Música, Adventismo e Eternidade – Capítulo VI

por: Pr. Dario Pires de Araújo

Música Sacra

Há relutância por parte de muitos (principalmente os comprometidos com a música pop-religiosa), em definir música sacra, tanto quanto estabelecer um conceito de música. Isto porque qualquer definição excluirá a ideia de que “vale tudo” na música hoje, quer na igreja ou não.

Quem está inclinado a aceitar a ideia de que todo e qualquer fenômeno acústico já faz parte da música terá que admitir que um computador pode inspirar, ou ser inspirado a produzir música sacra. Mas um adventista que acredita em Deus como fonte e origem da arte e, por conseguinte, da música celeste (da qual deriva a da Terra) não tem outra opção senão aceitar a ideia de que a música vem através da própria natureza com base no fenômeno físico-harmônico dos sons naturais e musicais, e desprezar tudo o que seja ilógico e artificial, explorado e valorizado pelos musicólogos contemporâneos.

Para o conceito de música, teremos que ficar com o de que seja a arte que utiliza os sons de maneira ordenada, relacionados natural e inteligentemente para expressão e transmissão de sentimentos, ideias e experiências estéticas; e para a música sacra, ou sagrada, temos que ficar com o conceito de ser a que se origina com Deus, ao inspirar um instrumento humano, destinada a trazer benefícios espirituais ao próprio indivíduo, bem como a seus semelhantes, e refletir-se novamente a Deus.

A Bíblia é a Sagrada Escritura que veio de um Deus santo através de “homens santos de Deus” que “falaram inspirados pelo Espírito Santo” (II Ped. 1:21); assim também a música sacra provém de um Deus santo e é um instrumento de salvação no mundo. Os homens e mulheres que a compõem e executam, se forem mordomos cristãos, reconhecerão que ela é legitimamente usada quando não for objeto de exploração comercial com vistas a lucros e enriquecimento próprios, e sim, usada na grande causa divina de salvação.

Será muito difícil distinguir se certa música e sacra ou não? Não bastaria um rótulo de sacra para sabermos?

Antes de prosseguir, seria interessante relembrar que as

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músicas se classificam em três gêneros:

1 – Erudito – Produzidas e executadas pelas pessoas que estudam e praticam as leis naturais da música.

2 – Folclórico – De autor desconhecido por serem usadas pelo povo em transmissão oral, tradicionalizadas em funções específicas dentro da comunidade ou região onde existem, sem sofrer exploração comercial nem influência de ondas ou modas.

3 – Popular – Produzidas entre o povo por autor conhecido, praticadas debaixo de intensa exploração comercial por ídolos naturais ou fabricados, e promovidas pelas Gravadoras, Rádios e TVs que manipulam os meios de comunicação e massificam os gostos da sociedade de consumo; sofrem influência da moda, normalmente sobre fórmulas rítmicas repetitivas, e incluem, além de canções e música sertaneja, todas as danças que não sejam folclóricas ou “ballet”.

Cada qual destes gêneros possui suas características próprias e peculiares na melodia, na harmonização, nas formas musicais (tipos de peças), no ritmo, e, muito importante, na maneira de executar e nos instrumentos que usa. Cada qual, portanto, produz uma atmosfera sonora diferente e cria um estado mental próprio. O que determina o gênero musical não é tanto o rótulo, mas o conteúdo com suas características e os efeitos que produz.

Músicas com palavras religiosas existem dentro dos três gêneros, mas a grande questão é: Existe música sacra nos três gêneros? Pode haver música sacra que seja folclórica? Pode música sacra existir no gênero popular? A música popular pode ser santificada e santificar apenas com as palavras religiosas? Transforma-se o gosto pelo gênero popular só em virtude de algumas palavras que falam de Jesus? O estado mental e os efeitos psicossomáticos da música popular são magicamente mudados com as insinuações religiosas da letra?

