A Música na Igreja Adventista – Parte 1.2

Parte 1

Capítulo 2º: Reavivamentismo

Queremos apresentar um eminente historiador e musicólogo, critico e especialista que passou a vida quase toda estudando, falando e escrevendo sobre música, e que na década passada escreveu sobre a música de sua própria terra na monumental obra de 675 páginas e que deu o titulo de “America’s Music” (1955); autor também de “The Music of Spain” (1941) e “Guide to Latin American Music“; ex-crítico musical em Paris, ex-redator associado da Enciclopédia Internacional de Música e Músicos, especialista latino-americano da Divisão de Música da Biblioteca do Congresso, supervisor de música da Universidade do Ar na NBC, diretor educacional da RCA Victor e preletor de música americana na Universidade de Columbia, e ultimamente adido cultural no Peru e em Buenos Aires, tendo a seu critério a apresentação de colossal bibliografia de nada menos de 34 paginas das 675.

No prefácio desta obra Douglas Moore afirma: “Do Salmo ao Jazz (título que recebeu o livro na tradução para o português), quiçá pela primeira vez, dá importância, imparcialmente, a todas as correntes do pensamento musical que influenciaram o nosso desenvolvimento.”

Sigamos um pouco o pensamento deste musicólogo que tem realmente autoridade para escrever, e que se chama Gilbert Chase.

Como dissemos, não nos vamos demorar nos grandes ancestrais hinológicos dos reformadores Lutero, Calvino, Huss e outros, mas já nos tempos dos Wesleys na América, após a influência, por exemplo, de Zinzendorf e Watts. Sim, naquele tempo dos vigorosos pregadores como Wesley, Whitefield, Edwards, cujo evangelho no dizer de Thomas C. Hall era, em essência, “a proclamação intensamente individualística dum meio que permitia à alma fugir à danação eterna. O teste de conversão era mais reação emocional do que aceitação intelectual duma exposição de doutrina”. E. Chase prossegue, após fazer a citação supra (pág. 43):

“Se tivermos em mente esse duplo conceito de salvação individual e aceitação emocional, ele nos fornecerá o fio condutor para acompanhar o curso do reavivamento musical na América. Advirtamos, ainda, que esse individualismo coletivo [era um] dos principais ramos dissidentes ou reformadores.”

Dos principais grupos desses dissidentes, como quacres, morávios, batistas, presbiterianos e congregacionistas, o grupo que mais se salientou no rebaixamento da maneira de cantar [foram] os “shakers“, inicialmente chamados “Shaking Quakers” por ser ramificação dos quacres; uma das duas subdivisões dos “shakers” foi dirigida por Ann Lee que se dizia ter visões e ser espiritualmente “possuída”, veio para a América, e, a respeito desta seita diz Chase:

“Cantar, dançar, sacudir-se, correr, pular – tudo isso eram meios de que se serviam os ‘Shakers’ para exprimir o jubilo de sua fé religiosa e da sua vitória sobre a carne e o diabo”. “Essa crença na realidade corpórea do demônio, essa afirmação de fé e de vitória espiritual pelo canto e pela violência do movimento físico, tiveram plena manifestações nas reuniões de reavivamento do século XIX” (pág. 50).

Mas antes de entrarmos no “reavivamento” propriamente dito, devemos lembrar alguns fazedores de música após Andrew Law, como Belcher, Read, Swan, Holden, Morgan, e chegamos a Jeremiah Ingalls (1764- 1828), que alem de “taverneiro” foi “diácono da Igreja Congregacional”, diretor de coro, professor de escola de canto, compositor e compilador de música”. Sua obra impressa em 1805, “The Cristian Harmony“, encerra numerosas melodias muito vivas, evidentemente tiradas de canções ou danças profanas e ajustadas a textos sacros (pág. 125). E mais adiante (pág. 126) lemos: “É evidente que Ingalls estava muito próximo da hinologia folclórica do seu tempo”. Ele foi o primeiro compilador a incluir em sua coletânea as canções de “camp meetings” reavivamentistas.” Devemos lembrar ainda que a escravatura era uma realidade ampla por essa época, e o negro aparecerá junto ao branco nas reuniões campais reavivamentistas.

Mesmo sobre Lowell Mason e seus companheiros de época, como Hastings, Bradbury, hoje relativamente bem conceituados entre nós por muitas de suas boas obras, pesam graves declarações da História da Música:

“O sistema de saquear a música profana para dela fazer melodias de hinos não era como já vimos em capítulos anteriores, nenhuma novidade. Os Wesleys, entre outros, o tinham posto em pratica. A principal diferença esta em que Lowell Mason e os seus companheiros foram mais sistemáticos e obtiveram mais êxito do que seus predecessores”.

E, seguindo, à mesma página 143:

“A esta altura, o leitor terá começado a perceber que a importância dada à música religiosa na América, em meados do século XIX, não foi, absolutamente, tão “religiosa” quanto poderia parecer a primeira vista. Dois fatores aceleravam a tendência à secularização. Um era o uso crescente de melodias tiradas de composições profanas; realmente, qualquer música que agradasse ao gosto da época, fosse qual fosse a origem, tinha probabilidade de ser adaptada a um hino. O segundo fator consistia na importância crescente que se dava à qualidade da execução: a maneira de cantar foi-se tornando quase mais importante do que o que se cantava. Também nesse sentido, Lowell Mason foi líder influente”.

