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O Cristão e a Música Rock – Capítulo 13

por: Wolfgang H. M. Stefani

Música e Moralidade



Wolfgang H. M. Stefani é um músico, acadêmico e pastor australiano. Ele graduou-se em música e completou o doutorado em Educação Religiosa da Universidade Andrews em 1993. Ensinou música eclesiástica, hinologia, filosofia da música e educação religiosa em vários níveis da escola secundária e fundamental.

Stefani serviu por 14 anos como músico na igreja: organista, pianista, ministro da música, coordenador musical da igreja, e diretor de coro. Apresentou mais de 60 seminários nos Estados Unidos, México, Japão, Austrália, França, Inglaterra, Polônia, e Escandinávia. Sua dissertação versa sobre “O Conceito de Deus e Os Estilos de Música Sacra.”


O músico e professor Henry Edward Krehbiel declarou, certa vez: “De todas as artes, a música é a que mais se pratica e sobre a qual menos se pensa.” 1 Ao invés de tomar isto como uma reprovação, no mundo pós-moderno de hoje um número significativo de pessoas responderia com as palavras, “Bravo, e é assim mesmo que deve ser!”

De fato, muitas pessoas estão convencidas de que a música é para ser sentida e experimentada, não racionalizada e analisada. Como os sentimentos são muito subjetivos, a visão comum é que a música significa coisas diferentes para pessoas diferentes e, portanto, sua utilização deve ser considerada uma questão de gosto e preferência condicionados culturalmente. A noção de que a música é de alguma forma governada pela moralidade, ou que as expressões musicais poderiam ou deveriam ser avaliadas como certas ou erradas, apropriadas ou inapropriadas, de acordo com normas externas, é considerado ridículo.

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Objetivos Deste Capítulo. Este capítulo examina a suposição prevalecente de que a música, isolada de sua letra, é moralmente neutra. O exame desta suposição popular é de importância vital, porque os defensores do rock “cristão” apelam fortemente para a alegada neutralidade da música para justificar a adoção que fazem de versões modificadas de rock para a adoração e esforço evangelístico. Se esta suposição popular está correta, então os esforços para cristianizar a música rock devem ser encorajados, mas se estiver errada, então os cristãos precisam ser advertidos das conseqüências morais de seus esforços.

Este capítulo está dividido em três partes. A primeira parte define as questões e olha a moralidade da música de uma perspectiva histórica. A segunda parte considera como o meio musical afeta a mensagem que ele transmite. A última parte examina a correlação entre os estilos musicais e as diferentes concepções de Deus.

Parte 1
Uma Perspectiva Histórica

Defensores da Neutralidade da Música. A alegada neutralidade moral da música é defendida por pessoas de todas áreas. Uns poucos exemplos serão suficientes para o nosso estudo. Ouçam a declaração irada de Maurice Zam (ex-diretor do Conservatório de Música de Los Angeles) feita na coluna de Ann Landers no Chicago Tribune em 1993: “Vamos nos emancipar do mito de que a música tenha algo a ver com moral. Música é amoral, assim como o som borbulhante de um regato ou o assobiar do vento. As notas mi, ré e dó podem ser cantadas com as palavras ‘eu te amo’, ‘eu te odeio’ ou ‘três ratos cegos’.” 2

À primeira vista, esta ilustração parece fazer sentido, e assim as pessoas aceitam também a premissa. De fato, muitos hoje concordariam com Zam, inclusive uma larga proporção de cristãos.

Quer estejam sufocados pela complexidade das questões ou simplesmente sendo ambivalentes, muitos cristãos questionam se é necessário ou não tomar decisões ao lado de Cristo com relação à música. Um número crescente sente que é aceitável simplesmente prover letras adequadas e que a música em si não é realmente uma questão importante, tanto para a adoração quanto para o uso cotidiano. Para eles, a música é simplesmente um meio, e como tal, é moralmente neutra.

Este ponto de vista é apresentado vigorosamente no livro de Dana Key Don’t Stop the Music. Um musico cristão de rock, Key afirma abertamente que “o som não é

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a questão importante. É o significado. É o que a canção está dizendo – e a letra de uma canção é o que nos dá este significado. Ele prossegue afirmando: “Creio que a música (particularmente a música instrumental) é absolutamente desprovida de qualidades morais, tanto para o bem quanto para o mal. Isto não quer dizer que não exista boa música instrumental e música instrumental ruim. A música instrumental pode ser boa ou ruim, mas esta não é uma questão teológica – é uma questão artística.

A ‘bondade’ ou ‘ruindade’ da música instrumental é baseada na competência e habilidade dos executantes. Se a música é tocada sem habilidade, ela é ruim. Se for tocada habilmente, ela é boa.” 3

A Mensagem Está Apenas na Letra? Thomas Dorsey, o famoso músico gospel, chegou à mesma conclusão. Ele disse: “A mensagem não está na música, mas nas palavras da canção. Não importa que tipo de movimento ela tem, se as palavras são Jesus, Céu, Fé e Vida, então você tem uma canção da qual Deus se agrada, sem levar em conta o que os críticos e algumas pessoas na igreja dizem.” 4

Michael Tomlinson, escrevendo na revista Ministry em setembro de 1996, assumiu uma postura semelhante. Ele escreveu: “Creio que a música em si não possui qualidades morais, tanto para o bem quanto para o mal. A questão tem mais a ver com o que dizemos empregando a música do que com a música em si.” 5

Mesmo músicos cristãos com treinamento clássico acompanham estas ideias. Em seu livro Music Through the Eyes of Faith, Harold Best (Wheaton College) assumiu a posição de que “com certas exceções, a arte e especialmente a música são moralmente relativas.” 6 Harold B. Hannum, um bem conhecido e respeitado músico e erudito Adventista do Sétimo Dia, também defende que “questões morais tem a ver com as ações humanas e as relações com os outros, não com as notas de uma composição.” 8 Mais adiante na mesma obra ele afirma que “os valores morais e religiosos deveriam ser mantidos separados dos valores puramente estéticos.” 9

A força e segurança evidente nestas declarações parecem sugerir um consenso. Então, por que o assunto não pode ser deixado de lado de uma vez por todas? Talvez a sugestão indignada de que os religiosos conservadores e outros “auto-proclamados guardiões da moral” (como Zam os descreveu) tirem seus narizes deste assunto e deixem os outros continuar a usar e desfrutar a música de acordo com seus gostos e preferências seja válida? Será que é? Existe um outro lado nesta questão?