Ficou evidente, principalmente no capítulo anterior, que a música do gênero popular nada tem a ver com inspiração divina, pois Deus não tem interesse algum nela. O gênero folclórico, por ser tradicionalizado em usos específicos para atividades definidas onde existem (ex: canções de ninar, brincadeiras de roda, canções para bebedeira e trabalho, danças folclóricas, etc.), provavelmente terá contribuição muito insignificante para a música sacra, e assim mesmo se

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tiver origem européia religiosa e soar como música erudita hoje.

Por eliminatória, resta-nos o gênero erudito. Música sacra é música erudita.

Além disto devemos notar que, desde que os Movimentos de Reforma do séc. XVI estabeleceram os tipos básicos de música sacra que herdamos do protestantismo, o mundo assistiu à passagem do classicismo, do romantismo e do modernismo musicais em comboios sucessivos, cada qual carregado de grandes gênios musicais, guiados por Bach, Beethoven, e Debussy, respectivamente.

No período do classicismo floresceu um tipo de música vigorosa com base numa harmonia natural e lógica. Seus vários tipos de música, obedientes às leis naturais, afetavam em cheio o cérebro das pessoas; era música racional inteligente, embora fizesse também vibrar as cordas do sentimento.

Passada esta época, parece que o coração das pessoas subiu para a cabeça. A música, embora ainda seguisse leis de harmonia e forma, apresentou-se dando mais importância à melodia e ao virtuosismo, e expressava basicamente mais o que pedia o coração, música rica em sua parte sentimental.

No fim do período romântico novas características assumiram papel preponderante. As leis da harmonização tradicional, lógica e natural foram abolidas, e a música passou a manifestar uma atmosfera sonora dissonante, numa exploração harmônica dos sons concomitantes superiores da série harmônica, naturalmente reservados para o timbre; os ritmos se alteraram, se agitaram livres e extravagantes, refletindo já muito da agitação artificial da vida moderna, com suas tendências livres e permissivas.

A música de cada época afeta de maneira diversa o estado da mente e provoca uma reação psicossomática bem característica. A música clássica favorece e estimula as manifestações intelectuais; a do romantismo, os sentimentos e emoções; e, finalmente, o modernismo, pelas dissonâncias e pelos ritmos, provoca reações de tensão, excitamento ou apatia racional, além de movimentos físicos.

A religião verdadeira é equilibrada, mais racional do que sentimental e emotiva, e não deve ser tensa, artificial e agitada como a vida moderna que se reflete no modernismo musical.

Concluímos que a música sacra, que deve ter “beleza,

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emoção e poder” (TS, vol.1, pág, 457), atinge melhor seus objetivos se tender para a atmosfera mental que provocam as músicas do período clássico e do romântico, e que o modernismo musical favorece a um clima de tensão, angústia, suspense, agitação e desequilíbrio que é estranho à religião e ao culto, embora possa ser normal nos festivais pop, ou de rockeiros.

Hinos (endereçados normalmente a Deus) e cânticos evangélicos (dirigidos aos semelhantes), em suas várias formas, são considerados como a Música Sacra que a Igreja usa quando canta.

Cantar não é pôr apenas uma roupa bonita e atrativa nas palavras e sim, unir duas maneiras de expressão, casando linguagem falada com linguagem musical, polarizando, duplicando ou multiplicando o poder de penetração.

Neste casamento, tanto as palavras como a música tem seu caráter, e a Música Vocal Sacra é aquela que une palavras sagradas com música sagrada inspirada por Deus. Este é um casamento feliz, pois as duas linguagens atuam num mesmo sentido para o bem.

É necessária uma análise do caráter da música e das palavras para determinar se é música sacra ou não. O rótulo de XAROPE num frasco contendo veneno não mudará o caráter nem os efeitos do conteúdo. E mesmo que se misture xarope com veneno, ainda assim a mistura será venenosa. O efeito desta mistura do bem com o mal sobre as pessoas é o mesmo que teve sobre Adão e Eva: torna a mente “confusa, e entorpecidas suas faculdades mentais e espirituais” (Ed.25).

