Música no Panorama Profético

por: Fernando Lopes de Melo

Parece que tem havido um duplo problema com a música no meio evangélico: por um lado alguns dos que atuam no ministério da música, sejam compositores, instrumentistas, cantores, diretores de grupos musicais e líderes de música desconsideram os aspectos teológicos, filosóficos e ideológicos que devem reger a estruturação do louvor na igreja e, do outro, líderes religiosos que além de não conhecerem os elementos básicos da música, também são despreparados quanto as implicações espirituais do tipo de música que se faz na igreja. Assim, a falta de critérios ou critérios equivocados tem trazido comprometimento à qualidade da música na igreja. Como cristãos atentos aos eventos decisivos no cumprimento das profecias, não podemos desconsiderar o papel da música no panorama profético. No Apocalipse, a música faz parte de um rico drama escatológico. Sem dúvida, temos nas referências ali citadas um uso metafórico da música, mas parece que Deus usará instrumentos musicais que tiveram uma identificação com a humanidade nos momentos de guerra e aclamação de vitória. A música fará parte não só da apoteótica volta do Senhor a Terra, mas também do enredo que a precede.

Longe de querer engessar a música religiosa numa moldura medieval com elementos ocidentais, precisamos estar cientes de que temos não só uma doutrina distintiva, mas uma Filosofia Adventista de Música também distintiva. Os Adventistas do Sétimo Dia consideram Apocalipse 14:6-12 como um texto chave acerca do culto e adoração na igreja do fim dos tempos, num contexto de crise escatológica. O autêntico culto está centralizado na pregação e no louvor, não há dicotomia entre louvor e proclamação.[1] “Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo o evangelho eterno para proclamar aos que habitam sobre a terra e a toda nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo com grande voz: Temei a Deus, e dai-lhe glória, porque é chegada a hora do seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas.” Ap 14.6-7.

Vivendo no fim da contagem regressiva do conflito entre e bem e mal, é preciso investigar o significado escatológico do movimento musical moderno como um dos elementos decisivos no desfecho da história da humanidade. Olhar para um dos fatos ocorridos em Babilônia no passado pode nos ajudar a compreender alguns aspectos da profecia. Babilônia, símbolo da apostasia e rebelião contra Deus, conhecia o poder da música para dominar os seres humanos. A cerimônia de dedicação da estátua construída por Nabucodonozor em Dura contava com uma das orquestras mais completas descritas na Bíblia (Daniel 3:4-5). Tal orquestra não estava ali simplesmente por motivos estéticos, mas para criar um clima sensual e emotivo, com melodias e harmonias devidamente escolhidas para adoração idólatra.[2] Referindo-se à Babilônia religiosa que no tempo do fim imporá a adoração à besta e à sua imagem, Ellen White diz que “a força é o último recurso de toda religião falsa. A princípio usa a atração, assim como o rei da Babilônia provou o poder da música e a ostentação externa. Se estes atrativos, inventados por homens inspirados por Satanás, não fizessem com que os homens adorassem a imagem, as devoradoras chamas do fogo estavam prontas para consumi-los. Assim será em breve.”[3]

Ao soar dos instrumentos na planície de Dura, milhares se renderam em falsa adoração. Os instrumentos musicais estiveram presentes e deram o sinal que definiria e distinguiria os que eram verdadeiramente adoradores de Deus e os que estavam comprometidos com o paganismo (Daniel 3:4-12). Muitos daqueles instrumentos eram utilizados na adoração dentro do Templo do Senhor; os seus sons eram bem conhecidos pelos jovens hebreus que estavam ali, mas ao ouvirem a música eles não se dobraram diante da estátua. Os instrumentos podiam ser os mesmos, mas as músicas, o estilo, o ritmo, e talvez alguns outros elementos que possamos desconhecer, eram diferentes.

No descerrar das cortinas do drama apocalíptico, onde as nações serão induzidas a uma falsa adoração, Satanás não vai depender só das ideologias políticas, dos acordos econômicos, da força e de distorcidas interpretações teológicas para reunir condições em que possa organizar e integrar socialmente o mundo para o ato final de adoração.[4] À medida que se aproxima o tempo do fim, Satanás intensifica cada vez mais seus esforços contra Deus e Seu povo, porque sabe que pouco tempo lhe resta (Apocalipse 12:12). Seus ataques são dirigidos especialmente para a igreja remanescente (Apocalipse 12:17), procurando afastar seus membros de Cristo. Para atingir este propósito, seus vastos conhecimentos musicais são grandemente úteis. Mais do que ninguém, ele conhece o efeito que diferentes estilos de música podem exercer sobre o corpo e a mente. Porque através da música, “Satanás sabe que órgãos excitar para animar, absorver e seduzir a mente, de maneira que Cristo não seja desejado.”[5]