Agora, deve ser dito que é legítimo afirmar que os valores estéticos são diferentes dos valores morais. Critérios estéticos tais como “unidade,

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variedade, equilíbrio, clímax, integridade, lógica e uma sensação de inevitabilidade…” 9 são corretamente usados para avaliar tanto composições quanto execuções musicais. Contudo, antes de desprezar toda avaliação como sendo simplesmente uma questão de julgar estes parâmetros de acordo com gosto e preferência culturalmente condicionados, sem referencias a qualquer dimensão moral, vale a pena considerarmos o assunto mais um pouco.

Moralidade da Música nas Culturas Antigas. Na cultura ocidental contemporânea, a música veio a ser vista quase que exclusivamente como uma forma inofensiva de entretenimento, destinada a prover prazer e criar atmosferas agradáveis, com os indivíduos consultando o que gostam ou não gostam como base para sua utilização. Não foi assim, contudo, nos tempos passados. Por exemplo, há dois milênios e meio atrás, a música era considerada como sendo uma força tão potente e influente na sociedade que filósofos e políticos de destaque defendiam seu controle pela constituição da nação. Este era o caso de Atenas e Esparta, cidades-estados da Grécia antiga.

No Japão, no terceiro século a.C., um comitê imperial da música (o Gagaku-ry) foi estabelecido para controlar as atividades musicais. 10 Outras culturas antigas, incluindo o Egito, Índia e China, deram evidências de preocupações semelhantes. Legislação ou censura governamental deste tipo é considerada como inimaginável hoje em dia. 11 Mas, mesmo durante o século XX, os regimes Comunistas, Facistas e Islâmicos expressaram preocupações a respeito e implementaram leis dentro de suas fronteiras para controlar a música.

Por que todo este alvoroço? Qual era o problema? Para os antigos, o problema era claro. Eles criam que a música afetava a vontade, a qual, por sua vez, influenciava o caráter e a conduta. Por exemplo, Aristóteles e Platão ensinaram que “A música… imita diretamente (isto é, representa) as paixões ou estados da alma – gentileza, ira, coragem, temperança, e seus opostos e outras qualidades; portanto, quando alguém ouve a uma música que incita uma certa paixão, torna-se imbuído desta mesma paixão; e se, por um longo tempo, ele ouve habitualmente o tipo de música que excita as paixões vis, todo o seu caráter será moldado a uma forma vil. Resumindo, se alguém ouve ao tipo errado de música ele se tornará o tipo errado de pessoa; mas, ao contrário, se ele ouve ao tipo correto de música, tenderá a se tornar o tipo correto de pessoa.” 12

Não pode haver engano quanto ao claro relacionamento entre a música e a moralidade neste entendimento. Do outro lado do mundo, na China, Confúcio expressou uma compreensão muito semelhante: “Se alguém deseja saber se um

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reino é bem governado, se sua moral é boa ou é má, a qualidade de sua música fornecerá a resposta…. O caráter é a espinha dorsal da nossa cultura humana, e a música é o desabrochar do caráter.” 13

Os gregos e os chineses não estavam sozinhos em seu ponto de vista. A ideia de que a música tem uma influência moral é evidente entre os escritores cristãos primitivos, 14 o escritor romano Boethius, 15 e muitos outros. Mesmo a declaração de um eminente antropólogo cultural contemporâneo, Alan P. Merriam, tem fortes implicações para a conexão entre a música e a moralidade. Ele escreveu: “Provavelmente não existe outra atividade cultural humana que seja tão completamente onipresente e que alcance, molde e, freqüentemente, controle um aspecto tão amplo do comportamento humano.” 16

Então, o que fazemos a respeito disso? Claramente existe um amplo apoio histórico, além dos escritores religiosos recentes, 17 de que a música e a moralidade estão intimamente conectadas. É esta noção apenas uma relíquia da superstição antiga ou será que tem alguma validade? Uma coisa é clara, embora alguns pensem que a música é amoral, historicamente muitos outros criam exatamente no oposto. Obviamente, seria arriscado decidir o assunto por voto da maioria.

A Música e a Queda. Antes de continuarmos nesta linha de investigação, um ponto teológico merece consideração. Clyde S. Kilby estruturou o assunto na forma de uma pergunta: “Um homem pode amarrar seus sapatos ou escovar os dentes amoralmente, mas ele pode criar algo desvinculado de algum grau de envolvimento moral?” 18 Um bom número de cristãos sentem-se de certa forma desconfortáveis com a ideia de que, em um planeta infestado pelo pecado, o produto da criatividade humana (a qual se origina no profundo do ser) seja de alguma forma puro e não sujeito a uma avaliação moral. Como Kilby observou, as tarefas comuns podem ser consideradas como amorais, mas podemos realmente fazer esta afirmação acerca de um produto da criatividade humana?

Existe um consenso geral de que a letra de uma canção precisa ser avaliada como sendo compatível ou incompatível, certa ou errada, em relação à fé e perspectiva cristã. Mas e a música em si? Ela não necessita de uma avaliação semelhante? Inquestionavelmente, se dermos a resposta afirmativa, entraremos em uma arena difícil, com outro conjunto de questões complicadas a serem enfrentadas. Contudo, por que este desafio deveria nos manipular em direção a uma aceitação tácita de que a música é uma ilha amoral?