Uma vez obscurecido o discernimento, as pessoas nem percebem mais que as palavras religiosas ao serem cantadas não trarão beneficio espiritual se vierem associadas com música popular.

A herança de Laodicéia em sua música sacra é a do protestantismo – formas musicais dentro do gênero erudito. É música sacra da cultura européia, da civilização ocidental. Deus achou por bem que Laodicéia nascesse com esta herança porque, evidentemente, achava que era a melhor que havia. O paganismo e misticismo orientais com sua música de escalas pentatônicas; os elementos rítmicos e melódicos que deitam suas raízes no poluente paganismo africano; as escalas e ritmos usados pelos amerígenas em suas reuniões festivas e danças, a tonalidade árabe com seus quartos de tom, não oferecem contribuição alguma que seja melhor, ou de proveito, para a herança

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que Laodicéia tem. Assim, se estas culturas forem absorvendo dentro de Laodicéia a sua própria herança, estarão crescendo, subindo, elevando seu nível espiritual, chegando ao melhor.

O que Laodicéia não pode fazer é, sob pretexto de culturas diferentes, querer absorver todo o lixo do paganismo internacional e trazer para a sua organização mundial os elementos nocivos da música de outras civilizações. O fato de Deus desejar “que nosso louvor ascenda a Ele levando o cunho de nossa própria personalidade” (CBV, Pág.80) não justifica que adotemos para nosso uso na Igreja aqui o que foi, talvez, aceitável para um escravo americano, ou um havaiano, ou um canibal no sul do Pacifico, ou um indígena asteca. Seria deliberadamente fechar os olhos às orientações divinas para Laodicéia. E se alguém, por exemplo, foi “rockeiro”, não pode chegar à igreja e querer continuar a ser “rockeiro” sob pretexto de que o cunho de sua personalidade é essa; ou se alguém disser que tem sangue de bugre ou africano, nem por isso deve dizer que precisa sambar na igreja por ser cunho de sua personalidade. Caem assim também as tendências e possibilidades para nacionalismos musicais cristãos. Todos devem comparar suas práticas musicais aos princípios divinos, como diz a Filosofia Adventista de Música, e não aparecerão problemas maiores.

Entretanto, o que está acontecendo é uma tolerância plácida ao ouvirmos cantores com microfone na mão, em sons amplificados de sintetizadores, “playbacks”, guitarras e baterias na marcação de ritmos balanceados que pedem movimento, e vozes meio assopradas, ou com pigarrinho, quase entoando com voltinhas e garganteios, em síncopes e descompassos as palavras de alguma mensagem musical “sacra”, com expressões faciais, sorrizinhos e trejeitos copiados dos grandes ídolos do momento para “comunicar melhor”…

No passado o povo de Deus não foi beneficiado com os Aarões “flexíveis servidores de ocasião” (PP, Pág. 331). Hoje parece que muitos, mesmo pastores, se acostumaram a conviver com música popular religiosa no lar, na escola e na igreja. Não querem se indispor com algum compositor ou intérprete bajulados, temem tornar-se antipáticos aos jovens, a algum administrador, evangelista ou líder JA “chegadinho ao pop”; às vezes não sabem, não conhecem e acabam também desenvolvendo o gosto e se esquecem da responsabilidade.

É, porém, dever de quem lidera saber que música é aceitável

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e qual não; jamais diminuir a importância do assunto; entender que o gosto nem sempre é guia seguro; e, sobretudo, saber que “pais cristãos e lideres da igreja prestam um grande desserviço aos jovens quando obscurecem a distinção entre a música aceitável e a não aceitável, e toleram uma baixa qualidade de música e apresentação dentro do contexto da igreja, ‘a fim de manter os jovens na Igreja!'”

“A igreja nunca presta um serviço ao pecador comprometendo-se com o mundo. É melhor que os não regenerados permaneçam fora da igreja até que se submetam aos princípios da igreja, do que ela se tornar semelhante ao mundo, alistando como membros aqueles que desejam trazer suas normas, seus costumes e gostos” (Kenneth H. Wood, Editorial da RH, de 20/01/72).

