Música, Adventismo e Eternidade – Capítulo VIII

por: Pr. Dario Pires de Araújo

Hinários

Depois do estudo da Bíblia, da oração e da ação missionária, o que mais tem a ver com a saúde espiritual de uma igreja é seu canto congregacional. Por isso a Bíblia e o Hinário andam juntos. Elaborar um Hinário e colocá-lo nas mãos de uma Igreja é tremenda responsabilidade. Quem se dispõe a tal atividade deve pensar que os membros terão na mente estes cânticos não só nos cultos e reuniões religiosas, mas nos lares e em todos os segmentos da vida; sua influência será constante, profunda e total. Portanto jamais poderá ser norteado por pressões de qualquer ordem a não ser os princípios e a luz que Deus deu à Igreja sobre o assunto. Os que desconhecem os princípios do canto sagrado, ou os que não têm discernimento e são levados facilmente por pressões não estão qualificados para fazer este trabalho.

Deveria haver unidade sobre este assunto na Igreja, mas por causa de:

1. Interesses pessoais (vontade de se tornar conhecido como autor e compositor, exploração comercial de suas composições, projeção nos meios denominacionais e fora deles, etc.);

2. Gosto pervertido (vontade de satisfazer apenas o gosto, sem cogitar se ele apresenta algo contrário aos princípios, ou seja, gosto gerado por formação imprópria);

3. Falta de discernimento (persistência em circundar a própria experiência em vez de partir em direção a luz divina sobre o assunto);

4. O interesse do inimigo em implantar sua música dentro da Igreja, e outras questões mais, a tão benéfica unidade torna-se inatingível.

Neste clima inseguro de confusão, a responsabilidade de elaborar um Hinário para a Igreja de Deus, que deve estar preparada para a música do Céu dentro de pouco tempo, é uma tarefa redobradamente mais difícil e extremamente séria.

Por outro lado, o conceito de Hinário também é importante. Basicamente há dois conceitos de Hinário:

1. O Hinário é um recurso a disposição da Igreja para um contínuo enriquecimento espiritual, elevação e santificação do gosto dos que cantam; padrão de sentimentos religiosos, discernimento, experiência

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cristã, cultura e correção; instrumento de educação no louvor e na adoração; paradigma de perfeição e beleza.

2. Conjunto de cânticos que revelam o gosto, a preferência, o entusiasmo, a cultura, a condição espiritual e a experiência da vida religiosa dos que cantam.

Uma vez ponderada a necessidade da Igreja, decide-se por um ou outro tipo de Hinário. No primeiro caso, será um trabalho difícil, mas com espinha dorsal; no segundo, será um amontoado de hinos e cânticos que se ajustam, mais ou menos como ameba, à forma de como o povo gosta de cantar e se expressar, mais do que a forma de como o povo deve cantar e se expressar. No primeiro caso o povo será levado a ser um reflexo do que canta, ao passo que no segundo, o Hinário será pura e simplesmente reflexo do nível e do gosto de um povo.

Quem decide que o Hinário tem a função de educar sabe que terá de lutar contra todas as forças que agem em oposição ao processo educacional; terá de enfrentar as durezas da conscientização, do aprendizado, do progresso e da santificação, mesmo que dure décadas. Quem decide que o Hinário deva ser um reflexo do gosto e da cultura popular terá um trabalho simplificado, isto é, só o de coligir o que o povo quer, e encontrará oportunidade de “aperfeiçoar” o Hinário cada vez que o gosto popular for modificado pela instabilidade artificial da vida moderna na onda da moda, não importa se demore 2, 5, 10 ou 20 anos. Uma espécie de Antologia Musical do Momento.

Há benefícios numa pesquisa entre os membros da igreja. Ela revela a tendência, o grau e o nível de espiritualidade relacionada com o gosto e a cultura. É muito bom que quem elabora o Hinário conheça o povo que o vai utilizar. Poderá, com discernimento, delimitar o ponto até onde o gosto possa e deva ser satisfeito e onde o gosto será um perigo para a vida espiritual. Fica, portanto, mais do que convincente que o gosto, por si só, nem sempre é um guia seguro, ainda mais numa geração formada debaixo do bombardeamento da era “rock”. Nem tudo do que muitos gostam deve constar num Hinário para a Igreja, pois no caso de a Igreja possuir um gosto desvirtuado e enfermo, precisará de um remédio e tratamento natural, e não de mais drogas que a mantenham no vício.