Por que, então, tão poucos cristãos têm se debatido com este problema? E mais, por que tantos têm argumentado pela neutralidade moral da música e das artes como um todo, com relação a esta questão? Frank E. Gaebelein faz a

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seguinte observação atilada, que lança uma luz considerável sobre o assunto: “A maior parte do trabalho sendo feito no campo da estética cristã representa o pensamento romano e anglo-católico. Suas raízes se aprofundam na teologia sacramental, no Tomismo, na Filosofia Grega e em grandes escritores, como Dante.” 19

O domínio do pensamento romano e anglo-católico no campo da estética cristã é altamente significante. Durante a Idade Média, na história da cultura ocidental, a criatividade humana chegou a ser vista como um aspecto da humanidade que não havia sido tocado pela queda – um remanescente intacto da imago dei original. Assim, na avaliação das artes, era feito um apelo à crítica estética para assegurar uma arte de boa qualidade, mas a responsabilidade moral nunca foi questionada, porque o impulso criativo era considerado como sendo essencialmente puro e inocente. Mesmo a vida imoral de um artista era considerada como de pouca importância, desde que ele ou ela produzisse uma arte esteticamente superior. 20 Apenas o melhor era bom o bastante para Deus, e o melhor era equiparado com a excelência estética.

Desta forma, a avaliação estética chegou a uma proeminência tal nos círculos cristãos que eclipsava as considerações morais. Enquanto a igreja dominou a sociedade, a excelência estética tendia a ser definida em termos do religiosamente aceitável. Contudo, conforme a igreja foi perdendo seu poder, a sociedade foi se tornando mais secular, surgiram múltiplas visões de mundo diferentes e um pluralismo estético também emergiu. 21

Como a excelência estética continuou a ser mantida como a única forma de avaliar a música, músicas de boa qualidade, seja rock, rap, thrash metal, classical, jazz, country, soul, e uma variedade de outros tipos de música, com seus próprios padrões estéticos individuais, tornaram-se, inevitavelmente, formas aceitáveis de expressão musical, mesmo no contexto da adoração.

Música Vulnerável ao Pecado. Para muitos protestantes, porém, este paradigma não leva em conta a “distorção radical” que o pecado produziu em cada campo do empreendimento humano. Edificando sobre um conceito de Emil Brunner, Gaebelin sugeriu que “aquelas áreas do pensamento e da atividade que estão mais próximas da nossa humanidade e nossa relação com Deus são mais severamente distorcidas pelo desvio que há em nós.” 22

Gaebelin continua, explicando a forma como ele entende que isto funciona na vida, conforme segue: .”.. os campos mais objetivos como física e química são menos afetados e até na matemática a distorção tende a zero. Por tal estimativa, as artes, que falam tão subjetivamente

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e tão pessoalmente com respeito a quem e o que nós somos em relação ao nosso Criador, são muito vulneráveis à distorção que o pecado trouxe a este mundo. Isto significa que os artistas cristãos, e todos de nós para quem as artes são uma parte essencial da vida e da cultura, devem manter constantemente os olhos abertos para as marcas da queda nelas e também em nós.” 23

Para Gaebelin, isso não quer dizer que a humanidade é totalmente sem valor, e nem que a imagem de Deus foi completamente apagada. Pelo exercício da graça de Deus, “a humanidade tem sido no passado, e ainda pode ser hoje, maravilhosamente criativa para a Sua glória.” 24 Porém não podemos ser inconseqüentemente laissez faire nesta área.

Se a lógica de Gaebelin está correta, então os cristãos evangélicos de credo protestante não têm outra opção além de explorar formas legítimas e significativas de avaliar a música, não apenas para determinar o que é bonito, mas também para estabelecer o que é moralmente compatível com a cosmovisão que defendemos. Isto de forma alguma significa apoiar julgamentos arrogantes e simplistas, aos quais falta integridade, nascidos no berço da ignorância. O que estou sugerindo não é uma tarefa fácil, ou talvez, muitos outros já teriam tratado do assunto com sucesso. Mas aqui estão duas sugestões, para começar. Todas as duas salientam o fato de que a suposta neutralidade moral da música é realmente insustentável.

Parte 2
A Mensagem no Meio

Discursando no Segundo Simpósio Internacional de Música na Medicina em Ludenscheid, Alemanha Ocidental, em 1984, Manfred Clynes (um neurofisiologista, pesquisador, inventor e pianista aclamado) fez a seguinte declaração: “A música é, de fato, uma organização criada para ditar sentimentos ao ouvinte. O compositor é um ditador implacável e nós escolhemos nos submeter à sua vontade quando ouvimos a sua música.” 25

A Música Dita os Sentimentos. O que este destacado cientista quer dizer quando fala que a música “dita sentimentos”? Como a música pode fazer isso? Uma maneira simples de compreender como isto acontece é se concentrar na trilha sonora de um filme, deixando de lado as imagens por um momento. Quanto você consegue determinar a respeito da ação do filme apenas pela audição da música de fundo?

Alternativamente, imagine uma cena em um filme de ficção científica de horror na qual uma aranha monstruosa e mortal está se aproximando sorrateiramente de uma criança inocente. Você pode quase “ouvir” a música sorrateira ao fundo, não é? Mas por que

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os produtores dos filmes usam música para acompanhar tais cenas, especialmente quando alguns de nós acreditam que são as palavras, e não a música que carregam o significado? E como os produtores decidem qual música encaixar na cena? Por que a “música do monstro se aproximando” não se encaixa em uma cena de filme de uma festa de aniversário ou de um berçário?

Se palavras como “nana nenê” fossem colocadas na “música do monstro se aproximando”, isto seria uma canção de ninar? Ou a adição do texto “Cristo me ama, bem o sei” a tornam apropriada para o louvor de crianças? Neste último exemplo, só nos preocuparíamos em ter certeza de que a “música do monstro se aproximando” foi composta de forma criativa e habilmente executada, ou avaliaríamos a música como fundamentalmente inapropriada, até mesmo errada, para o contexto?

Música Comunica Separadamente das Palavras. Embora este possa ser um exemplo óbvio, vários pontos relevantes sobre a natureza da música são destacados aqui e não devem ser perdidos na nossa discussão. Primeiro, a música, separada da letra, comunica uma mensagem. A música não é um meio neutro. Não são necessárias palavras para que a música tenha significado. Os produtores de filmes tomam decisões a respeito da música, e não da letra, em aplicações de música de fundo.