Quando estudamos a obra de Davisson, de Carrell, de Moon, de Caldwell, de Walker, de White, do Dr. Mauser, de Mc Curry, dos dois irmãos Everrett e de McIntosh, todos preocupados em tornar o evangelho mais acessível, com cânticos mais de acordo com o gosto popular, já estamos dentro do período dos reavivamentos e “camp meetings”, assunto que nos interessa bastante, e que teve o seu inicio em julho de 1800 com Francis Asoury, o primeiro “circuit rider” (pregador itinerante), no Kentucky.

Qual era a atmosfera, o ambiente e o espírito destas reuniões campais? Que se cantava, e como?

Chase cita do diário de Lorenzo Dow (1777- 1834), fervoroso e entusiasta reavivamentista que chegou a estender este movimento até a Inglaterra, uma passagem significativa quanto à maneira que era praticado o canto:

“Tenho visto presbiterianos, metodistas, quacres, batistas, anglicanos e independentes tomados de sacudidelas; cavalheiros e damas, negros e brancos, velhos e moços, ricos e pobres, sem exceção.”

Na mesma pagina (193) e na seguinte, ele faz uma descrição resumida da atmosfera que reinava, de acordo com narrações da época:

“Era noite que o frenesi reavivamentista alcançava a intensidade máxima. Ao clarão das fogueiras que rodeavam o campo, os pregadores iam por entre a turba exortando os pecadores a arrependerem-se para escapar ao fogo do Inferno. O canto se avolumava a terra, homens e mulheres sacudiam-se, saltavam ou rolavam pelo chão até que desmaiavam e tinham de ser carregados. Entre soluços, gemidos e gritos. Homens e mulheres apertavam as mãos uns dos outros e davam vazão a todas as suas frustrações e emoções em grandes transportes vocais que culminavam no “êxtase do canto”.

“Jesus, concede-nos a todos a tua benção,
Gritando, cantando, fá-la descer a nós;
Senhor, possamos subir ao céu rezando,
Jubilando-nos no teu amor.
Gritar: Oh, Glória! Cantai: Glória, Aleluia!
Eu vou para onde a alegria nunca morre.”

(Tradução feita pelos tradutores da obra).

Cremos que qualquer comentário seja dispensável, pois exemplos, talvez um pouco mais discretos, conhecemos vários de “shows” semelhantes que muitas religiões chamadas populares nos oferecem ainda aqui no Brasil por ocasião do “derramamento pentecostal” em que os fiéis ficam “possessos”.

É interessante notarmos que este tipo de cânticos usados nas reuniões campais também recebem o nome de “spirituals” reavivamentistas, como por exemplo, dos mais antigos, que trata do reino de Satanás, publicado em “Revival Hymns”, compilação de H. W. Ray (Boston, 1841) – “Satan”s Kingdom Is Falling Down” (O reino de Satanás está ruindo).

“Esta noite minh”alma se reacendeu, Aleluia!
Sinto que o céu se aproxima, Glória, Aleluia!”
Coro:
“Gritai, gritai, estamos ganhando terreno, Aleluia!
O reino de Satanás esta ruindo, Glória, Aleluia!”

(tradução dos tradutores da obra).

Os temas preferidos destes cânticos, são a Terra de Promissão – Canaã, o Jordão, a Nau de Sião, o Egito, o Redentor, não faltando neles, em geral, os “Glória”! e “Aleluia “!

Durante uns dez anos a partir de 1837, os “Shakers” sofreram um acentuado reavivamento, com a produção de muitos cânticos, sempre desafiando o diabo, sempre lutando contra a carne, e, por vezes, possuídos de espíritos, desde os de indígenas até os de ilustres personagens do passado; os característicos, porém, de suas reuniões religiosas, eram os mesmos, como descreve uma testemunha ocular, A. J. McDonald, citada por Chase (pág. 214):

“À medida que cantam e dançam, os fiéis vão ficando mais fervorosos, depois excitados até chegar ao frenesi até que não reine senão aquilo que o “Mundo” chamaria desordem e confusão. Crescendo a excitação, toda ordem é esquecida, às vozes abandonam o uníssono, berra, exulta de transbordante alegria… As mais prendadas dentre as mulheres põem-se a rodopiar a uma velocidade incrível, com os braços estendidos horizontalmente, as saias levantadas como um balão pela força centrífuga que a rapidez do movimento produz. Depois de darem de cinqüenta a mil voltas, elas ou desmaiam e caem nos braços dos amigos, ou param de súbito, com pouca ou nenhuma aparência de tontura. Por vezes, os fiéis se põem a correr pela sala , com movimentos amplos de mãos e braços, simulando o ato de expulsar o Diabo.”

E continua Chase:

“Os pormenores podiam ser diferentes, mas os sintomas gerais eram os mesmos que os manifestados nas assembléias de reavivamento de outras seitas separatistas.”

Estamos mencionando estas coisas não pelo prazer de demorarmos na exploração de barbaridades musicais “sacras”, mas para chamarmos a atenção à mistura confusa que acompanhava a música sacra mais decente e elevada, e que nunca deixou de existir, mesmo neste apogeu do reavivamentismo entre os anos de 1830 e 1850 (período de suma importância para a História de nossa Denominação).

Teologicamente analisando o efeito deste tipo de música sobre os participantes, quer como histeria coletiva, quer como possessos de demônios, está tão fora dos objetivos da música religiosa, que achamos que nem mereçam esta análise mais profunda.


Capítulo 3º

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