Sobre Plantas e Animais

Os Animais são Naturalmente Musicais?

por: Christine Kenneally

Que tipo de música os macacos mais gostam? Se esta questão algum dia já perturbou você, junte-se ao ex-DJ de casas noturnas, obsessivo colecionador de gravações musicais e cientista da cognição Josh McDermott. Ele gastou 15 meses tentando responder a esta pergunta, através de testes com o Sagüi Cabeça de Algodão e outras espécies de sagüis comuns. Tentou perceber se os macaquinhos preferiam uma canção de ninar Russa bem tranqüila ou trechos de uma música Techno alemã chamada: Nobody Gets Out Alive (Ninguém Sai Dessa Vivo). Ele também ofereceu aos animais uma escolha entre canções de ninar instrumentais, uma canção de ninar cantada, um Concerto de Mozart, ou o silêncio. Ele ainda os sujeitou a uma massa de sons dissonantes, para testar a reação dos animais.

Você pode imaginar que macacos não são assim tão diferentes dos humanos, mas se pensa que eles possuem gostos musicais parecidos com os nossos, ficará surpreso com o que McDermott, agora situado na Universidade de Minnesota, Minneapolis, e o seu colega da Universidade de Harvard, Marc Hauser, descobriram. Certamente, você pode até compartilhar com os macacos a preferência pela canção de ninar flauteada, ao invés da “Nobody Gets Out Alive“, que é uma metralhadora de percussão e efeitos sonoros sintéticos esquisitos. Mas a escolha deles, dentro de um espectro mais amplo de músicas suaves, é bem diferente. Diferentemente dos humanos e sua variedade de escolhas, os macacos sempre preferem o silêncio a qualquer tipo de música. O mais inexplicável de tudo é a descoberta de que os macacos não sabem as diferenças entre tons melódicos e vários sons dissonantes que, para a maior parte das pessoas, seriam considerados uma forma de tortura.

Essas experiências, dizem McDermott e Hauser, mostram que as motivações fundamentais encontradas pelos humanos na música, não existem nos macacos. Comentando as descobertas, Isabelle Peretz, uma neuropsicóloga da Universidade de Montreal, Canadá, sugere que “apenas os seres humanos têm uma inclinação natural e inata em atribuir valor à música”. Será que isto é verdade?

A perspectiva de Peretz está enraizada em uma longa tradição que atribui unicidade com respeito a tudo o que se refere à musicalidade humana – não apenas ao nosso gosto sonoro, mas também como a música soa para nós, como nós a percebemos ou mesmo como a construímos.

Propositores deste ponto de vista argumentam que a instrumentação musical humana é inigualável. Dizem que a extravagante variedade de meios pelos quais os seres humanos se expressam musicalmente não encontra comparações com qualquer outra espécie – usamos música para vender coisas, adorar a Deus, motivação pessoal ou por puro prazer, enquanto que mesmo um virtuoso pássaro canoro canta apenas por sexo ou para marcar seu território. Sob este ponto de vista, a música de outros animais, mesmo que coincidentemente parecida com a humana, é de fato nada mais do que um som servindo a uma função biológica específica. As descobertas de McDermott, aparentemente, encaixam-se nesta perspectiva.

Entretanto, alguns especialistas começam a questionar os ortodoxos. Sem dúvida, uma quantidade crescente de evidências sugere que a musicalidade humana não é assim tão especial e que, mesmo as espécies que desenvolveram uma musicalidade sem relação com os primatas, possuem vidas musicais ricas, permitindo-nos que aprendamos mais sobre a natureza e a origem da música se apenas nos sintonizarmos com elas.

O que é uma Canção?