Segundo, embora alguns possam argumentar que a música signifique coisas diferentes para pessoas diferentes e que a sua influência é apenas uma questão de resposta condicionada, este argumento não leva em conta suposições importantes feitas pelos produtores de filmes. Por exemplo, a incorporação de uma música na trilha sonora de um filme assume como certo que a música tem um impacto semelhante em todas as pessoas. De fato, se este não fosse o caso, uma trilha sonora musical seria sem sentido. Mesmo quando um filme é distribuído internacionalmente, apenas as trilhas da fala são alteradas. A trilha sonora musical, que “dita os sentimentos”, como Clynes afirma, permanece a mesma. A crença subjacente é que a música de fundo comunicará a mesma mensagem a todos os que assistirem, mesmo através de fronteiras culturais.

Terceiro, embora não possa ser negado que, com o crescimento da mídia globalizada das massas, algum condicionamento em massa com respeito à música possa ter ocorrido, também é claro que o impacto da música não é apenas uma questão de condicionamento. Mesmo antes que se pudesse dizer que o condicionamento das massas é um fator importante, os produtores pareciam ser capazes de predizer com muita precisão qual música era apropriada para cenas ou seqüências específicas. Isto nunca foi uma questão de tentativa e erro.

As pesquisas nos últimos trinta e tantos anos verificaram que a forma como a música é construída e executada incorpora certas características

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inerentes que forneceram há bastante tempo as pistas intuitivas para o seu significado. É precisamente por isto que a indústria secular toma decisões bem embasadas a respeito da música que usa, de forma independente da letra, que pode ou não estar presente. Infelizmente, os “filhos deste mundo” parecem ser mais sábios do que os “filhos da luz” 26 em algumas dessas coisas.

A Música e os Sentimentos Humanos. Na nova disciplina, recentemente estabelecida, chamada sêntico, há um exemplo de como um número crescente de evidências documentais está decifrando de que forma a emoção humana é expressa e percebida, e como a música é, de fato, uma forma de comunicação de emoções. De fato, respeitados pensadores contemporâneos no campo da música têm confirmado continuamente as conclusões dos gregos acerca da música como sendo representativa das paixões ou estados da alma.

Por exemplo, Susanne Langer: “As estruturas tonais às quais chamamos de ‘música’ possuem uma íntima similaridade lógica com as formas do sentimento humano… O padrão da música é que … a forma é trabalhada em som e silencio puros e mensuráveis. Música é uma analogia tonal da vida emotiva.” 27 De modo semelhante, Gordon Epperson sustentou: “Música é a expressão … das emoções; uma imagem aural de como sentimos as emoções, como elas operam.” 28

No desenvolvimento dos conceitos do sêntico, Clynes começou a mostrar como a música faz isso. Tendo demonstrado que a expressão da emoção ocorre através de certas formas previsíveis (as quais ele denominou de formas sênticas), 29 Clynes prosseguiu demonstrando como os músicos podem manipular o tom e a intensidade das notas individuais para incorporar formas sênticas na linha melódica. Isto é conseguido de forma muito semelhante à forma que a voz é modulada para tornar uma frase significativa. Ele descreve o conceito desta forma: “Na produção de uma melodia, um compositor colocas as notas de forma que elas combinem, em efeito, ao padrão da forma sêntica apropriada…. As notas musicais são colocadas em pontos adequados ao longo da linha de uma forma sêntica, para que internamente elas possam atuar como marcadores na geração da forma. Isso equivale a dizer que as notas musicais estimulam internamente o padrão motor da forma sêntica que também correspondente a pontos programados de uma expressão de toque da mesma qualidade.” 30

Quando compositores constroem bem e os executantes lêem e interpretam suas composições de forma precisa, ocorrem poderosas comunicações. De fato, quando uma forma sêntica é bem expressa, “uma melodia tem acesso direto para estimular a qualidade emocional no ouvinte sem a necessidade de simbolismo auxiliar.” 31 Como Clynes elaborou: .”.. ela pode tocar o coração de forma tão direta quanto um toque físico. Uma carícia ou uma exclamação de alegria na

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música não necessita ser traduzida conscientemente em um toque de carícia ou um ‘pulo de alegria’ físico para serem percebidos como sendo de tal qualidade. Isto acontece diretamente através da percepção da forma sêntica.” 32

Além de usar as notas de uma linha melódica, uma personificação ainda maior da comunicação emocional pode ser demonstrada na estrutura do pulso rítmico. 33

Música Condicionada Pela Mensagem. É claro, tudo isso traz a ilustração de Zam, citada anteriormente para a perspectiva correta. Realmente, estou certo que Zam tem consciência de que as notas mi, ré e dó nunca existiram em um isolamento clínico em uma peça de música. As harmonias, ritmos, fraseados, acentuações, etc. que as cercam, fazem estas três notas assumirem uma variedade de colorações emocionais. Qualquer compositor que fosse colocar na música os três exemplos que Zam deu de letra (“Eu e amo”, “Eu te odeio” e “Três ratos cegos”) não comporia de forma idêntica em cada caso. 34 É exatamente neste ponto que o argumento de Zam começa a ruir.

Sem tentar ser abrangente neste ponto, já foi dito o suficiente para confirmar que existe atualmente um conjunto de pesquisas que demonstram que a música realmente comunica significativamente de uma forma que pode e deve ser avaliada se é apropriada e até mesmo certa ou errada em um determinado contexto.

De um ponto de vista cristão, as emoções como ira, ódio, medo, amor ou alegria, não são intrinsecamente boas ou más. Contudo, apresentar a letra “Cristo me ama, bem o sei” com um acompanhamento de música/mensagem emocional de medo e suspense não seria simplesmente uma disparidade inofensiva de comunicação cognitiva e afetiva. De acordo com a crença cristã, isto seria uma perversão grosseira do evangelho (especialmente à luz de I João 4:8) e, portanto, moralmente errada, e não apenas esteticamente pobre.

O mesmo seria verdade se as palavras acerca do amor de Jesus pela humanidade fossem apresentadas acompanhadas por uma música que descreve ira, violência e agressão. Tais mensagens misturadas provêem uma comunicação confusa da verdade, a qual é moralmente repreensível, não apenas uma questão de gosto.

