A Música na Igreja Adventista – Parte 1.8

Parte 1

Capítulo 8º: Considerações Gerais

Em todos os hinos e hinários que a nossa Igreja usou, podem ser observadas duas correntes nítidas de origens distintas: uma européia, mais sóbria, mais quadrada, mais pesada, sem influencias do Novo Mundo, e outra Americana, mais variada, mostrando influencias mais livres da época do nascimento da nossa Igreja, como já tivemos oportunidade de mencionar.

A nosso ver, essa variedade de estilo tem sido benéfica até o ponto onde não verificamos influências acentuadas dos gêneros popular e folclórico. Assim, nosso hinário atual possui dosagem mais equilibrada entre cânticos alegres e hinos solenes, dois aspectos da vida do verdadeiro cristão – mostrar alegria e regozijo, sem com tudo pecar contra a reverência e solenidade dos atos de adoração. Daí a importância do bom discernimento na escolha apropriada do que se deva cantar nas diversas ocasiões.

Roderheaver, americano cujo gosto musical sulino, segundo os que o conheceram pessoalmente, às vezes se identificava com os mais ardorosos “spirituals” reavivamentistas, foi um inteligente disseminador e explorador comercial da música religiosa leve; editou muitos hinários, ricos em cânticos do estilo movimentado, como por exemplo alguns de B. D. Ackley.

Achamos a esta altura que seria conveniente recapitular, esclarecendo, a diferença entre hino e cântico evangélico. Segundo John Roderheaver em “Song Leadership” (à pág. 22),

“o hino é endereçado a Deus. O cântico evangélico é endereçado ao povo. O hino é para louvor, culto, adoração e oração. O cântico evangélico dirigido ao povo, é para adverti-lo das conseqüências do pecado; dar a promessa de liberdade, paz, alegria e do Céu. Através dos hinos podemos confessar nossos pecados a Deus, reclamar suas misericórdias e suas promessas, e prometer nossa lealdade e fiel serviço. Através do cântico evangélico podemos apelar diretamente ao povo para fazer a mesma coisa”.

Na pagina seguinte ele próprio explica a verdadeira função de certos tipos de cânticos, como “Brilha no Meio do Teu Viver“, dizendo que “não foram escritos para o serviço do culto, para as reuniões habituais da igreja“, mas sim, “para o uso em serviços especiais, em estabelecimentos, em fabricas, nas escolas e nos bancos“.

Deste ponto de vista, achamos que é da máxima importância a escolha que fazemos de cânticos na igreja, e que será infinitamente melhor em nosso trabalho ou folga cantarmos cânticos evangélicos em lugar de música popular.

O fato de termos cânticos evangélicos mais leves em nosso Hinário, a nosso ver, vem demonstrar uma posição de meio termo adotada que, à semelhança da compilação do Pastor White, contém cânticos alegres, sem serem extravagantes. Por outro lado, a rápida aceitação por parte da grande maioria do nosso povo a estes cânticos mais leves em detrimento dos mais lentos, pesados e solenes serve de termômetro para verificarmos a tendência do gosto musical de nossos irmãos, no mesmo sentido ao das religiões chamadas populares, bem como o poder que exerce os tipos de música popular e de danças populares modernas na tarefa de desviar e distorcer o gosto dos adventistas pela música religiosa mais sóbria.

Para os novos conversos que entram para a igreja após uma vida dedicada a valorizar o gosto pela música profana mais baixa, a própria Igreja tem a responsabilidade de educar e refinar o gosto para uma expressão mais sublime do que a das danças e canções populares modernas. Deste ponto de vista, ficamos inclinados a crer que um evangelismo feito à base de “negro spirituals” como isca para o gosto popular, provoca nos conversos um choque quando entram em contato com as santidades das verdades e dos cultos que pregamos, ou atraem pessoas que às vezes não chegam a transformar seu gosto mundano; na “corrida dos alvos” pessoas são levadas ao batismo, que entrarão, em breve, em choque com o gosto musical sacro, uma vez que foram atraídos por uma espécie de música que lhes confundiu o discernimento; melhor talvez fosse que nossos corais, quartetos, trios, duetos, e cantores evangelistas, mesmo leigos, atraíssem pessoas com o poder que acompanha os cânticos sacros na verdade cristalina, para que não se decepcionassem depois com a música que encontram em nossas igrejas. A porcentagem de apostasias imediatas, talvez diminuísse.

É dever da igreja não só educar o gosto do povo, mas também ajudá-lo a “fazer diferença entre o santo e o profano e entre o limpo e o imundo” (Levítico 10:10).

Baseados nisto, e nos estudos que apresentamos anteriormente, achamos que devemos tomar uma posição definida quanto ao uso dos “negro spirituals“, dos cânticos “religiosos” de caráter popular e de músicas profanas em geral nos nossos cultos e reunião religiosos.