Um dos primeiros pilares do conhecimento musical a cair foi a ideia de que apenas os humanos apreciassem a melodia. A maioria de nossas músicas é criada a partir de um grupo finito de notas que abrange uma oitava. Seja qual for a escala, notas são combinadas e recombinadas em padrões que chamamos de melodia. Quando ouvimos musica, o padrão de notas numa melodia é mais importante do que seu tom absoluto – sempre reconheceremos uma mesma melodia familiar, seja ela cantada por um adulto ou por uma criança. Pesquisadores musicais têm suspeitado que esta habilidade crucial fosse única em humanos, e alguns experimentos supostamente provaram isso. Pesquisadores descobriram que se uma canção fosse tocada para um estorninho, um pássaro mandarim ou pombos e depois fossem transcritos em uma oitava acima ou abaixo, as aves não ouviriam a mesma canção. Ao invés disso, aparentemente ouviam dois grupos diferentes de tons absolutos. Da mesma maneira, macacos capuchinhos que aprenderam a pegar sua comida após o som de uma canção, não reconheceram a sua “música de comida” se esta era transposta em uma oitava.

Em 2001, entretanto, um estudo de Anthony Wright e colegas da Universidade de Medicina do Texas, em Houston, colocaram essas descobertas em cheque. Descobriram que Macacos Rhesus eram capazes de reconhecer melodias transpostas em uma oitava inteira, sem grandes dificuldades – mas apenas quando eram submetidos à musicas infantis, como “Parabéns a Você”, caracterizadas por fortes transições tonais. Quando Wright submeteu os macacos à músicas com melodias fracas, descobriu que os macacos não eram capazes nem de se lembrar das canções, quanto mais executar transposições. Experimentos anteriores, aponta Wright, usaram músicas atonais ou mesmo notas sem qualquer melodia, o que poderia explicar os resultados contraditórios. Aparentemente, pelo menos neste sentido, nossa habilidade musical não é tão diferente dos primatas, já que também temos certa dificuldade em reconhecer musica atonal, se ela se move para cima ou para baixo, na escala.

Também não estamos sozinhos na apreciação da essência de estilos musicais diferentes. Ava Chase, do Instituto Rowland, Na Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, tem demonstrado que as carpas podem saber a diferença entre música barroca e a música de John Lee Hooker, pressionando um botão com seus focinhos para diferenciar uma da outra. As carpas nem mesmo usam sons para sua comunicação, mas são reconhecidas por sua sensibilidade auditiva. Pardais da Ilha de Java podem não apenas distinguir entre Bach e Schoenberg, mas, como descobriu Shigeru Watanabe, da Universidade de Keio, no Japão, podem aplicar o que aprenderam sobre as diferenças entre música erudita e as músicas mais modernas, para diferenciar as belas melodias de Antonio Vivaldi e os sons mais tensos da musica atonal de Elliott Carter. Ao contrário dos macacos de McDermott, os pardais de Watanabe aparentemente demonstraram se envolver com a música, mostrando claras preferências pelos trechos mais belos e harmoniosos e escolhendo ouvi-los em vez de ficarem sentados em silêncio.

Estudos de espécies que fazem música, ou algo enganosamente semelhante a ela, também apostam na ideia da existência de criatividade musical fora de nossa própria espécie. Pássaros canoros, por exemplo, arranjam e rearranjam grupos específicos de notas para montar frases ou longos temas, semelhantes às nossas melodias. Alguns também variam ritmos, assim como a altura, das mesmas maneiras que fazemos.

Os sons de Baleias Jubarte aplicam os mesmos princípios que usamos. Combinam frases com 15 segundos de duração e constroem temas com cerca de 2 minutos. Finalizações fraseológicas podem corresponder, ritmicamente, com as rimas em nossas letras. Uma variedade de temas que podem fazer uma música de talvez 12 minutos de duração, que pode ser repetida várias vezes. O maior ciclo musical gravado de uma Baleia durou 21 horas.

A “musica” da foca é a mais estranha para os ouvidos humanos, se é que o seu som pode ser chamado de canção, segundo Tecumseh Fitch, um especialista em bioacústica, da Universidade de Saint Andrews, no Reino Unido. A vocalização complexa das “verdadeiras” focas e morsas inclui vibrações, cliques, raspas, grunhidos e um “marcante som parecido com um sino”, diz o especialista.

Aves, baleias, focas e humanos compartilham não apenas canções complexas, mas a habilidade de aprendê-las – não são apenas pré-programados para produzir sons musicais de acordo com uma marca de tempo genética, como são muitos animais. Isso lhes confere uma criatividade adicional. Da mesma forma que grupos humanos possuem diferentes tipos de tradição musical, diferentes grupos de baleias possuem dialetos próprios, e é possível para uma influenciar o gosto das outras. Tem sido documentado mais de uma vez que um grupo social de baleias irá abandonar suas canções características em favor de sons novos de um grupo social estranho.

