanças sofridas pelo texto hebraico, com distorções, acréscimos e transposições, só se conseguiu restaurar aproximadamente o original; d) a vocalização do texto consonantal hebraico trouxe mudanças que devem ter afetado os possíveis padrões métricos antes existentes.

A divisão da poesia em temas e motivos associada à análise estilística de Gunkel ajudam à classificação das estrofes hebraicas. O grande indício da existência de estrofes é aguçado pelos estribilhos e ainda pelos poemas alfabéticos, estes últimos formando acrósticos, que talvez tenham sido um recurso para o ensino e a memorização.

2.3 – Os primeiros séculos do cristianismo

2.3.1 – O legado judaico para o culto da primeira comunidade cristã

Os primeiros cristãos eram judeus de origem, falavam o hebraico ou o aramaico e continuavam a freqüentar os dois locais antigos de culto, cada qual com sua adoração peculiar. A adoração no Templo em Jerusalém, o local central do culto judaico, dava ênfase ao sacrifício e era organizada ritualisticamente:

The Christians in Jerusalem undoubtedly continued attending the Temple worship until at least about A.D. 60, when, as we read in Acts xx : 16, St. Paul was anxious to be in Jerusalem with thousands of other pilgrim Jews, for the feast of Pentecost, the celebration of the giving of the Law.

O Templo foi perdendo essa posição relevante à medida que o cristianismo ia-se expandindo: “Temple sacrifice, which was essential to Jewish cult, became increasingly peripheral for emerging Christianity, especially with the mission to the Gentiles”. Os cultos das diversas sinagogas voltavam mais sua atenção para o ensino e a leitura das Escrituras. Para esses neoconvertidos ao cristianismo, as tradições que mais se arraigaram no novo contexto foram as trazidas da sinagoga, cujos freqüentadores eram as pessoas mais simples que viviam fora de Jerusalém.

To understand the development of worship, it is necessary to be acquainted with Jewish observance and orthopraxis, for it was this practice that was followed by the Jewish-Christian congregations of Jerusalem and Palestine. The influence of Jewish worship on Christian worship almost certainly came via these congregations in Palestine, which then, after the fall of Jerusalem, went into exile, perhaps to the east.

O Templo já não era mais o local apropriado para o culto cristão por causa da mudança de ênfase, agora mais voltada para a Palavra e para a Eucaristia:

Los primeros discípulos continuaron rindiendo culto en el templo (Hechos 3:1), y quizás ofrecían allí los sacrifícios prescritos (Hechos 20:16). Pero su modo típico de culto como comunidad cristiana era sinagogal (Hechos 19:18) y doméstico (Hechos 2: 46; 20:7-12).

Os cristãos continuaram a usar as mesmas orações que todos os judeus piedosos costumavam fazer, mas não ficaram totalmente afastados dos núcleos de adoração judaicos:

The indications of a separate organization and government, independent of the Jewish Church, discernible from the earliest times (…) clearly did not involve withdrawal from the Temple or Synagogue worship. The two organizations existed side by side, the Christian one being only supplementary.

Enfim, o legado dos judeus para a música do culto da primeira comunidade cristã englobou em grande parte bagagem da sinagoga, mas ainda, posto que minoritariamente, práticas do Templo. O caráter não-profissional da música, os textos litúrgicos e a liderança leiga dessa comunidade foram tradições legadas pelo culto da sinagoga. A hierarquia, as cerimônias e os rituais, a organização do Ano Eclesiástico vieram do culto formal do Templo. Esse legado serviu-se de dois tipos de tradição: a profética e a levítica. A tradição da sinagoga legou uma prática espontânea, própria de ambientes não formais e menores, chamada “profética”. A do Templo legou a liturgia organizada, a “levítica”. Clemente de Roma, escrevendo aos coríntios, entre os anos de 95-100 d.C., pouco depois da destruição do Templo, referiu-se a ele como lugar de onde ainda emanava autoridade em questões litúrgicas.

Quanto à música para esses primeiros cultos, o cristianismo continuou a fazer uso de certos elementos do culto judaico, ou seja, preservou o que era tradicional. Essa tradição musical podia ser encontrada na leitura dos textos sacros e na cantilena, que era feita com inflexão monocórdica, com as cadências correspondendo às pausas retóricas da prosa. Encontrava-se ainda no canto congregacional responsorial dos refrões nos Salmos e nas vocalizações feitas com várias notas no final das frases (como a forma ornamental do canto da última vogal a da palavra aleluia). Algumas melodias do canto judaico e um estilo nobre (esse encontrado nas litanias ou orações congregacionais e ainda nas orações cantadas pelos sacerdotes, usado em contraposição ao estilo dos cantos seculares da época) são também herança dos judeus. Os cristãos ainda adotaram o Livro dos Salmos como o livro de orações da igreja e aboliram os instrumentos e as danças. Os estudiosos ressaltam a familiaridade com que os novos cristãos utilizavam os Salmos da tradição.

2.3.2 – A classificação dos hinos do Novo Testamento

Os textos do Novo Testamento (NT) relacionados a cantos foram assim classificados por Edward Foley: breves fórmulas de louvor, fragmentos e exclamações, cânticos infantis, hinos a Deus, hinos cristológicos, salmos, leituras e orações.

Três tipos de breves fórmulas de louvor são encontrados nos escritos cristãos: a doxologia, a eulogia e as ações de graça. Deichgräber distinguiu 20 passagens neotestamentárias com expressões doxológicas, por ele entendidas como equivalentes à expressão “a ele seja dada glória pelos séculos dos séculos”. Foi através das doxologias que a nova igreja introduziu os novos temas, acrescendo-lhes as doutrinas cristológicas e trinitárias. A eulogia se encontra em sete passagens do NT e pode ser considerada equivalente à berakah (bênção) do AT. As fórmulas de ações de graça são as da literatura paulina, cujo padrão é ter uma proclamação de gratidão seguida do motivo pelo qual ela é feita.

Os fragmentos e exclamações consistem nas expressões espontâneas do povo que se congregava. Elas incluem amém, aleluia, hosana, maranata e abba. O amém concluía as orações, as doxologias, as profecias, as cartas e os escritos. A exclamação “aleluia”, que significa “louvai o Senhor”, era usada como doxologia no NT. “Hosana” consiste na junção do verbo yashá, “salvar”, com a partícula na, “por favor”; era usada no NT como um grito de vitória. “Maranata” é uma expressão aramaica, que aparece somente em 1 Co 16.22, e significa “vem, Senhor Jesus”. Pela Didaqué, fica-se sabendo que a expressão equivale a “hosana” e a “amém” e é possivelmente uma invocação pela segunda vinda de Cristo. “Abba” é um vocábulo aramaico para designar “pai”; foi usado inúmeras vezes por Jesus, sendo a palavra familiar que as crianças usavam. Essas aclamações são elementos importantes da expressão religiosa koinoníaca. Três funções dessas aclamações destacam seu valor para o aspecto da comunhão: a) elas demonstravam a participação ativa da comunidade; b) expressavam em viva voz a confirmação e a profissão da fé dessa comunidade; c) eram meios de expressão espontânea da emoção religiosa.