Celebração da Violência. Este último cenário não é apenas um exemplo hipotético, estático. No final dos anos 80 e começo dos anos 90 um estilo de música chamado de rock heavy-metal emergiu e tornou-se conhecido como Thrash ou Speed Metal. A violência e agressividade da música eram encenadas de forma adequada na pista de dança adjacente,

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onde os fãs giravam com a música, e se batiam em um frenesi de movimentos, às vezes chegando a quebrar membros neste processo.

Este tipo de música continuou a ser popular e estava bastante em evidência no Festival de Música de Woodstock de 1999. Em um artigo na revista Time, de 9 de agosto de 1999, Lance Morrow descreveu os incêndios, pilhagens e destruição gratuita que “estavam bem no espírito da música” do festival. 35 Uma multidão do tamanho de Rochester, Nova Iorque, em condições de alta excitação e sob a influência de drogas e de “uma música enfaticamente sem sentido” começou um tumulto. Ele resumiu o ocorrido com estas palavras: “Entra lixo, sai lixo.” 36

Contudo, quando esta forma de música surgiu pela primeira vez, algumas igrejas de Los Angeles patrocinaram concertos e desenvolveram cultos de adoração em torno de uma forma cristã desta música para o deleite dos entusiastas. Mesmo a revista Contemporary Christian Music ficou dividida a respeito de apoiar ou condenar este novo fenômeno. 37 Enquanto que os comentaristas mais velhos, mais maduros, tentavam pesar os prós e os contras da violência em um contexto cristão, argumentando que talvez os fins justificassem os meios, etc., uma carta de uma jovem ao editor da edição de abril desta mesma revista pareceu acabar com a confusão.

Alisa Williams, de Chicago, escreveu: “Que negócio é esse de ‘Batendo-se Para o Mestre'”(fevereiro de 1989)? Algumas dessas pessoas que ficam se batendo tem um parafuso a menos na cabeça. Não vejo absolutamente nada de cristão em mergulhar na platéia em cima das pessoas ou ficar correndo em volta como maníacos, correndo o risco de morrer pisoteado! Este tipo de violência não tem lugar em um concerto cristão. Violência de forma alguma deveria estar envolvida!

“Agora, a respeito do seu som ‘trash’ – é um pouco selvagem demais. Eu sei que todos temos gostos musicais diferentes, mas uma vez que você ultrapassa um certo ponto é simplesmente insuportável. Eu sei bem o que vocês querem dizer – querem trazer esses batedores de cabeça para Cristo – mas penso que foram um pouco longe demais. Deus abençoe vocês de qualquer forma! Aliás, esta carta não é de uma vovozinha. Tenho 15 anos!” 38

O que esta jovem disse sublinha muito claramente a hipocrisia de se permitir que o mercado dite as escolhas musicais. Apesar do significado reconhecido desta música, alguns a consideram aceitável simplesmente porque é popular. Se não tivermos um padrão moral externo pelo qual avaliarmos nossa música, as forças do mercado se tornarão o leme moral por

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exclusão. Ironicamente, num contexto de música cristã, isto significa que no final, aqueles que conhecem menos a respeito do evangelho serão os que mais determinarão a respeito de sua expressão. Não é de se espantar que tenhamos ficado com um excesso de mensagens musicais misturadas e confusas.

Parte 3
A Questão do Estilo

Há um fator ainda mais insidioso que precisa ser considerado. Freqüentemente é citado, por cristãos discutindo música, que o estilo musical não é um assunto importante. 39 Esta ideia normalmente é defendida fortemente por aqueles que apóiam a neutralidade da música. Esta visão reflete a postura assumida pela musicologia ocidental nos últimos séculos. Desde o Iluminismo, quando a tendência anti-sobrenaturalista realmente começou a dominar a cultura ocidental, a maior parte das disciplinas buscou tornar-se independente das considerações metafísicas ou religiosas. Mesmo no estudo do desenvolvimento dos estilos musicais isto é evidente.

Tornou-se um modismo explorar e enfatizar a influência dos fatores ambientais, sociológicos, econômicos, e mesmo biológicos, apesar do reconhecimento geral de que a religião está intimamente interconectada com o desenvolvimento da música em todas as culturas conhecidas. 40 Contudo, etno-musicólogos trabalhando em culturas não ocidentais estão gradualmente arrastando os eruditos ocidentais de volta a algumas correções importantes em seu entendimento acerca de como um estilo musical se desenvolve. 41

Os Estilos de Música Refletem Visões Teológicas. Antes de continuarmos adiante nesta discussão, porém, precisamos definir o que queremos dizer com “estilo.” Estilo tem sido descrito simplesmente como “uma maneira característica de fazer alguma coisa.” 42 Estilo é um termo usado quase que exclusivamente para tratar das ações ou criações humanas. Claramente, nas composições musicais, os humanos não criam as notas, mas a forma como as notas são combinadas, como são tocadas, como se organizam no tempo, tudo isso é um produto da escolha humana. Portanto, estes fatores se tornaram conhecidos como características de um estilo em particular.

Então, o que impulsiona as escolhas por trás do desenvolvimento do estilo? Por que compor desta maneira e não daquela? Certa vez Paul Tillich expressou de forma sucinta uma verdade abrangente, que lança luz sobre estas questões. Ele escreveu:

“Religião, como uma questão vital, é a substância que dá significado à cultura,

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e a cultura é a totalidade de formas nas quais a questão básica da religião expressa a si mesma. Em resumo: religião é a substância da cultura e cultura é a forma da religião.” 43

Está se tornando cada vez mais evidente que crenças fundamentais ou fatores de cosmovisão são um dos principais determinantes do estilo musical. Em outras palavras, aquilo que governa o coração, forma a arte. 44 Por exemplo, em qualquer cultura existe uma busca humana observável pela compatibilidade entre as crenças fundamentais e o caráter da arte utilizada em um contexto religioso.

J. H. Kwabena Nketia, descrevendo a música sacra na África, afirmou que isto era um princípio fundamental que parece ser subjacente ao uso da música na adoração: ou seja, que a seleção da música a ser usada, o controle das formas musicais e dos instrumentos está de acordo com o conceito dos deuses ou do foco individual da adoração. 45 Argumentação semelhante poderia ser citada de várias outras religiões e culturas.