Todo esse debate nos deixa com uma difícil interrogação sobre a finalidade da música. Aqueles que argumentam em favor da unicidade da música humana dizem que a criamos por intermináveis e incontáveis motivos, enquanto que os animais cantam apenas em alguns contextos determinados e específicos. O canto de um pássaro é exclusivo aos machos e seu único propósito é seduzir sua parceira e proteger o território. Semelhantemente, baleias somente cantam em zonas de reprodução em uma época específica do ano. Mais ainda, animais nunca cantam para eles mesmos, enquanto que humanos podem sentar sozinhos e murmurar, cantar, batucar um bumbo ou dedilhar uma guitarra por horas a fio.

O argumento contrário sustenta que não há diferença absoluta entre seres humanos e outros animais, isto seria apenas uma questão de perspectiva. De acordo com Fitch, limitações da música humana são subestimadas e aquelas existentes na música dos animais são freqüentemente superestimadas. Sexo, vínculo social e competição podem não ser a explicação de toda a música humana, mas certamente motivam muito dela. Mais ainda, uma quantidade substancial da música humana tem uma aplicação específica – pense na marcha nupcial, músicas fúnebres, hinos dos times de futebol e músicas parecidas. Com relação ao mundo animal, baleias foram ouvidas fora dos seus locais de reprodução, e algumas vezes aves são ouvidas vocalizando suavemente para si mesmas, em algo que se parece incrivelmente com os ensaios musicais humanos. Da mesma forma, não são apenas os pássaros canoros machos que cantam – em algumas espécies, machos e fêmeas até fazem duetos. E assim como não há dúvida de que o canto destes pássaros é usado para a comunicação com parceiros e rivais, sabe-se que ele possui outros papéis. O canto pode ser usado como senha ou como vínculo social para um grupo de animais. “Mesmo no escopo de uma única espécie, o canto funciona de diversas maneiras”, diz Fitch.

O Princípio do Prazer.

Então, o que dizer sobre a afirmação de que somente os seres humanos se deleitam da música? Sem contar o prazer perverso que sentimos ao ouvir melodias melancólicas, provavelmente a razão mais importante para que nos interessemos pela música é porque ela nos proporciona uma sensação de bem estar. Monitoramentos cerebrais mostram que a sensação de euforia proporcionada pela audição musical é acompanhada por atividades nas mesmas áreas cerebrais que respondem às gratificações geradas pela comida, pelo sexo e pelas drogas psicotrópicas. Robin Dumbar, da Universidade de Oxford, tem estudado as maneiras como o canto em grupo e o toque de tambores fazem as pessoas se sentirem. “A atividade musical parece produzir cargas de endorfina, as quais presumimos que produzem em você a excitação em participar dessas atividades que, fora de contexto, pareceriam estranhas”, ele diz.

Claro que não podemos perguntar a um animal como ele está se sentindo, mas alguns pesquisadores argumentam que pássaros somente cantam quando seus níveis hormonais estão altos, implicando na noção de que eles não seriam nada mais do que autômatos alados capazes de fazer sons. Fitch, por sua vez, não está convencido. “Pássaros cantam, provavelmente, porque isso os faz se sentirem bem – cumprir os impulsos biológicos geralmente faz com que os seres vivos se sintam bem”, ele diz. Ele traça um paralelo entre o sexo e os motivos pelos quais o fazemos. “A razão crucial é a produção de descendentes, e isto é, definitivamente, parte da história”, ele diz. “Porém, também o praticamos porque faz com que nos sintamos bem. Esta é uma motivação válida! Fazemos sexo com maior freqüência quando nossos níveis hormonais estão altos, e menos quando estão baixos – isso também é um motivo”.

