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A Música e o Computador – Parte I

por: Angelino Bozzini

O ponto de encontro entre a Arte e a Tecnologia

O namoro entre a música e a dupla ciência/tecnologia é muito antigo. Já cinco séculos antes do nascimento de Cristo, o filósofo grego Pitágoras estabelecia as bases físicas e matemáticas do universo sonoro. As descobertas dos séculos seguintes não acrescentaram muito às teorias de Pitágoras; elas tinham caráter eminentemente prático e foram utilizadas basicamente no aperfeiçoamento da construção de instrumentos musicais.

No final do século passado, porém, o físico alemão Hermann Helmholtz revisou as teorias de Pitágoras e fundou as bases da acústica moderna. Destaca-se no seu trabalho a prova científica da existência dos sons harmônicos.

Com o conhecimento decorrente das descobertas de Helmholtz e o desenvolvimento da eletricidade, em 1920 começaram a aparecer os primeiros instrumentos musicais cujo som era produzido eletronicamente. Dentre eles, um dos mais famosos é o “Ondas de Martenot”, idealizado pelo compositor francês Maurice Martenot e empregado por vários compositores como Honegger e Messian. Seu som era semelhante ao de um serrote tocado com arco.

Esses instrumentos tiveram seu auge com os órgãos e os sintetizadores eletrônicos, que no princípio buscavam imitar os instrumentos acústicos tradicionais. Com o tempo, os compositores descobriram que podiam criar sons inusitados e mesmo impossíveis de serem produzidos pelos instrumentos convencionais.

Essa evolução deu origem a um capítulo novo na história da música: a música eletrônica. Os instrumentistas olhavam desconfiados para as novidades; muitos compositores acreditavam que nunca mais precisariam da boa vontade dos músicos para dar vida à sua imaginação. Falava-se mesmo que, em pouco tempo, os instrumentistas não seriam mais necessários e que os compositores poderiam ter controle sobre todo o processo.

Isso não era verdade, mas o fato é que os papéis estavam mudando: os compositores tinham mais poder, os músicos precisavam de mais versatilidade. Lá pela década de 40 construiu-se nos Estados Unidos o primeiro computador. Possuía 18.000 válvulas, pesava 30 toneladas, consumia 150.000 W de energia e não era mais potente que uma calculadora de bolso atual. Computadores eram máquinas enormes, caríssimas e utilizadas apenas por governos ricos ou grandes empresas.

Foi na década de 70, com o surgimento dos primeiros microcomputadores, que a música e a informática começaram sua relação. O que faz do computador um instrumento fascinante para o trabalho musical? Para responder a esta pergunta temos primeiro que saber…

O Que é um Computador?

O computador, definido em poucas palavras, é um instrumento complexo capaz de processar informação numérica. Essa definição poderia ser a de uma calculadora; o que torna o computador diferente?

Para o computador esses números não são simples algarismos, mas sim códigos numéricos que podem representar sons, letras, números, imagens, e qualquer tipo de informação que possa ser quantificada. Para poder processar tudo isso é necessário que elas estejam traduzidas para um formato numérico.

Uma vez digitalizada, o computador pode manipular essa informação, reproduzindo, alterando, analisando e reorganizando-a. As possibilidades são praticamente ilimitadas. Pode-se virtualmente criar e transformar qualquer coisa que possa ser imaginada – tudo processando-se dados numéricos.

Mas como transformar o som em números?

O Som Digital

Para se digitalizar um som precisamos em primeiro lugar saber quais parâmetros queremos traduzir. Esses parâmetros são os mesmos que caracterizam qualquer som: duração, intensidade, altura e timbre. Para cada um deles precisamos de uma “régua” que possa medi-los.

Imagine, por exemplo, que você queira digitalizar a intensidade de um som e, para isso, disponha de uma régua com quatro marcas: 1)fraco, 2)médio, 3)forte e 4)fortíssimo. Ao atribuir um código à intensidade de um determinado som, você o compararia com o padrão de sua régua e atribuiria a ele o código que mais se aproximasse.

É importante notar que se um som tiver uma intensidade entre médio e forte você só pode atribuir a ele o código 2 ou 3, pois sua régua não possui valores intermediários. Assim, a qualidade de sua digitalização vai depender da quantidade de valores que a “régua” de seu computador permite registrar.