Em matéria de música sacra, não se trata de ser conservador ou liberal. É questão de princípios e de discernimento para não se confundir leve com trivial, alegre com vulgar, animado com excitante, sacro com popular, manter a linha com não ter linha nenhuma, liberdade cristã com libertinagem existencialista na derrubada de todos os padrões e princípios estabelecidos, que permeia a música popular e a vida de seus produtores.

Poderíamos aqui propor uma série de interrogações para que cada qual pensasse e decidisse se tal e tal música lhe traria benefícios espirituais e Ihe elevaria e enobreceria a caráter, Como fez o Prof. Gerson P. de Araújo em seu artigo “Fogo Estranho Diante do Altar” (RA, Fev. de 89). Acontece, porém, que este tipo de teste só funciona para quem tem discernimento. Para alguém viciado em música pop, o assunto se torna a tal ponto subjetivo que, mesmo que aconteça o contrário, o indivíduo dirá que Ihe faz bem porque gosta ou lhe agrada, como fazem certos fumantes e alcoólatras que “afirmam e provam” que para eles nunca fez nem fará mal o tabaco ou o álcool! O mais difícil sempre é despertar no ser humano o desejo de se corrigir, ou mesmo convencê-lo de que precisa de correção.

O mundo tem apresentado inovações tão surpreendentes que uma geração não entende a anterior, nem a seguinte. Falam linguagens diferentes. Por isso é que parece difícil para um jovem compreender hoje que, para alguém que era jovem há vinte ou trinta anos, é impossível adorar a Deus quando em presença da tal “música evangélica contemporânea”, caracterizada por um ritmo popular que

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naquele tempo era “swing”, “fox trot” e tantos outros ritmos por ele considerados como satânicos para as danças sensuais da época. O que os pentecostais, neopentecostais, católicos e protestantes estão produzindo e praticando em suas reuniões não nos serve de modelo. Satanás reivindica a música evangélica contemporânea (vide RA de 08/ 84 – Editorial).

Sabemos que toda boa música, inclusive a secular que seja dom perfeito como arte, desce do “Pai das Luzes” (Tiago 1:17), e se torna muito útil para desenvolvimento e formação, bem como educação do gosto. O que nos faz bem, como dieta musical durante a semana, nos ajuda a apreciar e utilizar a música sacra em nossa adoração e nas horas sagradas do Sábado. Esta dieta, porém, está na música erudita, e nunca na popular.

Deus sempre fez diferença entre o sacro e o profano, e deixou, como já vimos, orientações para que Sua Igreja o pudesse fazer também. Onde está então o problema? Será que ainda existem pessoas se iludindo com a ideia de “conservar” alguém na igreja, deixando-o praticar livremente música popular na própria igreja? Perdido dentro com a sensação de estar salvo é muito pior do que saber que está perdido fora por não querer entrar, afora o risco de influenciar aos de dentro também para a perdição.

É triste ver principalmente os jovens ávidos em busca de algum material novo, formando pastas com “xerox” dos quatro cantos do mundo, tudo no estilo “country”, “tender rock”, “spiritual”, tudo música popular religiosa; compositores nacionais e estrangeiros se esmerando em introduzir a “pimenta” do ritmo quente como tempero da dieta musical jovem; e, pior do que isto, os arranjadores desvirtuando os grandes hinos da música sacra para torná-las “música de café”, no dizer de Caldeira Filho, antigo critico musical do maior jornal brasileiro.

O resultado ainda mais triste é vermos uma geração se formando acostumada a se conformar com o nível rasante da música “pop”, sabendo apenas apreciar o vazio dos corinhos, apresentando perante o mundo, através de seus cânticos, atestados de pobreza cultural e espiritual. Como dói!

Ah, Laodicéia, “nem sabes que és desgraçada, e miserável, e pobre, e cega e nua” (Apoc. 3:17).

Haverá solução? Estará tudo perdido? Graças a Deus, não! Ele é especialista em casos difíceis e há milhares que ainda não dobraram seus joelhos a Baal!

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