Normalmente, quem torna as decisões sobre um Hinário é uma comissão. Seria de se esperar que uma comissão revelasse mais

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equilíbrio do que decisões individuais. Mas para que isso fosse uma realidade, todos os membros deveriam ter, pelo menos, uma unidade básica de critérios, discernimento e conhecimento, o que não será fácil alcançar. A comissão normalmente é composta de músicos, poetas, pastores e administradores; pode dar-se o caso de um poeta não entender de música, um pastor ser leigo nestas áreas, um administrador não ter discernimento, um músico não saber que letra para a música não é simples poesia, um compositor ter sido formado num clima de gosto francamente popular, sem conhecimento básico das leis estruturais do cântico sacro, etc., etc. As decisões de uma comissão tal não terão tendência para um equilíbrio sadio; antes pelo contrário, ou serão um campo de conflitos, ou uma sessão de barganhas e concessões perigosas, e, neste caso, mais política democrática do que aceitação teocrática. É verdade que Deus não impõe nada mas convenhamos que é melhor aceitar andarmos no Seu passo.

Um Hinário também deve ajudar a lgreja a antecipar a música do Céu. Prepará-la para poder apreciar a beleza da música angelical.

O que um acha bonito, não atrai outro. O que para um é lindo, o outro nem acha graça. Outro diz: “Gosto e cor não se discutem”! Entretanto, com as coisas de Deus um ditado como este não funciona, pois a capacidade de apreciar o que é belo é obra divina, tanto quanto a realidade objetiva da beleza. Uma foi feita para a outra, e é em virtude do pecado que ocorreu o desvirtuamento do gosto. O que hoje existe é gosto menos estragado e gosto mais estragado entre os seres humanos.

No setor da música também acontece a mesmo. Embora sejam aceitáveis certas preferências, não se pode dizer que o feio seja belo e o belo, feio. Neste caso, Quem decide é o autor da beleza, que é imutável. Ele é o paradigma da beleza, o padrão pelo qual a homem deve aferir seus conceitos. Quanto mais o conceito do homem sobre a beleza se aproximar do de Deus, mais certo estará. E não poderia ser diferente.

É de se esperar também que a música que para Deus é bela, será a mais saudável, a que esteja mais de acordo com as leis naturais, a que promoverá experiências estéticas mais sublimes nas pessoas mais equilibradas.

Em virtude de tudo a que já foi exposto nesta obra, não é

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difícil concluir que um hino solene, bem harmonizado, rico em toda a sua estrutura, entoado no louvor de um culto, seja belo, e que um “rock pauleira” do “ACDC”, ou do “Led Zeppelin” seja horroroso! Não serão os Beatles, nem o toxicômano Elvis Presley e todos os seus seguidores e continuadores até hoje, que nos dirão o que é belo, muito menos os demônios que os inspiraram e inspiram. Se os apreciamos, e toda a música que se pareça com a deles, mesmo na igreja, é nosso gosto que está arruinado, condicionado e viciado. Aqui no Brasil, este condicionamento começa cedo com o Balão Mágico, o Xou da Xuxa e seus congêneres, que são escolas infantis de “rock”.

A recomendação divina é “que haja canto no lar, de hinos que sejam suaves e puros, e haverá menos palavras de censura e mais de animação, esperança e alegria” (Ed. 167).

Talvez seja mais fácil sabermos o que são hinos suaves do que hinos puros. Hinos suaves são os que apresentam um volume sonoro que não fere o ouvido ainda sensível; hinos puros são hinos que não estão contaminados. Mas o que é que contamina um hino? Várias coisas:

1. O ritmo emprestado do gênero popular, das danças e canções populares de hoje que deitam suas raízes no poluente paganismo africano.

2. Os instrumentos e baterias que trazem à mente de quem ouve a atmosfera sonora e a imagem dos centros de diversões mundanas, afetando por completo o ouvinte e o executante.

3. A maneira de execução, quando ela se assemelha ao estilo dos cantores e conjuntos do repertório satânico da música “pop”.

4. A intenção de quem canta, ou toca, se esta for a de satisfazer o gosto pervertido, quer do próprio, quer dos ouvintes, sem considerar se agrada a Deus ou não.

5. Os arranjos popularizantes, quando nada mais são do que desarranjos daquilo que Deus inspirou outros a escreverem.

6. Os cantores, quando vão à frente para se exibir (Mensagens Escolhidas, vol. III, págs. 332 – 335). E assim por diante.

Outro assunto que não poderíamos deixar de mencionar é o da perfeição dos hinos. Sendo este um tema para se escrever, só sobre ele, um compêndio, teremos que tocar apenas em algumas ideias importantes.

