Em Busca da Roda quase Perdida

por: Marina Célia Moraes Dias

As cantigas de roda fortalecem elos afetivos e culturais (E são uma gostosa diversão em casa).

“Ciranda, cirandinha, vamos todos…” É pena, mas, cada dia menos, as crianças conjugam, cantam e dançam o verbo cirandar – desta e de qualquer outra cantiga de roda. A lista de motivos que distanciaram a cantiga e a roda das brincadeiras infantis é grande. Os edifícios e suas minúsculas áreas de lazer engoliram, literalmente os quintais amplos nas grandes cidades, A insegurança afugentou das ruas as crianças, Ao mesmo tempo, com velocidade espantosa, a mídia transforma em modismo musical e comportamental a dança da garrafa e outras, que, no máximo, exigem da meninada capacidade de imitação. Longe do círculo, das lendas e das cantigas de roda, os baixinhos deixam de ganhar uma grande contribuição para seu desenvolvimento social, cultural e emocional.

Ao longo da História, esse passatempo transmitiu histórias, lendas, cultura. E consolidou o vínculo afetivo de muitas gerações, que se deram as mãos, cantaram e dançaram juntas, falando a mesma linguagem, apesar da mudança dos tempos. A cantiga e a roda sempre representaram uma das sólidas pontes entre as avós e seus netos, por exemplo. Senhoras e crianças recitaram o mesmo verso, cada uma em seu tempo e, mais tarde, na mesma roda – cúmplices uma da outra. Brincando com símbolos, assumindo papéis diferentes na representação, ou simplesmente recitando um verso no centro da roda, os baixinhos “vestem” diferentes personalidades e experimentam distintas emoções – vivências que os ajudam a construir a própria identidade. No vai-e-vem da roda, a criançada vai descobrindo a harmonia dos movimentos do próprio corpo e a musicalidade de sua voz.

Arcas encantadas. De mãos dadas no círculo, ou dentro dele, as crianças têm a oportunidade de exercitar sua desenvoltura, de compartilhar alegria, afeto e aprovação dos amiguinhos. Também têm a chance de se projetar no grupo. Brincando, elas exercitam sua capacidade de socialização, habilidade necessária em qualquer ambiente que exija convivência e traquejo social. Ao longo da vida, a “roda” terá cenários bem mais amplos: a escola, o trabalho, a cidade, o país e a família que o adulto vier a formar. E embora não seja o remédio para todos os males, as cantigas de roda podem até favorecer, nessa idade, a convivência dos clubes do bolinha e da luluzinha, sem maiores desavenças.

De verso em verso, as músicas e as danças também mantêm vivas a história e a cultura de um determinado país ou região. É o que se vê, por exemplo, em o Peixe Vivo, canção que relata a lenda amazônica do boto, que seduzia as jovens solteiras dos povoados ribeirinhos.

Engana-se quem imaginar que as qualidades dessas ricas musiquinhas terminam por aí. Elas são fortes aliadas também na hora de ensinar a meninada a ler e a escrever. Os especialistas afirmam que a familiaridade com textos conhecidos e apreciados pelos baixinhos facilita a alfabetização. Perceber que a combinação de determinadas letrinhas resulta em cada uma das palavras do refrão de uma cantiga conhecida é muito mais gostoso e interessante do que aprender a ler e escrever palavras isoladas. Isso, dizem esses profissionais, aumenta a capacidade de compreensão da criança que, assim, tem mais possibilidades de interpretar e conhecer o mundo em que vive. As cantigas podem ser comparadas a baús que guardam diferentes tesouros. Por isso tem crescido o número de educadores e músicos que procuram recuperar a força e o brilho dessas arcas encantadas.

Renascimento. Livros que contam histórias das rodas e do folclore estão sendo reeditados e músicos como Paulo Tatit e Sandra Peres coordenam um projeto que reúne vários artistas com o objetivo de dar um ar novo às antigas cantigas. A dupla também está lançando canções inéditas na tentativa de fazer com que os pais voltem a intermediar o contato da criança com a música – algo que as cantigas de roda sempre fizeram. E que rende uma gostosa diversão em casa.

  • Aproveite reuniões de família para relembrar velhas cantigas. Da vovó ao netinho, todos vão curtir muito.
  • Ensine novas músicas ao seu filho. Nas brincadeiras com os amiguinhos, ele terá prazer em ampliar o repertório da turminha – e, de quebra, terá mais facilidade para se integrar a qualquer grupo.
  • Estimule a criança a recontar as cenas das cantigas ou representá-las com os amiguinhos. É uma ótima maneira de ampliar sua capacidade de expressão.
  • As livrarias e casas de disco têm boas obras originais e composições mais modernas. Boas pedidas são os livros da coleção Lua Nova, da Editora Ática, e Arco-Íris, da Mazza Editores. Entre as gravações, vale a pena procurar pelos discos Brincadeiras de Roda, Estórias e Canções de Ninar, do selo Eldorado, e a coleção Palavra Cantada, do selo Salamandra.

Nesta rua tem um bosque – A cantiga é uma versão urbana da lenda indígena em que o chefe de uma tribo é enfeitiçado e enlouquece de paixão pelo canto do uirapuru – na verdade, a ave é uma índia que havia sido rejeitada por ele em seu amor e transformada em pássaro pelos deuses.

Peixe vivo – A cantiga se relaciona à lenda amazônica do boto que, ao cair da tarde, sai do rio e toma forma humana para beber, dançar, conversar – e seduzir – as jovens solteiras dos povoados ribeirinhos. Ao final da noite, ele retorna ao rio e à sua forma original. Assim, os filhos de mães solteiras dessas regiões são chamados de “filhos do boto”.

Pai Francisco – É o personagem central do bumba-meu-boi. Ele corta a língua do boi predileto do coronel para satisfazer o desejo da mulher grávida. Em seguida, é preso e só não é morto pelo milagre do boi, que volta a viver para que ele possa ganhar a liberdade.


Fonte: Revista Crescer, São Paulo, v. 50, p. 80 – 81, 06 jan. 1998

Os Editores do Música Sacra e Adoração agradecem a Edenir da Silva Menezes pela indicação da autoria deste artigo