A perspectiva de que os pássaros têm prazer em cantar é sustentada por um estudo publicado em 2006 por Erich Jarvis e colegas do Centro Médico Universitário em Durham, Carolina do Norte. Descobriram um aumento nos níveis de dopamina em pássaros canoros machos, no momento em que cantavam. Os níveis aumentavam especialmente quando cantavam para uma fêmea. Dopamina, reconhecida como o neurotransmissor do bem-estar, é importante para o aprendizado. Ainda não está claro o papel que desempenha nos pássaros canoros, diz Jarvis, mas suspeitamos de que sua função primária seja a de induzir um reforço na aprendizagem e sua função secundária pode ser a de criar uma sensação de euforia.

Improvisação Musical dos Chipanzés Pigmeus.

Bill Fields, do “Great Ape Trust”, na cidade de Des Moines, no Estado de Iowa, concorda que não são apenas os humanos que se sentem bem com a música. Acompanhado de Sue Savage-Rumbaugh e outros, está envolvido em um projeto ainda em andamento que explora os gostos musicais e habilidades de linguagem treinada dos Chipanzés Pigmeus, incluindo o famoso Kanzi e a fêmea Panbanisha. Uma seção musical no Great Ape Trust geralmente envolve performances ao vivo de músicos locais, mas os animais já improvisaram com celebridades como Peter Gabriel e Paul MacCartney. Os chipanzés podem escolher entre instrumentos como xilofone, tamborim, gaita e maraca, mas geralmente se concentram em apenas um deles durante a seção – Panbanisha gosta dos teclados, enquanto que Kanzi prefere a bateria (apesar de gostar de tocar o piano, de uma maneira mais percussiva). O resultado é um trabalho cooperativo, envolvendo humanos e chipanzés em um vai-e-vem bastante emocionante. A cada vez que os primatas se dedicam às seções musicais, diz Fields, “eles mudam de fisionomia por dias a fio”. A música parece relaxá-los.

Provavelmente a similitude entre esses macacos aculturados e nós humanos não seja tão surpreendente. Afinal, chipanzés pigmeus ou os chipanzés comuns possuem características biológicas semelhantes às nossas. Chipanzés podem não cantar como seus primos primatas, os macacos Gibões, tão famosamente fazem, mas Flitch acredita que as origens da instrumentação musical podem ser encontradas em seu comportamento na selva, onde eles regularmente batucam em objetos naturalmente ressonantes, como nas partes mais resistentes das árvores. Alguns pesquisadores até imaginam que, como as baleias, grupos de chipanzés possuem práticas culturais distintas em relação aos batuques e vocalizações.

Apesar de tudo isso, a visão tradicional relacionada à limitação da musicalidade dos animais ainda prevalece, e muitos especialistas conservam-se convencidos de que a musicalidade humana é única. Todavia, existem alguns sinais de que as coisas estão mudando. McDermott, Hauser e Fitch são unânimes em afirmar que os componentes musicais provavelmente se desenvolveram de maneiras diferentes em épocas diferentes – e é simplesmente no “onde” e “quando” que estes pesquisadores discordam. Eles também concordam que ainda há muito a ser descoberto sobre as similaridades e diferenças entre os humanos e outros animais. Peixes podem ser capazes de diferenciar a música barroca do blues, por exemplo, mas eles distinguem entre esses estilos musicais de maneiras semelhantes as nossas e, se assim for, como isso acontece?

Pelo menos para os macacos de McDermott, um mistério já foi resolvido. Dada a sua indiferença pela música, por que eles preferem as canções de ninar ao som do Techno? Suspeitando que essa preferência tenha maior relação com uma resposta genérica ao andamento da música do que um discernimento de estilo, McDermott e Hauser ofereceram a eles uma escolha entre uma trilha sonora de 60 batidas por minuto e uma de 400. Com toda a certeza, os macacos optaram pela faixa de andamento mais lento. No mundo natural, os pesquisadores apontam, uma seqüência rápida de sons freqüentemente acontece em situações negativas, como lutas e tempestades. Deste modo, mais uma vez, a faixa mais rápida poderia simplesmente sugerir o tum-tum-tum de um coração pulsando ferozmente.


Fonte: Revista New Scientist, vol. 197, nr. 2644 (23 de fevereiro de 2008), pp. 29-32

Tradução: Adrian Theodor (março/2008)
Revisão: Levi de Paula Tavares.


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