Parâmetros para a Escolha de Música Sacra

por: Pr. e Prof. Dario Pires de Araújo

Provavelmente o mais importante resultado da investigação científica sobre a música foi a descoberta de que ela é percebida através da parte do cérebro (o tálamo) que recebe o estímulo das emoções, sensações e sentimentos, antes destes serem submetidos às partes do cérebro responsáveis pela razão e pela inteligência. A música, que portanto, não depende do sistema nervoso central para poder penetrar no organismo, pode ainda estimular, através do tálamo, o centro de controle de todas as emoções, sensações e sentimentos. Por causa disto, a música tornou-se a ferramenta por meio da qual as comunicações puderam ser restabelecidas com certos pacientes mentalmente enfermos, os quais, devido ao seu estado, não puderam ser atingidos por meio da comunicação verbal, uma vez que esta exige o uso do córtex cerebral. Esta descoberta, comprovada por inúmeros cientistas, deu grande ímpeto ao campo da terapia da música (musicoterapia).

Para melhor compreensão dos nossos leitores resolvemos publicar um corte da seção mediana do cérebro humano, onde estão localizados os pontos importantes para o entendimento de como se processa, cientificamente, o estímulo sonoro e suas conseqüências no comportamento humano.

Na figura que estampamos sobressaem o tálamo e o lobo frontal. O tálamo exerce função reguladora e distribuidora dos estímulos sonoros que nos chegam através dos órgãos da audição. Feitos os registros dos estímulos, ele os transmite codificados ao lobo frontal em forma se sensações (no lobo frontal está a sede do raciocínio). A partir do raciocínio iremos apreciar a sagrada e harmoniosa música que nos propicia a reflexão que necessitamos no preparo de nosso ser para receber os benefícios musicais e, em conseqüência, a Palavra de Deus.

Na prática, lembramo-nos que, no curso de pós-graduação nos E.U.A., a nossa turma foi levada a visitar uma clínica para doentes nervosos e fomos levados para uma Sala de Observação, onde víamos os doentes na Sala de Recreação e eles não nos viam. Nessa sala havia som ambiente para ajudar a mantê-los tranqüilos enquanto faziam seus diversos exercícios ocupacionais. Para uma rápida demonstração, a música suave foi substituída por uma de ritmo levemente acelerado; o professor mandou-nos observar que certos pacientes começaram a ficar irritados. Depois, substituíram por uma música barulhenta e o número de irriquietos acentuou-se, chegando à agressão quando a música tocada foi um rock. Tão logo voltou a tocar a música suave, tudo ficou calmo.

Temos a convicção de que, com a leitura deste trabalho, todos os que quiserem, sinceramente, viver como seguidores de Cristo, saberão escolher a música adequada à igreja: aquela que nos dá valores básicos do estilo de vida equilibrado e racional que afirmamos todo instante ter escolhido dentro da autêntica liberdade de escolha outorgada pelo Criador.

Estamos vivendo um período de confusão mundial, de incertezas econômico-financeiras, de destruições, de injustiças, de libertinagem, de violência, de desrespeito. Tudo contribui para nos colocar em uma situação conflituosa com os outros, e cada um consigo próprio. Não estamos afastados dos ensinos de Jesus, mas também não estamos ativos na imitação de sua vida. Encontramo-nos num estado de apatia sustentado pela insegurança, pela indefinição do caminho a seguir: material ou espiritual. Esta situação conflituosa que está ocorrendo dentro do ser humano é exteriorizada no falar, no escrever, no agir, no vestir, no construir, no compor.

A obra de arte é um dos veículos de transmissão da condição interior do ser humano; ela expressa uma época, um lugar e a reação do indivíduo à sua época e ao meio físico e social onde vive. Por exemplo: Robert Alexander Schumann (1810-1856), compositor alemão do século 19, período de predominância da estética romântica, refletiu em sua visão pessoal frente à sua época histórica, seu país e os costumes do seu povo. Sua música carrega a alma do povo alemão, na qual a sua maneira de sentir seu povo é parte integrante. Portanto, em toda obra artística (pintura, escultura, arquitetura, música, literatura…) coexistem e se articulam o individual e o social, o tempo e o espaço.

