O Adorador

O Narcisista Espiritual

por: Rabino Shmuley Boteach

[O texto de Números 16] trata da rebelião de Coré, um primo de Moisés, o qual alega que também merece um cargo de liderança, assim como o grande legislador.

Coré afirma que Moisés usurpou o poder por razões de engrandecimento próprio. Moisés, de quem a Bíblia declara ser o homem mais humilde da terra, age de maneira diferente de seu caráter, ficando visivelmente irado, e diz a D-us [*], “Não atentes para a sua oferta; nem um só jumento tomei deles, nem a nenhum deles fiz mal.” Moisés está declarando que nunca agiu motivado pelo ego. Aquilo que ele fez, ao estabelecer a estrutura da liderança judaica, foi segundo a ordem de D-us. No final, as coisas não saem muito bem para Core e seus associados. Eles são engolidos pela terra, e nunca mais se ouviu falar deles.

Core é como muitas pessoas que praticam a religião. Desejam estar perto de D-us, desejam ser elevadas acima das pessoas. Mas a sua motivação é que D-us faça algo por elas. Querem que a religião preencha o vazio de suas vidas, querem que ela as ajude a crescer.

Coré ama a D-us e quer se aproximar dEle. Fica perturbado, porque Moisés está mais perto do que ele. Mas enquanto Moisés serve a D-us conforme Suas ordens, o desejo de Coré é preencher um vazio interior. Não tendo significado e propósito na vida, ele se volta para D-us para preencher este espaço.

A verdadeira religião é centrada em D-us. Ele deve ser o clímax de nossas vidas, e todas as nossas ações devem ser pautadas pela Sua vontade. Rejeito frontalmente esta noção superficial de que a religião é planejada para ajudar o nosso crescimento. Nós não somos plantas. Se você deseja crescer, coma os seus cereais matinais.

Ao contrário, a religião e a vontade de D-us devem ser obedecidas mesmo que, às vezes isto te aborreça. Você não se casa para crescer como pessoa. Fazer isso seria entrar em um relacionamento para usar o teu cônjuge para os teus próprios objetivos espirituais. Você se casa porque tem amor para oferecer e quer fazer alguém feliz.

Mas Coré representa o homem ou a mulher que vai à igreja ou à sinagoga buscando o oposto. Querem que Deus cuide de suas necessidades. Querem que o culto na sinagoga lhes forneça as mesmas boas sensações de um concerto de Bruce Springsteen. A sua religião é centrada no homem. A religião deve movê-los, iluminá-los e fazê-los crescer. A religião existe para refinar o seu caráter. Eles se aproximam de D-us para seus próprios propósitos, por mais nobres que sejam. (…)

O símbolo máximo clássico do judaísmo [mostra] precisamente o oposto. Abraão está preparado para sacrificar seu filho Isaque, conforme a ordem de D-us. Os seres humanos existem para executar a vontade divina, sejam quais forem as consequências. Nós estamos aqui para D-us, e não o oposto. (…)

Coré é o arquétipo de todos aqueles que vão à sinagoga para encontrar enlevo espiritual, que vão à igreja para se sentirem inspirados, que praticam o budismo para encontrar iluminação. E se alguma dessas religiões falha em prover isto, eles se frustram, porque o propósito da religião, na sua perspectiva, é a autoedificação.

Este é um estado mental egoísta, que simplesmente estende o narcisismo ao ambiente espiritual. É esta obsessão consigo mesmo que tem trazido tantas crises ao mundo moderno. Em essência, é o estado mental do consumidor. Tudo existe para o seu benefício. Como o PacMan, ele devora tudo em seu caminho, incluindo o próprio D-us. Esta é a mente do utilitarista, que enxerga utilidade pessoal em tudo o que encontra.

Por esta razão, a punição de Coré e seus seguidores é diferente de qualquer outra encontrada na Bíblia. Ele é engolido pela terra, e nunca mais se ouviu falar dele. Seu fim reflete a sua própria essência. Em sua vida ele foi um buraco negro, sugando o oxigênio de todos que encontrava. Sua morte refletiu esta mesma instabilidade. Uma terra que ele havia saqueado para seus próprios propósitos o tragou de um só golpe, e nunca mais se ouviu falar dele.


[*] – Nota do tradutor: Respeitando o original, foi mantida, nesta tradução, a tradição judaica de não escrever todas as letras do nome de Deus, quando é utilizado um meio volátil (como papel ou mídia eletrônica). Isso porque o próprio nome é sagrado e, portanto, indestrutível, já que representa o próprio Deus. Assim, todas as referências a este Nome são grafadas como “D-us” (no original, “G-d”). (voltar)


Fonte: Jewish Journal

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Junho de 2011


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