Música Cristã Primitiva e o Conceito de Deus. A maneira como isto ocorre é bem ilustrada no contexto islâmico. Al Faruqi descreve como o estilo de música islâmica é moldado por uma crença fundamental significativa – os aspectos sobrenaturais e transcendentes da divindade. Adorar a um deus como este era como deixar o mundo cotidiano para trás e entrar em um plano admirável e tremendo. Notando esta ênfase tanto no islamismo quanto no cristianismo, ela observou o seguinte a respeito de sua música: “A música religiosa…, evitava o emotivo, o frívolo, as repostas descontroladas, tanto de grande alegria quanto de grande pesar. O alcance limitado e a continuidade das notas do canto gregoriano e do canto do Alcorão, a prevalência de uma progressão gradual, o evitar de grandes saltos melódicos – tudo isto contribuiu para este objetivo. Os tempos frouxos, o movimento calmo e contínuo, a rejeição de acentuação forte e de grandes alterações na intensidade ou volume condiziam, da mesma forma, a uma atitude de contemplação e abandono de envolvimentos mundanos. O uso de unidades métricas regularmente repetidas teria levado à tendência de suscitar associações, movimentos cinestésicos e emoções incompatíveis com a noção de religiosidade entre os muçulmanos e os cristãos primitivos. Portanto, estes eram evitados…. A música contribuiu com pouco ou nada para o conteúdo dramático/programático ou para a pintura imitativa dos objetos, eventos, ideias ou sentimentos deste mundo. Assim, as suas qualidades abstratas tem sido uma característica marcante…. As características formais estavam de acordo com esta tendência, tornando os elementos de unidade e mudança dependentes de uma correspondência com as unidades poéticas, em vez dos fatores narrativos ou descritivos.” 46

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Ela continua, demonstrando que não apenas a estrutura, mas também a prática de execução era impulsionada pela crença: “A prática da execução, dependendo da voz humana, tem evitado as associações seculares que os instrumentos podem trazer, bem como as harmonias de acordes que poderiam ser sugestivos de efeitos emocionais ou dramáticos. Mesmo o uso da voz ou vozes humanas… tem evitado o sensual e imitativo, de forma a ampliar o efeito espiritual no ouvinte.” 47

Estilos Musicais e o Conceito de Deus. Note até que ponto detalhado o estilo é influenciado pela crença neste caso. Como se poderia esperar, a ênfase na conceitualização imanente da divindade gera um estilo muito diferente de música, incluindo uma rejeição deliberada do abstrato e do contemplativo em favor de uma música com forte estímulo psico-fisiológico. O ritmo repetitivo é enfatizado sobre a melodia e a harmonia, e a execução de instrumentos de percussão (freqüentemente com um estilo de execução de alto volume), que promove a participação grupal e o movimento instintivo é rotineira.

Enquanto que na orientação transcendental a meditação ou contemplação da revelação que a divindade faz de si mesma é o objetivo da adoração, na orientação imanente a possessão é o resultado final desejado. Duas concepções muito diferentes de Deus produzem dois estilos muito diferentes de música porque aquilo que governa o coração, forma a arte. 48

Quando começamos a explorar a íntima conexão entre a cosmovisão e o estilo musical, torna-se claro por que Tillich sugeriu que fosse possível “lermos os estilos” com um discernimento apropriado para detectar quais interesses finais os estão impulsionando. 49

O relacionamento demonstrável entre o estilo e a crença expõe a superficialidade por trás da afirmação de que os estilos musicais são neutros e incapazes de proclamarem uma cosmovisão. 50 De fato, exatamente o oposto é verdade. Os estilos musicais são carregados de valores. Eles são verdadeiras incorporações de crenças. As características estilísticas são criadas na busca de uma expressão estética adequada das verdades profundamente arraigadas sobre a verdade real. Se isto é assim, então decisões sobre se um estilo musical é apropriado e até mesmo certo ou errado, especialmente no contexto da adoração, são compulsórias, e não meramente uma questão de gosto ou preferências culturais.

De fato, Titus Burckhardt tem razão quando escreve: “Sabendo-se que a espiritualidade em si mesma é independente das formas, isto de forma alguma implica em que ela possa ser expressa e transmitida por todo e qualquer tipo de forma” 51 Ele prossegue

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ao notar que “Uma visão espiritual necessariamente encontra a sua expressão em uma linguagem formal em particular; se faltar esta linguagem, com o resultado de que uma assim chamada arte sacra tome emprestada a sua forma de algum tipo de arte profana, então isto só pode ser porque também falta uma visão espiritual das coisas.” 52

Em outras palavras, os cristãos têm uma responsabilidade moral em buscar não apenas letras apropriadas para suas canções, mas um estilo musical que expresse legitimamente sua compreensão de Deus e da vida. Além disso (ainda que isto não seja amplamente reconhecido), as evidências indicam que as questões que cercam as discussões sobre o estilo de música sacra se estendem muito mais profundamente do que o simples gostar ou não gostar.

No final das contas, o conflito sobre estilos de música sacra é realmente um conflito de crenças subjacentes a respeito da natureza final da realidade, não apenas preferências estéticas sem conseqüência. Talvez seja por isso que estas discussões simplesmente nunca acabam, porque intuitivamente as pessoas sentem um substrato mais profundo, mesmo que não consigam verbaliza-lo.

Conclusão

Três conclusões principais emergem da investigação precedente acerca da moralidade da música.

Primeiro, adotar seriamente a ideia de que a música é um meio moralmente neutro pode ser compreensível de um ponto de vista secular ou se alguém crê que a criatividade humana não foi tocada pela Queda. Contudo, se alguém crê em um universo moral, criado em amor e com um propósito, mas infectado pelo pecado, a ponto de que uma terrível distorção tenha desfigurado (embora não obliterado totalmente) a imagem de Deus na humanidade, esta pessoa tem o compromisso tanto de apreciar as evidências do bem no nosso mundo, quanto reconhecer e distinguir as evidências do mal.