Os cânticos infantis são os registrados no evangelho de Lucas: o Magnificat (1.46-55); o Benedictus (1.68-79); o Gloria in excelsis (2.14) e o Nunc dimittis (2.29-32). O primeiro canto é o de Maria e está baseado no cântico de Ana (1 Sm 2.1-10). Além de alusões veterotestamentárias, esses cantos mostram analogia com os textos litúrgicos de Cumran. O Magnificat e o Benedictus são exemplos retirados da linguagem profética do AT e das Dezoito Bênçãos (Shemoneh Esreh) usadas no Templo, mas refletem a piedade e a devoção da mais antiga comunidade cristã na Palestina. O Gloria in excelsis tem caráter doxológico.

Os hinos a Deus diferem dos fragmentos de louvor por sua extensão maior e dos cristológicos pela referência indireta a Cristo.

Os hinos cristológicos são considerados uma das grandes contribuições feitas ao cristianismo pelos gentios convertidos, influenciados pelo pensamento do mundo helênico, que viam em Jesus Cristo o redentor descido do céu e ascendido a ele.

Dentre o material legado pela tradição judaica, destacam-se os salmos: “The words in 1 Co xiv. 26 […] are sufficient to show that in the Gentile churches the liturgical use of psalms was customary from the beginning; and this can only have been adopted from the Jewish Church”. Esses salmos podiam ser apresentados de quatro formas: a) em solo, com a participação do chazan; em resposta ao solo, a congregação (ou mais tarde, o coro) agregaria os améns, aleluias e outras pequenas aclamações; b) o salmo em acróstico, cujos versos vêm em ordem alfabética; c) o salmo com refrão; d) o salmo Aleluia, que começa ou termina com esse vocábulo: “(…) psalmody was the greatest legacy of the Synagogue to Jewish Christianity, and thence to the Gentile Church”.

O historiador Patrick classificou os hinos do NT em apenas duas categorias: a) os doutrinários ou litúrgicos; b) os doxológicos, esses retirados do Livro do Apocalipse. Os cantos de natureza doutrinária foram necessários uma vez que grande parte dos que freqüentavam as primeiras congregações cristãs era gente não letrada. Havia, portanto, uma necessidade premente de que a nova fé fosse expressa através de credos e/ou fórmulas fixas, que pudessem ser usados tanto nas reuniões coletivas quanto nas devoções particulares. Essas fórmulas padronizadas ajudariam na memorização dos conteúdos e facilitariam a confirmação da fé cristã.

2.3.3 – Fatores que modificaram a tradição dos cantos

Embora a comunidade cristã se congregasse regularmente, ocorreu grande mudança em relação ao conceito de “culto” para esses neocristãos: ele agora seria “espiritualizado” e não mais delimitado pelos átrios sinagogais ou do Templo. O episódio do encontro de Jesus e a mulher samaritana explicita a nova nuança dessa concepção, enfocando uma adoração “em espírito e em verdade”. O Cristo morto e ressurreto inaugura uma nova fase, exigindo que seus adoradores o adorem através de uma vida de obediência aos seus ensinamentos. A metáfora do apóstolo Paulo para “templo” é exposta claramente em 1 Co 3.16-17: os conversos são o templo onde o Espírito de Deus faz morada. Esse deve ser o novo foco da igreja recém implantada: “It repudiated all empty externals of liturgy and demanded in their place an inner worship of God by the human spirit”. Humberto Porto também abordou essa espiritualização do culto da seguinte forma:

A grande diferença que permeia entre o culto cristão e o culto judaico provém do fato de os cristãos prestarem a Deus, pela própria vivência do cristianismo, o culto espiritual, que lhe agrada e substitui os antigos sacrifícios materiais (…). Estamos diante de uma característica típica do culto dos novos tempos.

A narrativa de Lucas, em Atos 2.42, a respeito de como agiam os novos convertidos ao cristianismo dá destaque a quatro práticas: a doutrina dos apóstolos, a comunhão, o partir do pão e as orações. No desenrolar da narrativa, a comunhão é descrita detalhadamente. O historiador enfatiza o forte espírito comunitário que passou a caracterizar os cristãos:

Todos os que creram estavam juntos, e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa, e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.

À piedade individual somava-se agora a koinonia, justificada depois de Pentecostes, acontecimento que reformularia a vida da igreja. A partir da descida do Espírito Santo, a igreja não só passou a falar em línguas como iniciou uma trajetória com ênfase na comunhão. Esse mesmo espírito ainda reinava quando o apóstolo Paulo, algum tempo depois, aconselhando os cristãos de Éfeso e de Colossos a adotarem um comportamento sábio, exorta-os para que, através do canto, procurassem “instruir-se e aconselhar-se mutuamente”:

(…) the author of these messages saw the song of the gathered company of Christians as a symbol of the unity in brotherly love and in resistance to the debased standards of the world for which they should look and which was promised to them in the ascension of Christ (Eph. 4:9).

Na sugestão deixada nessas duas passagens bíblicas (Ef 5.19 e Cl 3.16) sobre que canto os cristãos deveriam usar em suas reuniões, o apóstolo lembra-se dos salmos, que representavam aquilo que os judeus haviam herdado, mas ainda refere-se aos hinos e cânticos espirituais, as novidades trazidas para o culto cristão em razão de suas mudanças internas e interferências externas. Entre essas interferências, citem-se os usos e costumes dos gentios que se convertiam ao cristianismo, sobretudo dos gregos e romanos. A contribuição do mundo grego, cujo império estava-se expandindo para além de seu território nacional desde as conquistas de Alexandre, o Grande, iniciadas mais de 300 anos a.C., era mais sentida no âmbito cultural, tanto que, por três séculos, o grego foi a língua usada em toda parte e até mesmo em Roma. O cristianismo floresceu, sendo Roma o centro político e administrativo. Os governadores romanos toleravam as novas religiões desde que elas não lhes tirassem a paz. Para Wegman, o cristianismo pôde desenvolver-se mais livremente por estar conectado, de certa maneira, com a religião judaica. Essas interferências ocorreram e foram redefinidas à luz do Evangelho:

Texts were borrowed and adapted, the nature of public reading was redefined in terms of Gospel and Epistle, and the traditional patterns of Jewish chants – already under the influence of hellenism – were increasingly influenced by the musical traditions of Gentile believers.

