Velhos Ouvidos

por: L. F. J. Hermans
(Leiden University, Holanda)

Se tiver, digamos, menos que 35 anos, poderá parar de ler: não terá qualquer razão para se preocupar com os ouvidos, a não ser que esteja acostumado a ouvir música muito alta, principalmente com fones de ouvido.

Mas para muitos de nós que estão um pouco mais velhos, nota-se uma perda auditiva que pode tornar-se com o tempo um tanto grave. E, como se constata a partir do gráfico abaixo, a perda é pior onde dói mais: na região das altas freqüências.

Vamos primeiro analisar os dados. Na figura, colocou-se os dados de perda auditiva dada como função da freqüência para uma grande amostra de pessoas em várias idades (Cortesia: D.r Jan de Laat, Centro Médico da Leiden University). E, de fato, já na idade dos 60, a perda de tons nas altas freqüências é assustadora: mais que 35 dB a 8 kHz , e aumentando cerca de 10 dB a cada 5 anos de idade! Quando chegarmos aos 80, seremos praticamente surdos a 8 kHz e acima disto.

Porque é que a perda auditiva é tão acentuada nas freqüências mais altas? Ao ouvirmos a nosso aparelho de som em casa, podemos aumentar um pouco os agudos para compensar, não há problema. E numa conversa de pessoa para pessoa, também realmente não temos problemas. Até que temos uma conversa numa qualquer festa. Então reparamos: o ruído de fundo torna tudo pior.

Um aspecto que desempenha aqui um papel importante diz respeito a consoantes como p , t , k , f e s. Estas consoantes contém principalmente informação em altas freqüências e serão pois facilmente encobertas ou ficarão misturadas.

Outro aspecto refere-se ao papel da localização do som ao selecionarmos uma conversa contra um ruído de fundo (por vezes referido como “efeito de festa”). Somos bastante bons para localizar fontes sonoras: temos uma sensibilidade de 1 a 2 graus na direção frontal (ver William M. Hartmann em Physics Today, Novembro de 1999, p. 24).

Usamos dois mecanismos para fazer isto. Em primeiro lugar, utilizando a diferença de fase ou de tempo de chegada entre os dois ouvidos: o intervalo de tempo interaural (ITD). Naturalmente que esta informação é inequívoca somente se o comprimento de onda for grande comparado com a distância entre os nossos ouvidos. É, portanto, eficiente a baixas freqüências, ou seja, abaixo de 1,5 kHz . Todavia, em quartos ou salas normais, predomina muito o som refletido, especialmente a baixas freqüências. Isso acontece porque a absorção acústica diminui com o decréscimo das freqüências para quase todas as superfícies refletoras! Ou seja, as baixas freqüências refletem mais do que as altas. Como resultado, o ITD torna-se pouco confiável em tais situações e as baixas freqüências não são de muita ajuda para isolar espacialmente uma fonte sonora do ruído do meio ambiente em um recinto fechado.

Felizmente, temos um segundo mecanismo que utiliza a diferença de intensidades entre os dois ouvidos para o som que vem dos lados: a diferença de nível interaural (ILD). Recordamos que as ondas sonoras se difratam quando os comprimentos de onda são muito mais curtos do que a nossa cabeça: a cabeça faz sombra, é uma maneira de dizer. Por isso, a ILD funciona bem acima de cerca de 3kHz . Bem, veja novamente o gráfico: a região das altas freqüências é onde os velhos ouvidos têm mais problemas. Portanto, também o ILD não funciona suficientemente bem para essas pessoas.

Por fim, conforme a idade avança e as perdas auditivas das altas freqüências ficam mais acentuadas, poderemos ter que recorrer ao que as pessoas surdas já fazem: usar os nossos olhos e ver a fala.


Fonte: Publicado em EuroPhysics News – Janeiro/Fevereiro 2005