O elemento criativo (tão intimamente ligado ao próprio âmago da natureza humana) não pode ser considerado imune às distorções do pecado. A resposta não é aceitar a neutralidade moral neste domínio, mas desenvolver, por meio da reflexão e da oração, meios de facilitar este discernimento.

Segundo, embora as letras individuais em um alfabeto possam ser neutras, conforme elas são combinadas em palavras, frases e sentenças, assumem um significado e podem ser imediatamente avaliadas como sendo refinadas e decentes, ou grosseiras e rudes, reverentes e respeitosas ou blasfemas, apropriadas ou inapropriadas, certas ou erradas, por causa do significado que contém. Da mesma forma, enquanto as notas individuais podem ser neutras em si mesmas, elas nunca

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aparecem isoladas. Na música elas são sempre apresentadas em conjunção com outras notas, tocadas com certos acentos, em certas formações rítmicas, e tocadas com certos instrumentos.

A habilidade de compreender mais precisamente o vocabulário e a sintaxe da comunicação emocional da música está começando a surgir. Assim, avaliações de calma e paz ou ira e agressividade, ousadia e certeza ou medo e apreensão, apropriado ou inapropriado, certo ou errado, são cada vez mais possíveis. Se a combinação e julgamento precisos das músicas podem ser feitos na produção de filmes, é surpreendente, até mesmo ridículo, sugerir que isto seja impossível no contexto da adoração.

Terceiro, conforme se acumulam as evidências de que os estilos musicais são manifestações artísticas de fatores significativos da cosmovisão nos sistemas de crenças dos indivíduos e das comunidades culturais, as implicações para uma avaliação moral são imperativas para os cristãos. O gosto e a preferência não podem ser os árbitros dos estilos musicais apropriados/inapropriados. Contudo, as avaliações não podem ser feitas de forma simplista ou superficial.

Embora um começo tenha sido dado em minha dissertação doutoral, muito mais estudo é necessário para prover um discernimento crescente na “leitura” dos estilos musicais e na realização de julgamentos precisos. Claramente, esta tarefa não é um esforço opcional. A evidência já recolhida torna-o imperativo.

“Pensar acerca da música”, embora tristemente negligenciado, como Krehbiel sugeriu, é uma tarefa muito importante, e que será recompensada com grandes vislumbres acerca de um dos mais nobres dons de Deus à humanidade. Isto também pode abrir um caminho para que os cristãos desenvolvam um testemunho estético único e mais consistente com a cosmovisão que eles sustentam. Atualmente, os cristãos tendem a ser os seguidores e não os líderes nas artes, especialmente na música.

A cristandade afirma que tem uma mensagem enriquecedora e transformadora de vidas, nas facetas espirituais, mentais, físicas e sociais da humanidade. Mas, que testemunho estético distintivo está sendo dado a um mundo perdido pela comunicação musical cristã? Se é que ele existe, está na letra, não na música. Essencialmente a mensagem é que no reino de Deus fazemos música da mesma forma que o mundo faz.

Risieri Frondizi lançou um significativo e valioso desafio quando escreveu: “A essência do reformador moral e do criador no campo das artes repousa em não se adaptar às normas ou gostos predominantes, mas em desfraldar a bandeira do que ‘deve ser’ sobre e acima das preferências populares.” 53 Este é o desafio do século XXI a todos os dedicados cristãos comprometidos a desfraldar a bandeira do Reino de Deus.

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Notas

1. Um aforismo citado no Australian Journal of Music Education 27 (outubro de 1980):12.

2. Maurice Zam em uma carta para Ann Landers, Chicago Tribune, 19 de agosto de 1993.

3. Dana Key com Steve Rabey, Don’t Stop the Music (Grand Rapids, MI, 1989), p. 69. Isto é muito similar à visão de Oscar Wilde acerca da literatura: “Não existe isso de livro moral ou imoral. Livros são bem escritos ou mal escritos. Isso é tudo.” (Oscar Wilde citado em James L. Jarrett, The Quest for Beauty [Englewood Cliffs, N.J., 1957], p. 216.)

4. Thomas A. Dorsey citado em Oral L. Moses, “The Nineteenth-Century Spiritual Text: A Source for Modern Gospel,” in Feel the Spirit: Studies in Nineteenth-Century Afro-American Music, ed. George R. Keck and Sherrill V. Martin (New York, 1988), p. 50.

5. Michael Tomlinson, “Contemporary Christian Music Is Chris­tian Music,” Ministry 69 (setembro de 1996), p. 26.

6. Harold M. Best, Music Through the Eyes of Faith (San Fran­cisco, CA, 1993), p. 42.

7. Harold Byron Hannum, Christian Search for Beauty (Nashville TN., 1975), p. 51.

8. Ibid., p. 112.

9. Ibid., p. 50.

10. Ivan Vandor, “The Role of Music in the Education of Man: Orient and Occident,” The World of Music 22 (1980), p.13.

11. Uma prova disto é o furor causado nos Estados Unidos, quando, no meio dos anos 80, foi sugerido que os discos de música popular deveriam portar algum tipo de rótulo advertindo com respeito a letras explícitas, pornográficas e violentas – sem falar da música.

12. Donald Jay Grout, A History of Western Music, Rev. ed. (London, England, 1973), p. 7.

13. Confúcio em The Wisdom of Confusius, ed. Lin Yutang (New York, 1938), 251-272.

14. Veja, por exemplo, os escritos dos pais da igreja promitiva tais como Basil, John Chrysostom, and Jerome in Oliver Strunk, Source Readings in Music History: Antiquity and the Middle Ages (New York, 1965), pp. 64-72.

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15. Ibid., 79-86.

16. Alan P. Merriam, The Anthropology of Music (Chicago, l964) p. 218.

17. Por exemplo, Ellen G. White, Testimonies for the Church, Vol. 4 (Mountain View, CA, 1948), p. 653.

18. Clyde S. Kilby, Christianity and Aesthetics (Chicago, IL.,

1961), p. 24.

19. Frank E. Gaebelein, The Christian, the Arts and Truth: Regaining the Vision of Greatness, ed. D. Bruce Lockerbie (Portland, OR, 1985), p. 56.