Com as Guerras Púnicas, Roma estabeleceu o seu império, modificando a noção grega que dava grande dignidade à música por um elemento frívolo, denominado por Routley como “divertimento”. “(…) it is vital (…) to see Christian thought in the light of Greek thought and Christian action in the context of Roman society”. Uma forte influência do mundo greco-romano sobre a música encontra-se na poesia, que pode ser verificada no discurso de Paulo em Atenas, e nos termos novos, os quais serviam para denominar os conceitos cristãos recém implantados: “The emergence of new hybrids, like ‘Phos Hilaron’, undoubtedly stretched the musical vocabulary of the early Christian community”.

Outros povos e culturas também deixaram algum legado para os cristãos. A forma de apresentação dos Salmos em acrósticos procede da Babilônia; o Nunc dimittis e a canção de Ef 5.14: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará” contêm traços do aramaico. O grego koiné, falado pelo povo e distinto do grego clássico, que era mais formal, foi a língua em que o NT foi escrito e a usada na pregação do evangelho nos primeiros tempos. Aos poucos, entretanto, por influência do norte da África, o latim começou a ser falado no meio cristão, passando a ser aceito tanto no Oriente quanto no Ocidente. Com o passar do tempo, o latim clássico foi-se tornando a língua específica de uma elite e um novo latim, mais flexível e menos literário, foi ganhando espaço entre o povo. Gradualmente ambas as línguas, o grego e o latim, foram introduzindo um ritmo que valorizava o acento. Essa maneira nova de falar logo teve conseqüências para a música. Passou-se a admitir uma sílaba mais forte que as outras, à qual se destinava um som mais agudo. Esse procedimento oportunizava que a palavra adquirisse uma leve tendência melódica. O cursus foi o sistema que regulava o ritmo das palavras no final das frases, de maneira que essa terminação soasse bem, com um acento rítmico maior na penúltima sílaba da frase. A partir do final do século III o latim foi o elemento que emprestou homogeneidade ao canto cristão e do século IV ao VII d.C. reinou como língua oficial da liturgia cristã.

Surgiram novas características quanto ao local do culto cristão. Embora os judeus convertidos continuassem a ir à sinagoga e ao Templo, um novo local de reunião congregava os cristãos: eram as casas dos crentes que se abriam para isso, originando uma reunião informal. Essas reuniões davam ênfase às orações, mas também havia aquelas destinadas ao “partir do pão”, realizadas no primeiro dia da semana. Essas reuniões são herança da tradição da sinagoga, e não tanto daquela do templo: era nas sinagogas que os judeus se reuniam principalmente para as refeições em conjunto, em torno de um rabi ou de um professor; ainda existiam reuniões realizadas em família, como as que até hoje sobrevivem nas casas judaicas, especialmente ao iniciar do sábado (o que acontece na noite de sexta-feira) ou nas comemorações da Festa da Páscoa. Esse novo ambiente informal acolheu com maior aquiescência expressões livres e espontâneas, que deram ensejo ao florescimento de um canto com essas mesmas características de liberdade. Ao analisarem o NT como tradição e tradição reinterpretada, Norman Perrin e Dennis C. Duling destacaram o aspecto dinâmico desse início do cristianismo: “These Christians did not simply depend on their traditions for guidance, but rather interpreted those traditions to give them new meaning in light of their experience as Christians in the world and the expectations they were developing”. Esse dinamismo também foi conseqüência dos fatos ocorridos no dia de Pentecostes e que causaram perplexidade, conforme relato de Lucas. A glossolalia permitiu a participação espontânea dos cristãos no culto.

Uma vez que o culto sofreu tão radical transformação em seu âmago, como avaliar a música que ora teria de ser executada? Por quais mudanças esse canto teria de passar a fim de se adequar às novas exigências contextuais? Como transmitir o novo conteúdo temático?

Os antigos padrões não eram mais suficientes para expressar o novo sentimento que dominava os primeiros cristãos: “New conduits had to be created. A new song had to be found to give adequate utterance to the new experience. There is never a new birth of the spirit that is not followed by a great outburst of singing”. Além de fazerem brotar cantos mais descompromissados com a tradição dos salmos, esses fatos modificaram os conteúdos dos cantos. A tradição foi reinterpretada, porque passou-se a introduzir nos salmos e nas cantilenas do AT, que eram cantados segundo os parâmetros da tradição judaica, os novos temas cristológicos. Os conteúdos sobre a vida, a morte e a ressurreição de Cristo teriam de ser incluídos nas novas composições e adaptados nas antigas. Os hinos, segundo as categorias de Foley, seriam os “hinos a Deus” e os “hinos cristológicos”, com métrica irregular, construídos a partir do modelo dos salmos davídicos.

O aspecto mais enfático referente às mudanças ocorridas com o caráter de espontaneidade que o culto cristão adquiriu, decorrente da informalidade das reuniões de culto. Além disso, o fato de a congregação abrigar pessoas de origens étnicas diversas permitiu a introdução de práticas musicais diferentes daquelas legadas pelos judeus:

While Judaism provided the models for the development of hymnodic psalmody in emerging Christianity, it was the classical poetry of the greco-roman world that provided models for the emergence of metrical hymnody. Here the central organizing principle was meter which, although present in biblical poetry and later written in imitation of biblical poetry, was not their basic organizing principle.

A ausência de instrumentos musicais no culto é justificada porque a partir desse momento o culto centrava-se mais na exposição da Palavra, sendo a música vocal mais importante do que a instrumental. O zelo dos novos conversos pela “doutrina dos apóstolos” também legitimava afastar de seu meio aquilo que era praticado nos ambientes pagãos. Embora representasse um retrocesso, o banimento dos instrumentos musicais do culto cristão, na época bastante usados nas festas pagãs, era uma forma de expressar este zelo. Os únicos registros do NT sobre instrumentos musicais restringem-se aos do Apocalipse. Na sua narrativa em Ap 5.8-9, João fala de um “novo cântico”, acompanhado pela cítara. A cítara representava “a comunhão das almas” e era aceita junto com a lira nas reuniões de “ágape” das primeiras comunidades cristãs.