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Deus é perfeito e tudo o que fez foi perfeito, inclusive a Bíblia e a música. Como já vimos, a irmã White ficou deslumbrada ante a perfeição e a beleza da música celeste. Hoje nossa música não se assemelha aos cânticos do Céu nem aos do Éden porque nós somos imperfeitos. Devemos, entretanto, nos aproximar tanto quanto possível da perfeição dos coros celestes. Este é um repto, um verdadeiro desafio, um “apelo para a excelência’ (H. B. Hannum – op. cit., pág. 32).

Com certeza, esta perfeição não inclui apenas a voz perfeitamente educada e disciplinada dos anjos, mas também a perfeita execução e principalmente a perfeição da forma musical. O que se canta no Céu são hinos perfeitos, ideal para os nossos.

Um hino, como já vimos, é um casamento de texto sagrado, normalmente em versos, com a música. São duas maneiras de expressão fundidas num só propósito, multiplicando o poder de penetração.

Assim como acontece com o casamento (união nos três aspectos do ser humano – físico, mental e espiritual), mais feliz e poderosa será a união de verso e música se se harmonizarem perfeitamente nos aspectos físicos (tamanho das ideias – número de silabas e sons), mental (perfeita coincidência das acentuações, inflexões) e espiritual (caráter, das ideias e sentimentos que provocam). Hinos desajustados são casais desajustados. O conteúdo do texto pode sofrer, ao estar desajustado de sua companheira, a música, tanto quanto um pregador que pode ser levado a ruína devido a desajustes com a esposa. As leis que regem este ajuste, ou seja, as leis da poesia e da música são tão antigas e naturais quanto as da natureza, pois a ela pertencem, criadas por Deus e não por homens, embora estes, sentindo e pensando, as descubram. Os objetos já caíam muito antes de Newton formular a lei da gravitação universal. Assim também os seres humanos: basta-lhes um pouco de senso estético para perceberem quando qualquer lei dessas artes é violada.

Test., vol. IX (págs. 143 e 144) menciona a necessidade de “uma entoação clara e uma distinta elocução (ou emissão)” no cantar, e que, com os erros cometidos, “a música perde o devido efeito sobre o espírito dos presentes” (Test. IV, pág. 71). Essa correção só é possível quando a composição de um hino é feita de acordo com as leis naturais que regem a melodia, o contraponto, a harmonia, o compasso, o ritmo, a fraseologia e a prosódia musicais, etc., e se for executado também

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sem erros.

O ideal seria que o compositor (da música) fosse o próprio autor (da letra), e que ele conhecesse profundamente como fazer tudo corretamente. Entretanto este conhecimento se tem demonstrado bastante deficiente entre os que procuram compor hinos, cânticos, e corinhos. Por vezes, pessoas que nem sabem ler ou escrever música (analfabetos musicais), nem poesia, estão inventando músicas para serem cantadas. É claro que esse tipo de composição será paupérrimo e que alguém terá que escrever para a pessoa, incrementando-o, sem poder eliminar os erros de origem e estrutura. Daí nunca sairá coisa boa.

Um dos assuntos menos conhecidos pelos compositores dentro da arte musical é a Fraseologia. Normalmente ela vem às composições pelo processo empírico da sensibilidade pessoal, intuitiva, em vez de vir por um processo consciente das leis que a regem. A sensibilidade inconsciente, porém, está mais sujeita a erros.

Para que todos entendam, será interessante dizermos que a música está escrita de maneira ligada, como a Bíblia no tempo em que foi escrita, s e m d i v i s õ e s d e p a l a v r a s n e m p o n t u a ç ã o o q u e t o r n a b e m m a i s d i f í c i l a l e i t u r a e a c o m p r e e n s ã o d o t e x t o. Infelizmente a música ainda está escrita dessa maneira, e só a Análise Fraseológica é que revelará onde começam e terminam as “palavrinhas” da música na frase, e os componentes das frases e períodos musicais, bem como seus limites. O que a divisão das palavras e a pontuação fizeram pela linguagem escrita, a Análise Fraseológica faz pela música.

Os adventistas no Brasil já se acostumaram a cantar em seus cultos, sentindo as frases da música porque têm o único hinário do mundo que se preocupou com o assunto, associado à Prosódia Musical.

Prosódia no estudo da língua Portuguesa é a arte de bem acentuar as palavras ao pronunciá-las. Prosódia Musical é a arte de fazer coincidir as acentuações das palavras com as acentuações da música, ou vice versa; sons acentuados com silabas tônicas.