Se estamos empenhados na educação do povo que sofre pressões de influência profana durante o tempo todo, não podemos contemporizar com a associação espúria de palavras religiosas com músicas de caráter popular em tempo algum, sob circunstância alguma e muito menos em reuniões religiosas.

Quanto aos “negro spirituals“, por suas origens e seus elementos que estudamos, sendo música folclórica, não sendo cânticos de fé, tendo nascido de um “cristianismo” defeituoso, sendo contaminados com o elemento “hot” no qual o samba, a marujada, o frevo, a macumba, o candomblé, “o jazz” e todas as danças afro-americanas deitam suas raízes não podem ser nem devem de maneira alguma ser utilizados em nossos cultos; e se cremos que o Sábado é tão sagrado quanto o próprio Deus e Sua Lei, não hesitamos em recomendar que não o usemos no Sábado, em outras reuniões também. Em de semana, se não houver coisa melhor, ele ainda nos trás o inconveniente de estimular o gosto pelo ritmo atrativo e por uma qualidade de música que não é a melhor. As horas dedicadas a ensaios talvez o mereçam ser a um tipo de música mais elevado.

Ao argumento de que eles contem sentimento, respondemos que nossa religião deve ser muito mais racional do que sentimental, mais espiritual do que emotiva. Por esta razão, em todo o nosso estudo jamais traduzimos o termo “negro spirituals“, pois não o sabemos qual a melhor expressão que o traduza: se “espirituoso” ou se “espiriteiro”, ou ainda “espiritado”. Estamos convictos porém, que não o poderíamos traduzir por “espiritual” que se refere a natureza de Deus, ou também a mais nobre face do ser, da pessoa humana. E qualquer obra que nasça de um sentimento de tristeza que não seja o de tristeza pelo pecado que causou o sofrimento de Cristo, esta fora do espírito do cristianismo. É um positivo dever resistir à melancolia…” (C. B. V. pág. 216).

Outras igrejas também sentem esta invasão e tomam posição definida. O cardeal Frings, arcebispo de Colônia, condenou o uso dos “spirituals“, da música sincopada ou de “jazz” na igreja, por não poderem desempenhar “a função confiada à música religiosa.” (O Estado De São Paulo de 6-7-65).

Alguns missionários o trouxeram e divulgaram entre nós, mas, lamentavelmente, talvez por desconhecerem, pecaram em não lhe esclarecer o verdadeiro caráter, com o intuito, quem sabe, de agradar aquele pendor latino pelo ritmo; nossa ignorância nos levou a pô-lo em uso impróprio e indevido como música sacra legitima, criando um clima de franca simpatia pela música folclórica na igreja e no sábado.

O mercado deste material, como o foi na América (“Ethiopian Business“) é muito rendoso, uma vez que explorar o gosto popular e folclórico com o rótulo de religioso.

Se bem que saibamos que modernos compositores e arranjadores com boa formação de fé produzam músicas com textos bem melhores do que os “negro spirituals” verdadeiros aproveitando-se apenas das características da música negra, não achamos que possam ter mérito algum em lançar mão daquele elemento “hot” que vai exatamente contra a ordem divina que diz: “Aquietai-vos…” e não “excitai-vos”. Deus ainda fala hoje através da “voz mansa e delicada”, como fez a Elias, e não pelo “vento” das excitações, nem pelo “terremoto” das danças e nem pelo “fogo” dos ritmos “hot“.

Nossa melhor tradição genuinamente sacra foi invadida e abalada por esta influência, e tem confundido por muitos anos o discernimento das pessoas que tomam parte em músicas especiais, fazendo-as transmitir excitação com o nome de alegria. Neste caso ainda será mais fácil achar a Deus, voltando aos cânticos sombrios, do que achá-Lo num tipo de música do qual Satanás se aproveita para desenvolver o gosto pelas músicas de ritmo idêntico que sejam totalmente suas.

Mesmo na América do Norte a linha das igrejas de nível mais elevado tem sido usar apenas músicas genuinamente sacras, sendo que em algumas, o critério tem sido tão exigente que apenas músicas sacras do período clássico normalmente são usadas, como é o caso da Igreja de Andrews University, até mesmo nos cultos de pôr-do-sol da sexta-feira, sob a orientação do Dr. Becker.

A importância do discernimento é tão acentuada que o próprio Manuel da Igreja declara: “Aqueles que não possuem discernimento para a escolha de músicas apropriadas ao culto divino não devem ser escolhidos. A música profana ou de natureza duvidosa e questionável nunca deve ser introduzida nos serviços da Igreja. “M. da I., pág. 147 (noutra edição, 127).