A contemporaneidade da música, portanto, ocorria com a inclusão dos “hinos e cânticos espirituais”. Originariamente os hinos eram os cantos entoados em honra a algum deus ou herói. Aqui, hinos são os cantos que foram “cristianizados”, como os citados por Lucas no seu Evangelho e em alguns trechos de algumas epístolas. Plínio, ao descrever o resultado de sua pesquisa sobre os usos e costumes dos primeiros cristãos nas suas Cartas X.96, assim se expressou: “(…) acostumados a se reunirem em um dia determinado, antes do irromper do dia, a fim de cantarem um hino [grifo da autora], como uma antífona, a Cristo, como se este fosse uma divindade”. Os salmos não-bíblicos, denominados psalmi idiotici, também encontram-se nessa categoria: “Eran composiciones de cristianos, al estilo de los salmos, y por eso podían ser cantados como salmos. El ejemplo más antiguo son las Odas de Salomón, escritas en el segundo siglo”. Também dentro da categoria “hinos” podem ser arrolados os cantos em que os cristãos podiam proclamar sua fé, os denominados “doutrinários”, alguns escritos na forma de poemas métricos, por influência grega, com estrofes e versos, o que permitia que fossem cantados sempre da mesma forma como a primeira estrofe era apresentada.

Os cantos de caráter espontâneo são os cânticos espirituais, surgidos “(…) in moments of spontaneous worship in the power of God the Holy Spirit”, de natureza extática. Esses cantos seriam os da “tradição profética”, cujo exemplo no NT é retirado do apóstolo Paulo, em Ef 5.19: “Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais: cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração”, repetido em Cl 3.16. Nessas passagens bíblicas, o apóstolo sugeria o uso da tradição litúrgica (aqui expressa pela continuação dos salmos), mas, ao mesmo tempo, incentivava a expressão mais atual, através dos novos hinos e cânticos espirituais, categorias que abarcavam tanto os que falavam a respeito do Cristo ressurreto, mesmo usando formas antigas, quanto os improvisados, de caráter extático, que traduziam a “tradição profética”. Não se pode descartar a grande influência de glossolalia que o evento histórico de Pentecostes introduziu no cristianismo, o que também deve ter impulsionado o canto a uma manifestação similar, através do uso de expressões livres e espontâneas, tanto no conteúdo quanto na forma de composição musical. As novas ênfases na espiritualização do culto e na comunhão entre irmãos permitiram que a música tomasse um novo rumo. Outros fatores que favoreceram o surgimento de um novo gênero de música de caráter improvisatório acentuado podem ser creditados aos limites impostos pelo novo local de culto (as casas) e ainda às influências político-sociais que gregos e romanos exerciam sobre a nova comunidade cristã, bem como às introduzidas na cultura local, como a poesia não-métrica, a qual serviria para a composição de hinos para a liturgia.

A ideia de que o modelo de culto a ser seguido deve ser o do NT remonta a Martinho Lutero. A explicação está baseada na diferença que há entre o AT e o NT: no primeiro, a lei de Deus é que tem valor; no segundo, é a graça de Deus. Por causa dessa graça divina, há liberdade de expressão:

Ele distingue também esse testamento dos demais, e diz que é um novo, eterno testamento, em seu próprio sangue, para o perdão dos pecados, revogando, com isso, o antigo testamento. Pois a palavrinha “novo” torna o testamento de Moisés velho e inapto, de modo que doravante não vale mais. O antigo testamento foi uma promessa feita através de Moisés para o povo de Israel, ao qual foi prometida a terra de Canaã; por isso Deus não morreu, mas o cordeiro pascal teve que morrer em lugar e como figura de Cristo.

Por essa razão é que os cristãos, já nos primórdios do cristianismo, eram incentivados a se expressarem usando o que havia sido legado por seus antecedentes judeus concomitantemente com as manifestações contemporâneas de espontaneidade e com novos conteúdos. As duas tendências coexistiam lado a lado. Ao registrar a tendência, que sempre existiu, a seguir linhas aparentemente antagônicas e até mesmo excludentes, Routley assim se expressou: “A living faith in any religious community depends on the creative collision of apparently opposing forces”.

2.4 – A tensão entre tradição e contemporaneidade na perspectiva dos pais da igreja

2.4.1 – Aspectos históricos e a divisão do período patrístico

Foi nos três primeiros séculos da era cristã que o culto cristão ganhou uma ordenação quanto à sua forma e ao seu conteúdo, o que pode ser atestado pela documentação desse período. Vários centros litúrgicos apareceram, e os mais importantes fixaram-se nas cidades de Antioquia, Alexandria e Roma. Logo a igreja cristã foi dividida em igreja do Ocidente e igreja do Oriente, a primeira com sede em Roma e a segunda em Constantinopla. Com o “Edito de Milão” do imperador Constantino, em 313 a.C., teve início um novo período na história da igreja, em que ela e o estado se aliaram, permitindo a liberdade de expressão da religião cristã, abolindo as práticas pagãs e fazendo dos clérigos os governantes. A partir dessa fase, iniciaram-se os debates acerca de vários aspectos da doutrina cristã. Foi também quando irrompeu o monasticismo: seus adeptos desligavam-se de tudo o que pudesse afastá-los de se focalizarem num discipulado rigoroso; sua meta era imitar o Mestre, por isso refugiavam-se em lugares específicos, separados do mundo:

Time was filled with prayer; worship became endless. The monk was solitary: he lived in celibacy and retreated into solitude (Syria). His life was austere, in some sense even dualistic, that is, suspended as it were between this world and the next.

Deve-se a eles a tradição das Laudes e Vesperas, duas das Horas Canônicas que foram completamente instituídas em torno do século V.

Os primeiros que receberam o título de “pais da igreja” foram aqueles que participaram do concílio de Nicéia em 325 d.C., mas o termo foi estendido posteriormente por Vicente de Lérino a todo que “ensinou na unidade da fé e da comunhão eclesiástica”. Estavam, portanto, excluídos autores que escreviam tratados eclesiásticos, porém não ortodoxos. Foi Melchor Cano, teólogo dominicano do século XVI, quem fixou os critérios que definiam os que poderiam receber a titulação “pai”. Esses seriam os que tivessem as seguintes características: a) ortodoxia doutrinária; b) santidade de vida; c) reconhecimento ao menos indireto por parte da igreja; d) antigüidade.