Para que todos sintam a importância do assunto, procurem cantar o hino nr. 1 do Cantai ao Senhor (A mesma música permanece no Hinário Adventista), começando com as seguintes palavras:

“Jesus Cristo, com fé Te adoramos!”

O que todos entenderam? Vejam se não foi isto:

‘Gê zuscristô, confeteá doramôs!”

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Não é necessário fazer favor a ninguém para reconhecer que estas palavras, por mais belas e significativas que possam ser, nunca foram feitas para esta música, nem a música para estas palavras. Casamento horroroso!

É também interessante notar que, na hora de as duas partes se unirem, há sempre, invariavelmente, o fenômeno de a música ser a dominante na questão de conservar sua acentuação, em detrimento da acentuação das palavras; e mais, a frase da música, como acontece com as acentuações, também é dominante no sentido de forçar a frase verbal ao seu esquema. Este fenômeno não sofre reversão, e por esta causa, talvez, o nome deste estudo na música e nos hinos se conserve “Fraseologia Musical” e “Prosódia Musical”.

Por isso tio Luiz, ao trabalhar com a letra deste hino que usamos como exemplo, colocou acertadamente as palavras:

“Ó Deus de amor, vimos nós Te adorar” – casamento perfeito entre letra e música – e todos entendem o que se está cantando.

O aspecto seguinte que deve ser mencionado é o do caráter da música e o caráter das palavras. Quando se usa a música de um hino sacro para se fazer uma paródia de “gozação” sobre qualquer assunto profano e sujo, todos coram e reconhecem que houve uma profanação, e que nunca se deveria lidar assim irreverentemente com tal música.

Estranhamente, entretanto, quando as palavras religiosas estão associadas a músicas profanas, ou musiquetas de caráter igual àquelas inspiradas pelo inimigo na música popular, afetando, com sua linguagem ou mensagem musical, a mente de maneira semelhante, então muitos na congregação e na plataforma, ao terminar o cântico, dizem: “Amém!” Os olhos do discernimento estão fechados quando se trata da música secularizada, mas percebem quando se trata de profanações na letra. Não é uma aberração do ouvido laodiceano?

Mais estranho ainda é que a exploração comercial deste material híbrido é sancionada por muitos líderes e Departamentos da própria Organização, principalmente sob pretexto de evangelismo, e que a maior parte das gravações existentes, estão afetadas com este tipo infeliz de casamento entre letra religiosa e música popular; isto após ela mesma ter, em 1972, feito seu pronunciamento oficial quanto à Filosofia Adventista de Música.

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E continua sendo estranho também, que enquanto uns que ainda têm discernimento nem podem entrar num SELS, por exemplo, sem sentirem ansiedades pelo fim do mundo para se verem livres logo deste tipo de música que permeia a atmosfera, e estar no Céu onde não haverá música popular, outros estão ávidos por esta dieta musical inebriante; as pouquíssimas gravações puras permanecem empoeiradas nas estantes. E todos pertencendo ao mesmo movimento laodiceano.

E estranhíssimo ainda é que, além da cobertura, nossos órgãos de imprensa fazem as maiores propagandas dos conjuntos e gravações que apresentam as piores formas musicais híbridas. Parece que é sempre mais fácil navegar a favor da correnteza, da maré, também no campo musical, não importa para onde ela leve.

Quantos artigos, principalmente ainda na década de 70, do Dr. Harold Lickey, Dr. Harold B. Hannum, de E. Margaret Clarkson, Milton G. Crave, Dr. H. Lloyd Leno, Philip Yancey, Rute Jaeger Butain, M. D. Guarda (RA, 11/81), Gelard Fuller e Bob Larson, Elsie Landon Buck, Melwin Munn, Paul Hamel, Kenneth H. Wood, e tantos outros, foram esclarecendo, conscientizando e condenando um tipo de música que pela própria imprensa agora é bajulado, promovido, principalmente em reportagens dos noticiários.

Diante de tanta incongruência, parece que a profecia que analisamos no capitulo V acabará não sendo uma profecia condicional, mas plenamente cumprida em nossos dias, infelizmente, a despeito do remanescente fiel.

Permanece, no entanto, o fato de que Deus é o paradigma da beleza e da perfeição, e a nós compete, por todos os meios, sempre aferir nossos conceitos e padrões pelos divinos, e esforçarmo-nos por atingir o mais elevado grau de beleza e perfeição possível ao Homem em tudo o que fizermos em matéria de música sacra.

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Capítulo 9

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