20. Esta visão é apresentada de forma incisiva em Jacques Maritain, Creative Intuition in Art and Poetry, Bollingen Series 35, no. 1 (New York, 1960), pp. 374-376; John W. Dixon, Jr., Nature and Grace in Art (Chapel Hill, NC, 1964), pp. 61, 70, 73, 76 and 200; Winfried Kurzschenkel, Die Theologische Bestimmung der Musik (Trier, Ger­many, 1971), pp. 328-334.A questão foi discutida em detalhes em Wolfgang Stefani, “Artistic Creativity and the Fall: With Special Reference to Musical Creativity,” artigo não publicado (Andrews Uni­versity, Berrien Springs, MI, 1987).

21. Roger Sessions mencionou este problema geral na introdução de um capítulo sobre cristérios estéticos em seu livro clássico, Questions About Music (New York, 1971), p. 124.

22. Frank E. Gaebelein (note 19), p. 74.

23. Ibid., pp. 74-75.

24. Ibid., p. 75.

25. Manfred Clynes, “On Music and Healing” em Music in Medicine: Proceedings Second International Symposium on Music in Medicine, Ludenscheid, West Germany, ed. J. Steffens (R. Spintge and R. Droh, 1985), p. 4.

26. Luke 16:8

27. Susanne K. Langer, Feeling and Form: A Theory of Art (New York, 1953), p. 27.

28. Gordon Epperson, The Musical Symbol: An Exploration in Aesthetics (New York, 1990), p. 75.

29. Manfred Clynes, Sentics: The Touch of the Emotions (New York, 1978), pp. 26-4 1.

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30. Manfred Clynes, “When Time Is Music,” Rhythm in Psychological, Linguistic, and Musical Processes, ed. James R. Evans e Manfred Clynes (Springfield, IL, 1986), pp. 184-5.

31. Ibid., 185.

32. Ibid. É triste que em um artigo desta natureza tudo isso não possa ser ilustrado de forma prática Quando apresentado na forma de seminários, com exemplos musicais, é muito persuasivo.

33. See, for example, Manfred Clynes, Expressive Microstruc­ture in Music, Linked to Living Qualities in Studies of Music Perfor­mance, ed. Johan Sundberg (Royal Swedish Academy of Music, Stockholm, No. 39, 1983), pp. 120-122.

34. Talves possa ser delineada uma comparação com o uso da palavra “não” em diferentes contextos. (Por exemplo, com raiva, com descrença, com medo e como desafio.) Note que a mesma palavra é usada, mas a coloração da voz comunica significados e emoções muito diferentes.

35. Lance Morrow, “The Madness of Crowds,” Time (9 de agosto de 1999), p. 64.

36. Ibid.

37. Veja, Doug van Pelt, “Moshing for the Master,” Contempo­rary Christian Music (fevereiro de 1989), pp. 20-21.

38. Contemporary Christian Music (abril de 1989), 4.

39. Veja, por exemplo, Gene Edward Veith, Jr., The Gift of Art: The Place of the Arts in Scripture (Downers Grove, IL., 1983), pp. 58-59, and Harold M. Best (nota 6), p. 26.

40. Veja, por exemplo, Bruno Nettl, “The Role of Music in Culture: Iran, A Recently Developed Nation,” em Contemporary Music and Music Cultures by Charles Hamm, Bruno Nettl and Ronald Byrnside (Englewood Cliffs, NJ, 1975), pp. 98-99 e Bruno Nettl, The Study of Ethnomusicology: Twenty-Nine Issues and Concepts (Ur­bana, IL, 1983), pp. 159, 165.

41. Lois Ibsen Al Faruqi, “Muwashshah: A Vocal Form in Islamic Culture,” Ethnomusicology 19 (janeiro 1975), p. 1; e Donna Marie Wuiff, “On Practicing Religiously: Music as Sacred in India,” em Sacred Sound: Music in Religious Thought and Practice, ed. Joyce Irwin (Journal of the American Academy of Religion Thematic Studies, vol. 50, Chico, CA, Scholars Press, 1983), p. 149.

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42. Robert L. Scranton, Aesthetic Aspects of Ancient Art (Chicago: University of Chicago Press, 1964), P. 28.

43. Paul Tillich, Theology of Cultur, ed. Robert C. Kimball (New York, 1959), p. 42.

44. Este aforismo foi desenvolvido enquanto o autor escrevia a sua dissertação doutoral. Não é realmente uma ideia nova. É simplesmente uma paráfrase do princípio bíblico de Provérbios 23:7 “Porque, como ele pensa consigo mesmo, assim é;” e Lucas 6:45 “Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.”

45. J. H. Kwabena Nketia, African Gods and Music (Legon, Ghana: Institute of African Studies, University of Ghana, 1970), pp. 11-12.

46. Lois Ibsen Al Faruqi, “What Makes ‘Religious Music’ Religious?” em Sacred Sound: Music in Religious Thought and Prac­tice, ed. Joyce Irwin (Journal of the American Academy of Religion Thematic Studies, vol. 50, Chico, CA, 1983), 28.

47. Ibid.

48. As implicações deste contraste transcendente/imanente são profundas para o contexto cristão e são discutidas em detalhes na dissertação doutoral do autor, The Concept of God and Sacred Music Style: An Intercultural Exploration of Divine Transcendence/Imma­nence as a Stylistic Determinant for Worship Music with Paradigmatic Implications for the Contemporary Christian Context (Tese de doutorado, Andrews University, Berrien Springs, MI, 1993), pp. 218-270.

49. Paul Tillich, Systematic Theology vol 1. (Chicago, IL, 1951), p. 40.

50. Veja, por exemplo, Harold M. Best (nota 6), p. 42; e Nick Mattiske, “What Would Jesus Think of Today’s Music?” The Edge 16 (Suplemento da revista Record, 4 de março de 2000), p. 5.

51. Titus Burckhardt, Sacred Art in East and West. Its Prin­ciples and Methods, trans. Lord Northbourne (London, England, 1967), p. 7.

52. Ibid.

53. Risieri Frondizi, What Is Value? An Introduction to Axiology, 2nd ed. (La Salle, IL, 1971), p. 29.

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Capítulo 14

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