A época patrística costuma ser dividida em três períodos. O primeiro período abrange desde as origens até o Concílio de Nicéia, ocorrido em 325 d.C. Nessa fase estão inseridos aqueles que tiveram relações mais ou menos diretas com os apóstolos e por isso são denominados “pais apostólicos”. Incluem-se nessa classificação: Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna e O Pastor de Hermas. Ainda são relacionados os que escreveram obras em defesa do cristianismo, como Justino, Atenágoras e Irineu, e aqueles que redigiram os primeiros documentos de cunho doutrinário, como Orígenes, Tertuliano e Hipólito. É dessa primeira fase o escrito conhecido por Didaqué.

A segunda fase é também denominada de “a fase áurea”, porque nela estão situados os principais autores, como Atanásio, Hilário de Poitiers e Agostinho, que redigiram as obras doutrinárias mais importantes. Ela vai do Concílio de Nicéia até o Concílio de Calcedônia, ocorrido em 451 d.C. .

A terceira fase, também conhecida como “período de declínio”, abarca os séculos VII e VIII. Isidoro de Sevilha (560-636) e S. João Damasceno (675-749) estabelecem os marcos finais para os pais da igreja: o primeiro para a igreja do Ocidente, o segundo para a do Oriente. A figura de grande expressão para a música sacra desse período é S. Gregório Magno (590-604).

2.4.2 – A tensão entre a tradição e contemporaneidade na época patrística

Na época patrística, as obras que mencionam a música ou mostravam-se adeptas do uso tradicional da música, ou formulavam elogios à música, ou podiam protestar contra o seu mau uso.

As experiências pelas quais a nova igreja passava durante esse período de implantação levaram-na a substituir a improvisação por algo mais estruturado: “The early pentecostal enthusiasm gave place gradually, as was inevitable, to ecclesiastical planning and polity; experience was crystallized in doctrine; minds were sharpened by controversy, and spirits refined by persecution”.

As práticas rotineiras continuavam a ser usadas convencionalmente, segundo o que ditava a tradição dos judeus. A tradição foi tão bem preservada que, no século II, Ignácio de Antioquia introduziu o canto antifonal em sua cidade, movido por uma visão em que o canto dos anjos era feito utilizando esse recurso técnico. Segundo Foley, embora os salmos fossem entoados nas reuniões cristãs dos séculos III e IV, não há documentação que possa comprovar seu uso nos primórdios, a não ser a partir do ano 200 d.C. Para esse pesquisador, o que ocorreu naquele período eram as novas composições no estilo dos salmos, reinterpretadas cristologicamente. Quanto aos pais pós-nicenos, numerosas citações provam a difusão dos salmos, sendo considerados “(…) to be of the utmost value and importance for religious edification and spiritual development”. O salmos continuavam a representar o que havia de mais tradicional no canto cristão. S. Basílio considerou os salmos um recurso poderoso para o ensino da fé cristã: “(…) the psalms are provided with melodies to attract children and youths to the end that their souls and minds may be enlightened while, as they think, they are surrendering themselves to the pleasures of music”.

Os pais da igreja faziam distinção entre “salmos, hinos e cânticos espirituais”. Dídimo e João Crisóstomo colocaram os hinos num plano superior aos salmos. Os salmos seriam os cantos para o uso diário, para serem cantados nas tarefas diversificadas que as pessoas desempenhavam no dia-a-dia. Para entoá-los, não necessitariam de estudo musical nem de acompanhamento instrumental. Os pais deram muito valor ao canto dos salmos porque continham muitas canções de penitência e esse era um assunto muito valorizado por eles. Outros ainda preferiam os salmos aos hinos, porque as facções heréticas utilizavam hinos para difundir suas ideias. Os hinos, por sua vez, seriam para os homens santos e os anjos. João Crisóstomo atribuiu a fuga de Paulo e Silas da prisão, relatada nos Atos dos Apóstolos, ao poder miraculoso dos hinos que entoaram.

A tensão entre tradição e contemporaneidade fica patenteada em relação à atitude tomada quanto a se adotar ou não as mesmas características musicais dos cantos profanos na música da igreja. Os defensores da tradição agarraram-se às composições do estilo antigo porque eram contrários a tudo o que lembrasse os usos e formas musicais do mundo pagão. Eusébio, em sua História Eclesiástica, registrou o episódio em que Paulo de Samósata foi acusado de ter suprimido os hinos a Jesus Cristo, pois eram compostos por autores modernos: “(…) he stopped the psalms that were sung in honour of our Lord Jesus Christ, as the late compositions of modern men, but in honour of himself he had prepared women to sing at the great festival in the midst of the church, which one must shudder to hear”. No grupo dos que escreveram sobre o mau uso da música, encontra-se um dos mais ferrenhos opositores da música secular: João Crisóstomo (354-407 d.C.), que via nesse tipo de música um veículo de degradação. Ele não se cansava de exortar os cristãos a se afastarem dela. As condições de decadência do império romano refletiam-se na música que era apresentada nos lugares públicos, como os teatros da época. João Crisóstomo considerava esse tipo de música lascivo e decadente, impróprio para os cristãos:

How many words have we spent in admonishing this idle multitude and advising them to avoid the theatres and the licence that they generate? But they have not abstained; on the contrary, up to this very day they have continued to run after dancing-shows, choosing the devil’s conversation rather than that which stands in the fulness of God’s Church. So the clamour of the theatres has drowned the psalmody of the Church(…).

A postura de João Crisóstomo, excluindo da vida litúrgica o estilo musical que era usado pelos cidadãos nos teatros, mostra com clareza que era contrário ao estilo contemporâneo da época. Ele associava esse estilo musical ao tipo de vida que as pessoas que o utilizavam levavam. Uma vez que considerava esse gênero de vida impróprio para os cristãos, julgava a música dessa gente também imprópria para o uso na igreja.

Uma das técnicas literárias empregadas era o uso da linguagem poética através das alegorias. Traços de contemporaneidade foram adicionados à tradição quando os pais começaram a reescrever os salmos usando alegorias: “Such a method of exposition will seem naive to the reader who has the heritage of rational criticism and ‘spiritual’ interpretation, but in the primitive church it was considered the only legitimate method”. Técnica semelhante foi destinada aos instrumentos musicais, os quais recebiam significados simbólicos.

Alguns, entretanto, que compunham novos hinos, achavam que esse mesmo estilo “pagão” (como o de procedência grega, por exemplo) seria muito adequado para ser utilizado também por eles. Esses novos cantos assim compostos serviriam para guardar a fé cristã das ameaças heréticas que rondavam o cristianismo, como foi o caso do gnosticismo, que acabou por ser conhecido como “a heresia”. Esses tempos de perseguição eram também de controvérsias e os hinos serviam para sedimentar as doutrinas cristãs. Millar Patrick considerou esses hinos como “bandeiras” que ajudaram a confirmar os credos.