Isso explica porque as primeiras experiências musicais realizadas com computadores possuiam uma quantidade sonora sofrível. As nuances que o computador permitia registrar estavam muito aquém daquelas existentes no mundo sonoro real.

Hoje em dia, a capacidade de processamento dos computadores aumentou muito e a fidelidade de reprodução chega a enganar muitos ouvidos apurados. A tecnologia descrita acima é a empregada na gravação dos CDs. Neles está gravada em formato numérico a descrição digitalizada de todos os sons que compõem as músicas lá contidas. É uma quantidade enorme de informação!

Mas e os instrumentos eletrônicos, como codificam seus sons?

O Padrão MIDI

Todo mundo sabe que um “Lá” possui, por definição, uma frequência de 440 hz, ou seja, para produzirmos a nota Lá teremos que gerar uma vibração de 440 ciclos por segundo. Como o Lá, todas as notas têm frequência definidas.

Se atribuirmos um código a cada tecla de um sintetizador eletrônico, um código a cada timbre que ele possa produzir, um código para a intensidade, e finalmente produzirmos um pulso (como o de um relógio) e indicarmos quando um som tem de começar e terminar em relação a esse pulso, poderemos fazer uma “receita” de sons que, interpretada por um instrumento que entenda esses códigos, poderá ser reproduzida fielmente.

Qual a vantagem? Simples, os números necessários para descrever as teclas de um piano são muito menores e em menor quantidade do que aqueles necessários para descrever todas as frequências entre 20 e 20.000 hz (faixa de audição do ouvido humano).

Os principais fabricantes de instrumentos eletrônicos resolveram estabelecer um padrão de codificação musical denominado MIDI (Musical Instrumental Digital Interface – interface digital de instrumentos musicais). Assim, se numa receita aparece o código de timbre no 14, todos os instrumentos que respeitam o padrão MIDI sabem que têm que imitar o som de um xilofone e não de um piano, por exemplo. A grande vantagem dos arquivos MIDI é o fato de eles serem pequenos e facilmente editáveis.

Os Editores de Partituras

Outro emprego importante do computador é na editoração musical. Com o auxílio de um editor musical e de um teclado padrão MIDI acoplado ao micro, podemos rapidamente copiar uma partitura com qualidade profissional.

Entre outras, uma das grandes vantagens dos editores musicais é a capacidade de extrair automaticamente as partes individuais de cada instrumento a partir de uma partitura geral.

Mudanças Provocadas pela Informatização da Música

A flexibilidade e versatilidade dos instrumentos eletrônicos associados ao computador fez com que muitos pseudo-músicos se considerassem possuidores de um talento que na verdade não lhes pertencia. A conseqüência disso foi a proliferação de grupos musicais de baixo nível artístico sustentados por uma parafernália eletrônica. Teclados programáveis de última geração tiraram o emprego de muitos bons músicos.

Mas o bom senso ainda existe. Uma prova disso é o fato de que, nos últimos anos, vários verdadeiros artistas que se utilizam de instrumental eletrônico têm gravado discos “acústicos” , na tentativa de resgatarem um som mais natural, numa relação mais íntima entre músico e som. Esta é também uma forma, talvez inconsciente, de mostrarem que são músicos, independentemente do tipo de instrumento que utilizem.

O Que o Futuro nos Reserva…

Os progressos gerados pela informatização da música são em sua maioria positivos e irreversíveis. Na educação musical, por exemplo, os alunos encontram no computador um professor capaz e paciente. Os estudantes de composição podem ter uma ideia muito clara do que sua imaginação e trabalho intelectual são capazes de produzir. Obras de referência ganham sons, imagem e animação. Através da Internet podemos chegar virtualmente a qualquer canto do mundo, conhecer sua música e trocar ideias com músicos locais.

Pode-se prever que em pouco tempo – desde que se resolvam os problemas econômicos e sociais, é claro – teremos rompido todas as barreiras que hoje nos separam do conhecimento e da concretização daquilo que somos capazes de imaginar.

O importante é não perdermos a dimensão humana daquilo que fazemos e lembrarmos que a música serve à expressão do que somos como seres humanos.


Angelino Bozzini é trompista e colaborador da Revista Weril


Fonte: Weril

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