Dentro destas considerações gerais, achamos oportuno citar alguns pensamentos do Dr. Hugo Dario Riffel, que nos últimos anos tem escrito sobre música sacra em “O Ministério Adventista”, de onde extraímos o seguinte:

“Que oferendas musicais apresentaremos perante o Senhor em nossos cultos e em nossos lares? Podemos oferecer música genuinamente religiosa, música de beleza transcendente, de autores inspirados, executada de maneira sóbria e digna, que guie a mente da congregação para pensamentos elevados e puros. Por outro lado, vivemos rodeados de música que brota de receptores de rádios, fonógrafos, etc.; música escrita e executada com o objetivo de excitar os sentimentos do coração carnal. De tal maneira nos envolve essa espécie de música, tão agradável aos ouvidos, que é apresentada a Deus nos serviços religiosos. Todavia, é necessário compreender que o fato de um trecho musical se mostrar agradável aos nossos ouvidos e excitar nossos sentimentos, não é razão suficiente para trazê-lo diante da presença divina. Assim como os frutos da terra, trazidos por Caim certamente belos à vista e deliciosos ao paladar – foram rejeitados, também a referida espécie de música deixara de cumprir seu objetivo, pois não elevará a congregação e será um momento de culto intranscendente e fora de lugar”. (Nº. de julho – agosto de 1965, pág. 20).

No numero de maio – junho de 66, à pág. 18, ele cita um pensamento de H. Hannum, professor de órgão e teoria no “La Sierra College” que queremos transcrever:

“Algumas pessoas cultas podem ser afugentadas duma igreja que recusa elevar o nível de sua música religiosa. Seria muito desafortunado para a igreja apresentar um nível musical inferior ao que o público educado, não crente, espera encontrar nela. A igreja de nossos dias não deve ficar atrasada no tocante à sua música”.

Cita, ainda, na mesma pagina, do Cardeal Newman, o seguinte:

“A música é a expressão de ideias mais importantes e profundas que qualquer outra do mundo visível; ideias que se concentram nAquele que é a sede de toda a beleza, toda a ordem e toda a perfeição”.

Do numero de novembro – dezembro de 1966 à pág. 21, transcreveremos o seguinte:

“Sempre se deve ter em mente o lugar que a música ocupa nos serviços religiosos. Ela é um meio e não um fim, e seve servir para aproximar os crentes de Deus, elevar-lhes os pensamentos e inspirar-lhes o coração”… “Toda música que traga à mente dos assistentes a um culto pensamentos, sentimentos, associações de ideias ou recordações que não os elevem espiritualmente, deve ser evitada, pois se não cumpre seu objetivo, perdeu a razão de ser”.

Sendo a música uma arte, como a poesia, alguns a consideram nos cânticos como simples vestimenta para o texto. Esta ideia é frágil. A música é por si só uma linguagem de expressão riquíssima que, isolada da arte poética, pode falar igualmente alto; o que acontece quando cantamos é uma soma de poder de penetração, uma união de duas linguagens num mesmo objetivo. Ora, sendo uma união, não a podemos comparar com o corpo e vestido, mas sim com um casamento de dois indivíduos distintos, unidos num só ideal. Se não fosse assim, para que cantarmos? Bastaria recitarmos o verso e teríamos o mesmo poder. Por que, pois, ignorarmos a verdade musical e a relação entre verso e música nos hinos que cantamos?

Assim como acontece com o casamento (união nos três aspectos do ser humano – física, mental e espiritual), mais felizes e poderosa será a união de versos e música se harmonizarem perfeitamente nos aspectos físico (tamanho das ideias – número de silabas e sons), mental (perfeita coincidência das acentuações, inflexões) e espiritual (caráter das ideias e sentimentos que provocam). Hinos desajustados são casais desajustados.

Não há dúvida de que se torna, principalmente para uma língua como a nossa que é rica em palavras de várias sílabas, bem mais difícil um trabalho dessa natureza, que requer mais estudo, desenvolvimento, esforço e tempo do que deixar a inspiração boiar a esmo; mas é compensador o poder de forças conjugadas, assim como é compensador a felicidade de um casamento bem ajustado; e qualquer mudança radical neste sentido, sendo consciente, exige muita coragem, convicção e ousadia que não pode ser confundida com atrevimento característico da ignorância.

O texto pode sofrer,ao estar desajustado de sua companheira – a música, tanto quanto o pregador que pode ser levado à ruína por desajustes com a esposa. As leis que regem este ajuste, ou seja, as leis da poesia e da música são tão antigas e naturais quanto as da natureza, pois a ela pertencem, criadas por Deus e não por homens, embora estes, sentindo e pensando, as descubram. Os objetos já caíam muito tempo antes de Newton formular a lei da gravitação universal. Basta um pouco de senso estético para se perceber quando qualquer delas é violada.