S. Gregório de Nazianzo (329-389 d.C.), em Constantinopla, e Hilário de Poitiers (310-368 d.C.) também compuseram hinos para combater o arianismo. Hilário de Poitiers ficou conhecido como “Malleus Arianorum”, o martelo do arianismo, tendo sido denominado por Agostinho de “o ilustre doutor de todas as igrejas”. Embora tenha recebido essas honrarias, seus hinos não foram populares; foram mais usados privadamente.

S. Ambrósio (333-397 d.C.) também foi levado a escrever os seus hinos em virtude das ameaças arianistas da imperatriz Justina. Ele usou melodias populares de sua época quando teve de defender a basílica das mãos dos fanáticos arianos. Nas suas Confissões, Agostinho narra com detalhes esse episódio vivido por sua mãe e diz ter sido nessa ocasião que o costume de cantar foi introduzido no Ocidente: “Foi então que se estabeleceu o costume de cantar hinos e salmos, como se faz no Oriente, para que o povo não se consumisse de tédio e tristeza”. Ambrósio foi quem popularizou a hinodia no Ocidente, sendo o autor de alguns hinos:

The music of Ambrose, however, was what most captured the people’s favor. Before his time the heretics had a monopoly of pleasing tunes. He was among the first to act upon the principle that it is not good policy to leave to the antichristian forces what the people most love to sing. He introduced a simple, sweet, melodious yet devout type of congregational song, which at once made his hymns popular.

O chamado canto ambrosiano obteve essa designação por causa de Ambrósio, mas só foi fixado tempos depois. As características do canto ambrosiano podem ser assim resumidas: têm textos bíblicos, especialmente salmos, são em latim e as melodias foram adaptadas dos cantos populares italianos. Seus hinos permaneceram em voga até serem substituídos pelas melodias banais do teatro e até que o canto congregacional fosse suprimido da liturgia. Ambrósio figura no grupo dos que alertavam acerca do uso indevido da música. Chegou a considerar a flauta “(…) the most pernicious of musical instruments”, porque estava intimamente associada aos entretenimentos pagãos da época: “(…) this prejudice against instrumental music (…) was fortified by the associations of instruments with superstitious pagan rites, especially with the corrupting scenes habitually represented in the degenerate theatre and circus”. Ao mesmo tempo em que admitia um estilo mais popular para seus hinos, opunha-se categoricamente a que se usassem os instrumentos musicais que os pagãos utilizavam em suas festas. A avaliação estética e ética dessa época da história baseava-se no etos que a melodia poderia produzir, concepção bastante antiga, mas agora endossada pelo pensamento dos filósofos gregos helenísticos. Uma vez que a conotação desse etosera aplicada à música dos cultos de mistério da Ásia e da Grécia e ainda por causa de temer que pudessem estar regressando a um estágio “judaizante”, usando modelos que vinham do ritual de sacrifício do Templo, os pais da igreja condenaram o uso de instrumentos musicais nos cultos cristãos. Ambrósio, com essa atitude, definiu com nitidez que era possível conciliar a tradição e a contemporaneidade nos cultos. Ao preferir a música a capela e ao proibir determinados instrumentos, optava pela tradição. Por outro lado, ao entender que as doutrinas cristãs autênticas seriam melhor difundidas através de cantos de cunho popular, que usavam os mesmos recursos musicais da cultura ao seu redor, tendia para um estilo mais contemporâneo.

Outra finalidade dos hinos “modernos” era combater os hinos dedicados aos deuses pagãos. Usava-se a mesma linguagem musical do mundo “profano” nos hinos que iriam atacar as doutrinas contrárias ao cristianismo. Esse nivelamento com o estilo usado pela cultura e sociedade não-sacras foi considerado por Chupungco como uma solução positiva.

Os cristãos dessa época deram grande destaque à unidade divina e à comunhão das almas, rejeitando tudo o que pudesse significar dualidade. No caso da música, recusaram a polifonia:

With the understanding that unity and harmony stood in opposition to duality and disharmony the primitive Church rejected all heterophony and polyphony. The greatest possible harmony was pursued as the musical expression of the union of the souls and of the community, as it prevailed in the early Christian liturgy. (…) Thus the ideal of early Christian singing was unity or monophony.

O aspecto da comunhão, ou koinonia, enfatizado pelos próprios apóstolos em suas primeiras reuniões cristãs, foi também valorizado nos escritos de alguns pais da igreja. Clemente de Alexandria afirmou que através do canto a uma só voz a comunidade se tornava a imagem da unidade e da harmonia entre todos os crentes. Orígenes, na sua obra Contra Celsum, exortou

os cristãos a cantarem salmos nas suas reuniões privadas para as refeições em conjunto, ocasião em que o canto acentuava o espírito de koinonia:

(…) los griegos oran a Dios in griego, y los romanos en latín, y así, por el estilo, cada uno en su propia lengua, como si fuera, por decirlo así, una sola voz, que es lo que cada lengua significa y se expressa por los varios modos de hablar.

Esse mesmo espírito de união foi lembrado na carta que Atanásio escreveu a Constâncio, em que se defendia perante o imperador, por ter sido acusado de usar o templo em Alexandria, que ainda não havia sido inaugurado:

Should they meet together in parts and separate companies, with danger from the crowded state of the congregation? or [sic], when there was now a place that would contain them all, should they assemble in it, and speak as with one and the same voice in perfect harmony. This was the better course, for this shewed the unanimity of the multitude: in this way God will readily hear prayer. For if, according to the promise of our Saviour Himself, where two shall agree together as touching anything that they ask, it shall be done for them, how shall it be when so great an assembly of people with one voice utter their Amen to God?

Outros que se expressaram a favor do canto a una voce dicentes foram: Ambrósio, na obra Enarratio in Ps. 1; Basílio de Cesaréia, na sua Homilia in Ps. 1, 2, e Cipriano de Antioquia na Confessio Cypriani 17 . Foi Ambrósio, comentando o Salmo 1, na sua Enarratio 9, que destacou o valor da salmodia como propulsora da unidade entre os crentes: “Psalmody unites those who disagree, makes friends of those at odds, brings together those who are out of charity with one another […]. The singing of praise is the very bond of unity (…)”.

Era tão acentuado o espírito de união, que alguns pais julgavam que o canto da terra deveria estar unido ao dos anjos no céu. De certa maneira, essa ideia vinha mesclada com os conceitos de Pitágoras a respeito da “harmonia das esferas”. Tome-se como exemplo Orígenes na sua obra Contra Celsum 8: “We sing hymns only to god the Lord and to his only-begotten Son, just as do the sun, the moon, the stars and the whole heavenly array”.