Um dos mais bem sucedidos estratagemas de Satanás é o movimento da Nova Era. Ele permeia todos os segmentos da sociedade e sutilmente vai definindo conceitos e alterando comportamentos. E se há um campo em que a Nova Era tem atuado com efetividade, este tem sido o da música. Ela se infiltra em uma variedade de estilos, com ritmos e melodias que afetam quase todos os gêneros musicais, portanto agradando aos mais diversos gostos. Talvez o mais sutil seja a música de meditação, “música planetária,” uma “música angelical” parecida com a música celestial; facilmente recebida por religiosos cristãos. Esta música contém sons de vibrações das plantas, ruídos de animais e da natureza, instrumentos como as harpas célticas, cítaras, tambores hindus e os mais avançados sintetizadores digitais. Mas além desta música bastante peculiar, com seus sons reflexivos; a valsa, o rock, o samba, a música gospel e outros estilos musicais também são afetados pela Nova Era.[6]

A música usada pela “conspiração aquariana” pode ser dividida em dois tipos: a primeira chamada música New Age ou música da Nova Era; e a segunda a própria música secular. A primeira pode ser considerada uma versão futurista de mantras (man = mente, tra = libertação).[7] Os sons têm o objetivo de alterar o estado de consciência da mente. Geralmente é instrumental ou com vozes que emitem notas e sons sem letra específica. Essa música não tem estrutura e tem forma circular, com tons indefinidos e, com freqüência, não há fim nem determinação quanto a melodia.[8] Entre seus representantes podemos citar: Kitaro, Vangelis, Anayá, Nikita, Enya, Jean-Michel-Jarre.

A segunda projeta conceitos e a ideologia da Nova era através das letras em qualquer estilo musical, desde um rock “pesado” a uma suave música romântica. Misticismo, adultério, prostituição, homossexualismo, violência, espiritismo são, direta ou indiretamente apregoados. Os que pensam que podem ouvir ou produzir este tipo de música imunemente estão iludidos. “Por isso, ninguém que O tenha como Salvador pessoal irá desonrá-Lo perante os outros, produzindo sons de um instrumento musical que afastarão a mente de Deus e dos Céus, para as coisas fúteis e insignificantes.” TI vol. I pg. 509. Muito mais que uma questão de gosto musical, o destino das pessoas está envolvido. “Como posso eu suportar a ideia de que a maioria da juventude nesta época vai perder a vida eterna? Oh, se o som dos instrumentos de música cessasse, e os jovens não esbanjassem tanto o seu precioso tempo em agradar as suas próprias fantasias e caprichos.” TI vol. II pg. 144.

A Teologia Adventista de Música tem como base essencial Apocalipse 14:6-12. Deste texto deriva a ideia de um convite universal à verdadeira adoração. Uma visão escatológica do conflito entre o bem e mau e da diferença entre a verdadeira e a falsa adoração, leva a integração de três de suas principais doutrinas: o sábado, o santuário celestial e a volta de Cristo. Não é possível construir um sistema adventista de música desconsiderando estes elementos. O sábado traz a ideia de tempo sagrado na adoração, o santuário destaca a ênfase no lugar sagrado para a adoração e a volta de Cristo contextualiza a humanidade no drama final antes da adoração eterna. Portanto, fazer música na igreja adventista sem levar em conta estes parâmetros é mutilar seu papel no cumprimento profético.

Os elementos motivadores da adoração adventista são os mesmos da adoração evangélica contemporânea: a criação, a redenção em Cristo através de sua morte e ressurreição e o desfecho glorioso na história para os redimidos; mas as formas e os meios assumem caráter distintivo dentro desta ótica apocalíptica. Ou seja, a falsa adoração pode até utilizar elementos usados na verdadeira adoração, mas a verdadeira adoração se distinguirá por excluir elementos que não se coadunem com os princípios bíblicos ou que possam ter uma associação com elementos seculares que venham distorcer o foco da verdadeira adoração. Certamente o mundo evangélico tem entrado numa canoa furada, criada pelo diabo e seus anjos. Expressões tais como “Roqueiros de Cristo,” “Música Gospel,” “Metal Branco” evidenciam a invasão do estilo mundano dentro das igrejas, criando um suposto “Reavivamento.”[9] Satanás tem tentado levar a igreja a um de dois extremos: emocionalismo ou frio formalismo; subjetivismo sem base objetiva; pura emoção sem a Palavra ou a Palavra sem louvor.