É necessário que se tenha em mente também que os conceitos de beleza podem se transformar com o tempo, inclusive o do uso de palavras; usarmos hoje expressões como “a flux”, fere um pouco os conceitos atuais de beleza.

Cristo cantou a maneira hebraica, muito parecido com aquele tipo sombrio de música que temos no “cantochão” da Igreja católica, não querendo dizer com isto que devamos hoje cantar da mesma maneira; mas Cristo hoje, com seus ouvidos de Criador, perceberia acentuações deslocadas, que prejudicam a compreensão das palavras, decorrente da violação de leis naturais por Ele estabelecidas. Se prosódicamente falamos e escrevemos corretamente, devemos também cantar prosódicamente certo.

O evangelho deve ser pregado também pelos cânticos, mas de maneira tão perfeita quão perfeito Ele é.

Se do púlpito não pregamos, nem oramos “graças”, “Cristo” “gentil”, por que cantaríamos desta maneira? O erro é o mesmo. E se pudéssemos ir cometendo erros livremente, Deus não teria inspirado a Srª. White a escrever:

“O canto é em geral feito por impulso, ou para satisfazer casos especiais, e outras vezes os que cantam tomam a liberdade de ir cometendo erros, e a música perde o devido efeito sobre o espírito dos presentes. A música deve possuir beleza, sentimento, e poder”. Testemonies. IV, pág. 71.

Os erros aí mencionados logicamente não se referem a erros doutrinários da mensagem que pregamos, e sim a erros musicais. Por outro lado não achamos que coisas erradas possam ter o máximo de beleza, sentimento e poder.

Testemonies Vol. IX (págs. 143 e 144) menciona a necessidade de “uma entoação clara, uma pronuncia correta e uma emissão distinta”, no cantar. Como podemos cantar com pronuncia correta se cantamos desta maneira: [a escrita gramaticalmente errada serve para representar os erros de entonação – acentuação – e pronúncia mais comuns; as letras repetidas tentam demonstrar as “voltinhas” (melismas) que não permitem a compreensão das palavras. A leitura poderá parecer risível, mas é a mesma sensação que causa em um bom ouvinte (além da irritação, é claro)][1]:

“Graçás a Deuuuuu por Suá bondadê e mortê pelôs pecáaaadorês”; ou:

“Jêeesuuuus meu Redêntor, venhô a Ti”?

Ou então, mesmo com acentuações mais corretas, mas: [os espaços entre as palavras representam as respirações fora de lugar, provocando cacofonias (p. ex.: “Jesus, Teu nó me satisfaz”); os sublinhados são as ligaduras feitas de forma a confundir as palavras (os acentos gráficos nas palavras ainda sugerem algumas entonações equivocadas)]:

“Jesus, Teu nó me sátisfaz,
Por todo o or be es palha a paz;
Perfeito go zo e vida traz…”.

Ou ainda:

“Carê ço de Jesus,
Habi ta, pois, em mim,
E vêm cedor serei
Por fir me fé em Ti”.

É difícil imaginar e supor que os anjos tivessem cantado: “Glóriá a Deuuuuus, nas álturás, boá vontade ná Terráaaa…”

“A música faz parte do culto de Deus nas cortes celestiais, e deveríamos esforçar-nos, em nossos cânticos de louvor, por nos aproximar tanto quanto possível da harmonia dos coros celestiais” (P. P. pág. 662). A magnificente beleza da música celestial não é fruto da voz superior dos anjos, e da impecável maneira de expressão, mas também da perfeição da forma musical que usam.

Existe apenas uma desculpa para cometermos erros – se não somos capazes de fazer melhor.

É nas limitações humanas que está a resposta a usarmos hinos e cânticos imperfeitos. Convenhamos, porém, que nos compete fazer o nosso melhor.

E sobre cada obra ou cântico que oferecemos a Deus, imaginemos as letras que Bach colocava sobre sua obra: “S.D.G.” (“Soli Deo Glória”).

Nossa responsabilidade para com os futuros obreiros é a de esclarecer, para que ao se dedicarem à tarefa, não o façam ignorando a importância do discernimento e da cultura musical, principalmente sacra.

Por esta razão apresentaremos também anexo um resumo fácil da parte teórica da música, o suficiente para se entender a escrita musical, sem o que permaneceremos, a semelhança da linguagem escrita, analfabetos musicais por melhor que possamos cantar.


Nota:

[1] As expressões entre [colchetes], assim como esta nota de rodapé, são de autoria dos editores do Música Sacra e Adoração, não constando do original. Não acrescentamos com estas expressões nenhuma informação de relevância, apenas para ajudar o leitor a entender algum trecho que nos pareceu obscuro.


Capítulo 1º – Parte II

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