Pertencendo também ao grupo dos que escrevem advertindo acerca do perigo do mau uso da música encontra-se Santo Agostinho (354-430 d.C.), considerado “o mais profundo filósofo da era patrística e um dos maiores gênios teológicos de todos os tempos”. Para ele, o significado de “música” ficou registrado com rigor na sua obra De Musica:

(…) for Augustine in this context “music” means something more fundamental and generic than the term means in ordinary modern speech. Its connotation throughout this work is the art of significantly using sounds as opposed to words, and what he says applies equally to poetry and to music in the normal sense.

No sexto livro de De Musica, Agostinho diz que o objetivo da obra é passar gradualmente da devoção à arte para a devoção a Deus. Entre os diversos elementos levantados por Routley como sendo importantes nessa obra, registre-se o fato de esse estudioso admitir ser essa a mais completa síntese de música e teologia existente. Há, nas Confissões de Agostinho, um capítulo dedicado aos “Prazeres do Ouvido”, onde ele expressa o valor do canto sacro:

Contudo, quando me vêm à lembrança as lágrimas que derramei ao ouvir os cantos de tua Igreja, nos primeiros dias de minha conversão, e quando ainda agora me comovo, não com o canto, mas com as palavras cantadas, quando o fazem com voz clara e modulações apropriadas, reconheço novamente a grande utilidade dessa instituição.

Nessa passagem, Agostinho demonstra hesitar entre aprovar ou não o canto na igreja. Embora acabe por reconhecer o grande valor do canto sacro, teme que o poder da música em ativar as emoções possa confundir as mentes cristãs, embotando-lhes a razão. Considerava a música um fenômeno metafísico e ao mesmo tempo cria que só o cristão verdadeiramente teria condições de avaliar o conteúdo “moral” da música, para determinar seus bons e maus aspectos. Ressalte-se que, embora Routley tenha reconhecido o alto valor da obra De Musica, as questões que mais dizem respeito a essa obra ficam no âmbito da psicologia e da filosofia, razão por que se considera que a mais significativa contribuição do pensamento de Agostinho sobre música sacra encontra-se nas páginas de As Confissões:

St. Augustine (…), author of the Confessions and the important De Civitate Dei, has left us a treatise De Musica, but it is devoted largely to meter, versification, eternal and spiritual numbers, etc., rather than to music as we understand it. The last portion, however, is remarkable as an early effort in the psychology of music.

Quanto à forma de cantar, no final do século IV havia três possibilidades de apresentação dos cantos: Cantus Responsorius, Cantus Antiphonarius e hinos métricos. Os dois primeiros tipos representavam a tradição. O Cantus Responsorius foi herança dos cantos melismáticos dos judeus. Consistia no canto feito por um solista versado na arte dos ornamentos musicais típicos das cantilenas judaicas, o qual era repetido pela congregação com um refrão, ou com um Amém ou Aleluia. O Cantus Antiphonarius foi primeiramente usado por meninos e homens, que cantavam em oitavas, de forma antifonal. Prestou-se muito bem aos salmos e foi largamente usado pelos monges, que o modificaram com o passar dos anos. Credita-se a Ambrósio a forma como esse tipo de canto chegou até os dias atuais. Os hinos métricos eram os trazidos pelos gregos, mais tarde substituídos pelo ritmo da língua latina.

Entende-se que à medida que a liturgia foi sendo fixada, as participações coletivas também perderam um pouco da espontaneidade, aquela descrita para os “cânticos espirituais”. Prova disso é que os pais da igreja falam majoritariamente de salmos e hinos.

2.5 – Conclusão

Vários fatores foram responsáveis por provocar a tensão entre tradição e contemporaneidade nos primeiros anos da era cristã. A nova igreja herdou uma tradição dos judeus, expressa no canto dos salmos. Mas, porque sofreu influências, a igreja acabou por admitir práticas musicais distintas da tradição. Como fatores causadores dessa modificação no período da história narrada no NT listam-se: a influência dos gentios que se converteram; mudança do local de reunião; um novo caráter espiritualizado para o culto; ênfase na pregação da Palavra, na Eucaristia e na comunhão; o falar em línguas; zelo pela doutrina cristã.

A herança deixada pelos judeus para a comunidade cristã dos primeiros tempos foi de dois tipos: uma tradição “litúrgica”, legada pelo Templo, e outra “profética”, oriunda da sinagoga. Porque os judeus que freqüentavam as novas comunidades cristãs vinham, na maioria, de centros pequenos, onde só havia a sinagoga, a tradição que mais se arraigou no cristianismo foi a “profética”, marcada por uma maior naturalidade na participação dos fiéis. Essa espontaneidade ficou registrada nos livros neotestamentários através de vocábulos das línguas hebraica e aramaica aproveitados em fragmentos doxológicos e em orações. Alguns hinos e expressões proféticas do AT serviram ainda como modelos para os chamados “cânticos infantis”, encontrados na narrativa de Lucas.

A primeira comunidade cristã achava-se inserida num contexto sócio-político-cultural gerido por gregos e romanos, os quais, uma vez convertidos ao cristianismo, trouxeram consigo práticas musicais diferentes daquelas conhecidas dos judeus. Por causa dessa influência de culturas distintas, a poesia foi modificada, passando a adotar o sistema métrico grego, em que o texto aparecia medido em estrofes. Naturalmente isso foi passado para os hinos. O surgimento de novos temas sobre a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo permitiu a introdução de termos gregos e latinos. Alguns salmos foram adaptados, mas também surgiu outra categoria de salmo, definida como “hino”, composta para a exposição de um novo conteúdo. O poder romano fez-se sentir através da progressiva instalação da língua latina, que acabou se tornando a oficial do cristianismo, já no fim do terceiro século da era cristã. O latim só viria a desaparecer da liturgia depois da intervenção dos reformadores. A introdução de novos cantos foi feita para a contextualização da mensagem, levando-se em conta o povo que se reunia para agora celebrar a morte e a ressurreição de Jesus Cristo.

Outro fator que ajuda a moldar o estilo musical de uma comunidade tem a ver com o tipo de arquitetura. Ambientes grandes e imponentes induzem a um estilo de música similar. Não foi o caso da nova comunidade cristã, pois herdou da sinagoga o costume de uma reunião mais íntima em construções pequenas e domésticas. Além disso, o culto espiritualizado, descrito por João e embasado por Mateus, prestou-se bem a esse tipo de ambiente. A comunidade reunida nas casas dos crentes permitiu atitudes menos formais, que foram traduzidas em hinos espontâneos e na proibição do uso de instrumentos musicais no culto. Era, portanto, necessário adequar os cantos a ambientes menos formais, para assembléias informais.

