O Adorador

Um Novo Século, Um Novo Tipo de Adorador

por: Pr. Douglas Reis

Embora o Cristianismo forneça um programa de vida, por assim dizer, cuja característica fundamental esteja na “novidade de vida” (II Coríntios 5:17), a maneira cristã de viver sofre direta interferência da Cultura. Em muitos casos, esta interferência não altera a essência da Religião, apenas manifesta, dentro de determinado repertório social, o que a Religião orienta. Diferentes culturas podem variar na sua compreensão de reverência, por exemplo – enquanto cristãos árabes tiram seus calçados ao adentrarem em um templo (ao modo dos patriarcas), os ocidentais expressam a reverência pelo respeito em suas ações dentro do local em que adoram, seja não conversando ou evitando que as crianças comam durante o culto. Dentro do que se afirmou, infere-se que a interferência cultural não é necessariamente negativa para a experiência religiosa cristã.

O problema reside nas situações em que costumes corroboram para uma reformulação dos ensinos cristãos, tornando-os, na prática, algo substancialmente diferente, em menor ou maior grau, daquilo que a Bíblia tenciona. A cada ciclo epocal, tendências suscitadas pelas correntes de pensamento oferecem desafios ao programa de vida propriamente cristão. As tendências são combatidas pelos pensadores cristãos, seja através de novas formulações da fé ou pela ênfase nas áreas desafiadas, reafirmando a verdade. Em outros casos, as tendências são assimiladas, e, dentro deste processo, o sistema de pensamento cristão sofre uma contaminação, capaz de comprometê-lo de uma forma ou de outra.

Com o advento de um novo século, marcado pela ubiqüidade da tecnologia e pelo enfraquecimento do Estado como entidade regulamentadora, assistimos a ascensão de uma sociedade hostil aos valores cristãos fundamentais. Cada cidadão é seu próprio peso e medida, e as censuras são desarmadas em nome da liberdade individual. O que impera é o “raciocínio bricolagem” – ou “faça você mesmo” – que é aplicado a quase toda questão que envolva a escolha individual.

Como funciona o “raciocínio bricolagem”? Ele pressupõe a competência individual para selecionar e montar seu próprio produto consumível. Isto explica porque há uma queda no mercado fonográfico – poucas pessoas se interessam por comprar CDs, quando podem “baixar” as faixas preferidas de seus CDs através da internet, montando sua própria coletânea. Algumas artistas, sensíveis a este comportamento, estão disponibilizando faixas musicais em sites, vendendo-os separadamente.

O mesmo raciocínio bricolagem afeta a vivência religiosa do século XXI. Religião é encarada como uma prestação de serviços, estando esta em constante busca por oferecer opções a um mercado exigente. A fidelidade religiosa não é tão relevante como estar satisfeito com os serviços prestados; afinal, pode-se trocar uma prestadora (igreja) por outra.

Dentro deste prisma, o conteúdo bíblico-doutrinário é um interesse periférico. Busca-se uma igreja que dê suporte para a união matrimonial, que ofereça assistência a adictos, e cujos cultos sejam atraentes (daí a relevância dos ministérios de louvor), que apresentem alternativas que permitam engajar-se em uma área qualquer (social, lúdica, artística, etc.).

Para atender a esta demanda, os ministérios cristãos têm, grosso modo, se pautado por uma política de acompanhar as tendências de mercado a risca, mudando suas estratégias, à medida que seguem uma postura empresarial (a imagem do pastor como um empresário bem articulado substitui a do clérigo protestante austero em seus modos e respeitado pela sua autoridade doutrinária). Hoje se pode falar de um ministério iconográfico, que exerce influência por meio da manipulação pessoal da congregação, seja pelos recursos teatrais de sua oratória, ou pelo carisma pessoal (sempre ligado ao sobrenatural, o que se deve à unção do ministro que se afirma como porta-voz do Ser Sagrado e também a ser ele um auto-proclamado agente de libertação, com poder de curar, exorcizar, etc.).

O adorador-cliente faz sua própria Religião como quem escolhe o recheio de um sanduíche em um shopping – center. Com isso, o poder da Revelação divina feita dentro da História fica reduzido a uma parte da própria História, perdendo seu aspecto normativo universal. A obediência do homem a Deus perde sua importância; sugiro que o desprestígio da obediência concreta seja diretamente responsável à falta de maturidade espiritual que os cristãos do século XXI experimentam.

Grupos cristãos tradicionais se vêem na encruzilhada de assimilar, ainda que timidamente, as estratégias empregadas pelas igrejas-empresas ou manter-se como um gueto, inacessíveis para os não-cristãos. É claro que há uma alternativa: para reverter o quadro, seria necessária uma mudança de enfoque, tanto para atrair as pessoas secularizadas mostrando as áreas de serviço da igreja (através de cursos, palestras, encontros especiais), ao mesmo tempo em que não se descuidasse de fornecer uma acessória para as pessoas já cristãs, enfatizando sistematicamente a doutrina bíblica, não como uma bolha boiando no vácuo, mas a doutrina contextualizada com a época em que estamos.

Como em qualquer outro período da História, há desafios e oportunidades. Da conjunção de ambos, tem-se o espectro de nossa realidade, frente à qual os cristãos fiéis à comissão bíblica (não só evangelizar, não só conservar o conteúdo doutrinário, porém, evangelizar com conteúdo – Mateus 28:19 e 20) são chamados a militar como adoradores que têm o testemunho de Jesus e guardam os mandamentos de Deus (Apocalipse 12:17), revelando ao mundo a urgência de adorar o Criador (Apocalipse 14:7).


Fonte: Questão de Confiança


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