A geração do século 20 tem destruído todos os valores morais, começando pela família, o que gerou uma série de desajustes individuais e caos social. As diversas manifestações artísticas mostram como está o ser humano na atualidade: vazio, sem conteúdo significativo, perdido dentro de si mesmo. Este século é marcado pela velocidade dos acontecimentos, pela massificação de ideias e de comportamentos, e pelo materialismo consumista. Observamos que há uma necessidade do “novo” a cada dia para preencher o vazio interior, e é preciso que este “novo” seja facilmente assimilado, a fim de ser [imediatamente] aceito. A mesma mentalidade existe em relação à música na igreja atual: forma musical popular associada a um texto cristão.

A música é a arte de coordenar fenômenos acústicos para a produção de efeitos estéticos, ou simplesmente, a arte do som.

O som possui três qualidades fisiológicas fundamentais:

  1. Intensidade – propriedade que se caracteriza pela gradação com que o som impressiona o órgão auditivo. Em outras palavras, o que conhecemos como forte/fraco;
  2. Altura – qualidade que permite diferenciar com clareza os sons graves dos agudos. Essa distinção é função direta da freqüência da energia vibratória e por esse motivo o som é tanto mais agudo quanto maior for a sua freqüência vibratória;
  3. Timbre – qualidade que permite distinguir os sons da mesma altura quando produzidos por meios diferentes. Por exemplo: uma nota dó produzida por um violoncelo soa diferente da mesma nota produzida por um oboé.

O caráter musical que os sons apresentam depende fundamentalmente da relação de suas freqüências vibratórias, pois a escala musical consta de uma série de sons que guardam entre si determinados intervalos.

Ao ser o som artisticamente trabalhado, adiciona-se os elementos: tonalidade, ritmo, melodia e harmonia. Portanto, por mais diferentes que sejam os costumes sociais dos povos, a música terá esses elementos em comum. Em relação às diversas culturas, pode ocorrer predominância ora de um, ora de outro elemento (sem esquecer que a chamada música contemporânea apresenta composições atonais).

Podemos dividir a arte musical, para fins didáticos, em quatro gêneros principais: erudito, sacro, folclórico e popular. Há inter-influências estilísticas, todavia sem a perda do caráter de cada um ou sua independência. Os gêneros erudito e sacro estão muito próximos pelo fato de atingirem tanto a sensibilidade quanto a racionalidade, proporcionando o desenvolvimento da apreciação musical. O que os difere são os objetivos: o erudito visa o ser humano e o sacro visa o louvor ao Criador do ser humano. Os gêneros folclórico e popular associam-se por serem espontâneos, de fácil assimilação e, devido ao tema musical curto em que um elemento (ou dois) da música é explorado. O gênero popular mostra as emoções do povo em geral e o folclórico mostra as peculiaridades típicas regionais, comunitárias.

A música denominada erudita possui uma variedade de características capazes de estimularem o ouvinte, ao passo que a maioria das músicas populares possuem apenas uma ou outra dessas características. A música popular é sensitiva, porque apela às emoções através da exploração de um ou mais elementos da música. A música erudita é estética, pois apela ao intelecto, além dos sentidos. Ela apresenta todas as características de formas variadas e criativas que podem ser apreciadas mesmo por uma pessoa desprovida de conhecimento técnico. A música popular apresenta, em geral, predominância de melodia e de ritmo, o que a tornará enfadonha depois de um certo período de tempo sendo ouvida.

A música sacra ou religiosa sempre recebeu influência da música erudita; compositores como Beethoven, Bach, Schubert compuseram para a igreja cristã (católica e protestante). Seu objetivo é o espírito de solenidade ( e não de tristeza) e respeito ao templo. São músicas instrumentais e vocais que elevam, de modo natural, os pensamentos dos ouvintes, Isto deve-se à estrutura melódico-rítmico-harmônica baseada na concepção de equilíbrio, de moderação (e o equilíbrio é o ideal cristão).