Fatores que permitiram alterar o curso da música na igreja estão também relacionados com o ensino. No caso dos primeiros cristãos, eles precisavam “perseverar na doutrina dos apóstolos”. Por essa razão, nada mais sensato do que levar a igreja ao estudo das novas doutrinas cristãs, dando ênfase ao ensino da Palavra. Os novos hinos compostos embutiam em seu conteúdo as verdades da fé cristã e serviam para o ensino. Ressalte-se o fato de que a grande maioria da congregação era formada de pessoas iletradas. O NT não havia sido escrito e os pergaminhos do AT, além de não conterem a história dos últimos e importantes eventos relacionadoss a Jesus Cristo, só estavam acessíveis a uma seleta minoria de judeus. Os salmos e hinos repetidos eram meios fáceis de ensinar as verdades cristãs. A letra, com o auxílio da música, tornava-se um recurso pedagógico relevante para a disseminação do evangelho.

Um novo enfoque teológico podia ainda provocar o nascimento de uma prática musical diferente da habitual. A igreja participava corporativa e espontaneamente nos cultos, usando salmos e expressões tomadas de empréstimo da língua hebraica. Houve mesmo grande mudança no momento em que a igreja deu destaque à comunhão e à glossolalia. A própria Eucaristia, agora com significação diferente sobretudo para os judeus convertidos, permitia uma celebração mais participativa. Essa nova compreensão do ser igreja, com a valorização do relacionamento entre os irmãos, fez brotar um novo estilo musical, diferente da tradição herdada dos judeus. Os chamados “cânticos espirituais”, citados por Paulo em duas de suas cartas, assemelhavam-se ao êxtase provocado pela glossolalia e espelhavam a informalidade das reuniões cristãs. Esses cantos traduziam um novo conceito teológico provocado pela descida do Espírito Santo no dia de Pentecoste. A ênfase na koinonia resultou ainda na supressão de cantos polifônicos, que estavam associados à dualidade. Os primeiros cristãos entendiam que somente a música homofônica, ou seja, o canto a uma só voz, expressaria a unidade e a comunhão dos crentes.

Os pais da igreja lidaram com os mesmos tipos de problemas que a primeira comunidade cristã, com a diferença de que agora as questões teológicas eram debatidas acirradamente. Toda sorte de heresias rondava a igreja. Os pais viram nos cantos uma grande oportunidade para defender suas ideias e, ao mesmo tempo, instruir os cristãos.

Alguns, como Eusébio e João Crisóstomo, acharam que somente através de uma linguagem musical tradicional conseguiriam tal objetivo. Essa a razão pela qual defenderam os salmos e proibiram as melodias populares, modismo que vinha da música dos cultos místicos e pagãos. Para alguns pais, a tradição significava edificação espiritual para os crentes e boa instrução para os jovens. A tradição do canto dos salmos e dos hinos compostos em estilo salmódico cairia bem para o ensino das doutrinas, visto que seus conteúdos eram verdadeiramente bíblicos. Constata-se que mais uma vez o canto serviu como ferramenta auxiliar relevante do ensino cristão.

Diante das influências externas, provenientes dos ambientes profanos, como reagiram os pais da igreja? A posição dos pais diante das melodias populares aplicadas ao canto sacro foi contraditória. Enquanto uns proibiam o seu uso, outros o aprovavam. Os que proibiam essas melodias populares associavam-nas com o tipo de vida degradante que as pessoas dos teatros levavam. Já outros, como S. Efrém, julgavam-nas úteis para a difusão do evangelho, pois usavam a mesma linguagem entendida por toda a sociedade da época. A tensão entre tradição e contemporaneidade nesse caso foi traduzida em termos da oposição entre sacro e profano. Os defensores da tradição entenderam que as melodias populares possuíam um etosnão-sacro e por isso estavam banidas de seus cultos. Os defensores de uma contextualização viram nessas melodias um meio saudável de propagar o cristianismo. Ambrósio é exemplo de que melodias populares e atuais podem ajudar a defender a fé diante de ameaças heréticas e até, pela emoção que carregam, atingir profundamente a alma humana, fato que marcou profundamente Agostinho.

Outro fator que impelia a música a uma determinada direção pode-se creditar à influência dos líderes. Observe-se o caso das melodias populares: elas foram utilizadas por alguns e proibidas por outros. Os que as coibiram viram-nas associadas a elementos não sacros. Os que a usaram, destacaram seu aspecto positivo, de linguagem contemporânea aceita pelo povo. Essas atitudes, muitas vezes determinadas autoritariamente, levam a autora a achar que o poder de influência dos líderes é muito grande. Um líder pode mudar o curso de um estilo musical de toda uma comunidade, destacando certos aspectos e negando outros. A atitude que os pais da igreja tiveram, por exemplo, ao proibir o uso dos instrumentos musicais no culto cristão, revela que a tensão entre tradição e contemporaneidade ocasionou a manutenção do que era familiar e tradicional. Zelosos em revelar uma conduta diferente daquela da sociedade ao redor, os pais vetaram os instrumentos musicais no culto. Achavam que o uso dos meios modernos de que dispunham traria uma imagem negativa à igreja.

No que diz respeito à alternativa entre usar elementos novos ou permanecer com os da tradição, constata-se que os pais da igreja ativeram-se muito mais à tradição musical: permaneceram com o uso dos salmos e hinos, proibiram os instrumentos musicais no culto e a maioria vetou o uso de melodias procedentes do meio profano para o canto cristão. Essa atitude de observância da tradição veio preparar o ambiente para o fato que estava por acontecer na Idade Média, ou seja, a liturgia transformar-se-ia em atitude clerical e excluiria a participação ativa dos leigos. Os pais prepararam o caminho da profissionalização da música através de uma atitude de negação das manisfestações populares no culto cristão.

Mediante aquilo que foi visto anteriormente, pode-se resumir dizendo que tanto os salmos, que representavam a herança da tradição judaica, quanto os novos cantos foram usados para as seguintes causas: para contextualizar a mensagem num novo ambiente étnico-cultural, para adequar o culto a um ambiente menos formal, para o ensino das novas verdades, para a afirmação doutrinária do grupo, defendendo-o de grupos heréticos, e para abrigar novos postulados teológicos que acabavam de ser abraçados, como a koinonia e a glossolalia.


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