A música é no mínimo poderosa, e pode ser usada como um instrumento de benção ou maldição. Os adoradores de Cristo não podem estar desatentos ao seu papel no culminar da história da humanidade, devem colocar a mente sob constante vigilância para não serem joguete nas mãos de Satanás. Achar que o inimigo tem atuado somente na música secular é um doce engano. As paredes divisórias entre o sacro e o profano já não existem em grande parte do meio evangélico e podemos ver suas ruínas em muitos recantos do arraial do povo que se propõe a anunciar a tríplice mensagem angélica. O primor artístico de uma música e sua popularização não são sinônimos de santificação. Se é preciso ter cautela com a qualidade da música que estamos produzindo em nosso meio, que se dirá da música que importamos de pessoas que nem fazem ideia de que se deva ter uma filosofia de música religiosa?

Tenho ouvido alguns membros dizerem que a igreja não é clara quanto ao tipo de instrumento ou tipo de música que deveria ser permitido na igreja, qual é e qual não é a música de Deus. A igreja nunca ficou em cima do muro, sempre tivemos uma filosofia de música adventista, mas a diversidade social e cultural de uma igreja mundial faz com que sejam definidos princípios gerais. Tecnicamente talvez não haja distinção entre a música que deva ser usada como instrumento de adoração e uma música inapropriada. Notas, acordes, arranjos e harmonias podem até ser os mesmos. Também é verdade que músicas outrora profanas tornaram-se clássicos da hinodia cristã, e a linha divisória torna-se quase imperceptível, portanto mais do que nunca é necessário não perdermos a referência.

A questão não é ser liberal ou conservador. O fato é que temos que ter consciência de que como adoradores do século XXI, não somos obrigados a gostar de música ou dos instrumentos de mil anos atrás, mas precisamos estar atentos para o tipo de música que estamos consumindo e apreciando. A nossa música deve ser um prelúdio da nossa adoração no grande dia de Deus – Então ouvi todas as criaturas que há céu, na terra, debaixo da terra e no mar, isto é, todas as criaturas do Universo, que cantavam: “Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra, a glória e o poder para todo o sempre!” Apocalipse 5:13 (BLH) – Música pode até não ser um ponto de salvação, mas com certeza têm levado muitos à perdição. Negligência ou indiferença a este assunto pode ser tão danosa como querer impor um padrão pessoal ao tipo de música adequado à adoração. Líderes, músicos e ministros de louvor precisam dar o sonido certo para o povo de Deus nesta hora última da história da humanidade.


Notas:

[1] C. Raymond Holmes, O Autêntico Culto Adventista (Tatuí, SP, Casa Publicadora Brasileira, O Ministério, Ano 63, nº 5 set-out 1992), 4. [Localizado no site Música Sacra e Adoração, com o título de “Em Busca da Verdadeira Adoração Adventista, no link: https://musicaeadoracao.com.br/19582/em-busca-da-verdadeira-adoracao-adventista/]

[2] Dr. Carlos A. Steger no artigo “A Música no Grande Conflito entre Cristo e Satanás,” (A Música no Grande Conflito entre Cristo e Satanás)

[3] Comentário de Ellen G. White sobre Apoc. 13:16-17. Comentário Bíblico Adventista (Mountaisn View, Pacific Press, 1990), 7: 987.

[4] Wolfgang H. M. Stefani, Música: Força Ecumênica? (Tatuí, SP, Casa Publicadora Brasileira, Revista Adventista, ago, 2000, p. 14). [Também na internet: https://musicaeadoracao.com.br/19647/musica-forca-ecumenica/]

[5] Ellen G. White, O Lar Adventista, 407. Ver também Mente, Caráter e Personalidade (CPB, 1990), 1:314

[6] Merling Alomia, ¿Nova Era o Nuevo Engaño? (Lima, Peru, Edições Theologika, 1994), 23.

[7] Marco André, Nova Era, o que é? De Onde Vem? O que Pretende? (Belo Horizonte, MG, Editora Betânia, 1992), 86.

[8] Russell Chandler, Compreendendo a Nova Era (São Paulo, SP, Bompastor Editora, 1993), 197.

[9] Jorge Mário de Oliveira, Melodia, Ritmo e Harmonia , (Tatuí, SP, Revista Adventista, junho de 1994, Casa Publicadora Brasileira), 11. [Também na internet: Melodia, Ritmo e Harmonia]


Fonte: O presente artigo foi entregue ao Música Sacra e Adoração pelo próprio autor Fernando Lopes de Melo. Agradecemos a ele por esta iniciativa.