Na atualidade, o elemento musical muito explorado na música popular é o ritmo. Seu efeito sobre o físico e a mente são marcantes pelo fato de que o ser humano é um ser rítmico (o pulsar do coração, a respiração, o andar e falar). Após uma contínua repetição de uma mesma célula rítmica por um período relativamente longo de tempo, a mente ficará relaxada e entorpecida. Isto favorece um estado de hipnose, como acontece nos cultos de Candomblé e nos espetáculos de rock. A música em que o elemento rítmico é predominante, agirá como intoxicador que em si não leva uma pessoa a praticar ato algum, porém diminui a sua resistência ao impulso de praticá-lo.

A música sacra de nossos dias tem recebido influência da música popular. Tal fato ocorre porque o ser humano de hoje é menos sensível aos valores espirituais, tornando fácil a penetração do apelo emocional popular na igreja. Esta interferência popular também se deve ao despreparo técnico musical. Por exemplo: qualquer pessoa alfabetizada é capaz de ler um poema de Carlos Drummond de Andrade; contudo não está habilitada a realizar uma análise literária de seu conteúdo poético-filosófico, por ausência de conhecimento técnico específico, bem como uma imaturidade cultural. Por comparação, no terreno musical, conhecer notas e saber dispô-las em compassos não qualifica uma pessoa como músico, porque lhe faltam os conhecimentos histórico e científico, o domínio técnico desses conhecimentos e a profundidade da poética musical.

Numa série de artigos publicados pela Review and Herald lemos:

“Se a reação de uma pessoa se limita a ‘eu gosto disso’ ou ‘isto me faz sentir bem’, ela não pode pretender haver reagido em um nível superior ao de qualquer animal ou de pessoas mentalmente retardadas. Logo, se a dieta musical de alguém consiste grandemente de material que não exige nada mais do que reação sensitiva, então será certo que permanecerá nesta toca espiritual, pelo menos no que diz respeito à sua experiência musical”.

Entendemos, assim, que a música que apela apenas para os sentidos é uma música carente de profundidade. Eis a diferença básica entre a música popular e a erudita: a primeira explora a melodia e o ritmo, sendo sua penetração na pessoa mais acessível , mais rápida, e por isso, menos duradoura; a segunda, por apresentar uma estrutura elaborada, é mais lentamente assimilada, porém, permanente. Podemos constatar esta afirmativa no fato de, após séculos, J. S. Bach ainda ser apreciado, e há uma previsão de que sua obra ultrapassará o século 21.

Estamos conscientes de que nas nossas igrejas há o predomínio do gênero musical mais acessível e superficial: o popular. O uso de textos cristãos não anula a influência do som. Temos que considerar que existe um lugar certo e uma hora apropriada para tudo. Não se espera ouvir uma orquestra sinfônica executando samba, assim como numa igreja (em especial na Escola Sabatina e nos Cultos) não se espera ouvir o gênero de música popular. Mesmo nas reuniões jovens a música deve atuar como incentivadora de alegria e não de excitação.

A música na Igreja Adventista do Sétimo Dia recebeu influências da salmódia hebraica, da hinodia dos europeus reformadores e protestantes, dos cânticos de várias seitas vindas da Inglaterra no século 17 para os Estados Unidos e a mistura desses cânticos com a cultura indígena e posterior cultura africana (os “negro spirituals“).

Os “negro spirituals” são o resultado da mescla dos padrões musicais sincopados dos negros em que pés e mãos substituem os tambores tribais, e dos cânticos religiosos que aprenderam dos missionários. São cânticos de protesto, de ânsia de liberdade da escravidão e não afirmações de credo. São expressões de religião e não de fé, pois os temas básicos do cristianismo – crucifixão e ressurreição – são abordados apenas descritivamente, e a liberdade para eles nada tem em comum com a fé cristã. A música afro-americana (spiritual, blues, jazz) tem um vínculo em comum: o ritmo “hot” (quente). O spiritual é uma manifestação no canto coral; o blues no canto solo; e o jazz é instrumental. Essas manifestações são consideradas folclóricas e não devem ser introduzidas no templo.

O hinário “Cantai ao Senhor” [*] (comissão organizadora: Flávio A. Garcia, Dario Araújo, Tércio Simon) apresenta melodias sóbrias e comedidamente clássicas de corrente européia e melodias leves com variações rítmicas de corrente norte-americana. Podemos denominá-las de:

  1. hinos – para louvar, cultuar adorar e orar a Deus usados nos cultos e reuniões habituais da igreja, visando a entrega ao serviço divino. Ex.: Castelo Forte, Ao Deus de Abraão Louvai;
  2. cânticos religiosos – são advertências espirituais ao povo usados em serviços especiais, como as reuniões de jovens, visando apelar ao povo para que se una a Cristo. Ex.: Com Cristo no Meu Coração, Deixa a Luz do Céu Entrar.

Para escolher o que tocar e cantar na igreja, dois aspectos devem ser considerados:

  1. Bom senso musical, fundamentado no conhecimento técnico profundo da música, fruto de maturidade artística;
  2. Espiritualidade cristã de pregar o evangelho através da música, pois o cristianismo é mais racional do que sentimental, é mais espiritual do que emotivo. A igreja não é teatro. (ler Romanos 12:1).

O nosso cotidiano é bombardeado pela propaganda; qualquer coisa é comercializada, até mesmo pessoas. Esta máquina de marketing está pressionando a igreja a ponto de Jesus ser também comercializado através de uma guerra na Irlanda ou de uma Teologia da Libertação. A Ética divina está acima dos padrões morais e costumes sociais humanos. A música na igreja tem a finalidade de concretizar esta Ética. No entanto, a situação é uma mistura de profano com sagrado. Nós, cristãos, não estamos cumprindo com a missão de enobrecer o caráter buscando ser parecidos com Jesus. Estamos nos vulgarizando. A música é responsável pelo clima celestial do templo, e o cristão musicista é um evangelista. Não pode haver dúvidas quanto ao que agrada ao Criador. O que imaginamos ser a música do Céu?

Na Revista Adventista de setembro/85 lemos:

“Hoje parece que muitos, mesmo pastores, se acostumaram a conviver com a música popular religiosa no lar, na escola e na igreja. Não querem se indispor com algum compositor ou intérprete; temem tornar-se antipáticos aos jovens, a algum administrador, evangelista ou líder J.A. Às vezes não sabem, não conhecem, e acabam também desenvolvendo o gosto e se esquecem da responsabilidade.

É, porém, dever de quem lidera saber que música é aceitável e qual não; jamais diminuir a importância do assunto; entender que o gosto nem sempre é guia seguro; e, sobretudo, saber que ‘pais cristãos e líderes da Igreja prestam um grande desserviço aos jovens quando obscurecem a distinção entre a música aceitável e a não aceitável, e toleram uma baixa qualidade de música e apresentação dentro do contexto da igreja, a fim de manter os jovens na igreja!

A igreja nunca presta um serviço ao pecador comprometendo-se com o mundo. É melhor que os não regenerados permaneçam fora da igreja até que se submetam aos princípios da igreja, do que ela se tornar semelhante ao mundo, alistando como membros aqueles que desejam trazer suas normas, seus costumes e gostos’ – Pastor Wood.

Aqui não se trata de ser conservador ou liberal. É uma questão de princípios e de discernimento para não se confundir leve com trivial, alegre com vulgar, animado com excitante, sacro com popular. A liberdade com que Cristo liberta não tem nenhuma relação com a liberdade existencialista na derrubada de todos os padrões e princípios estabelecidos, a qual permeia a música popular.”


Nota dos Editores do Música Sacra e Adoração:

[*] – Apesar de não termos a data exata da publicação fonte (citada abaixo), cremos que esta deve ser da última metade da década de 1980. Naquela época, o hinário utilizado pela a Igreja Adventista era o “Cantai ao Senhor“. Os hinos citados no texto também podem ser encontrados no atual Hinário Adventista, sendo respectivamente, os hinos de números 33,  11, 233 e 184. (voltar)


Fonte: Prof. Jessé Torres e Profª Jenise Torres, Música na Igreja, páginas 5 a 11 (publicação independente).