O Adorador

O Cristão e a Música Secular

por: Levi de Paula Tavares

Algumas pessoas tem me escrito mensagem com perguntas, as quais considero estarem interligadas e que, por sua importância, merecem ser analisadas com cuidado. Algumas dessas perguntas são: É pecado, para um cristão, ouvir músicas seculares? Um cristão que ainda não abandonou a música secular está perdido? O cristão só deve ouvir louvores?

Na verdade, não é possível responder à pergunta sobre o ouvir músicas seculares com um mero “sim, é pecado” ou “não, não é pecado”; a questão é um pouco mais complexa. Primeiro, podemos perguntar: O que é pecado? A primeira resposta que nos vem à mente é o texto de I João 3:4 – “Todo aquele que pratica o pecado transgride a Lei; de fato, o pecado é a transgressão da Lei.” (NVI)

Se olharmos apenas este texto bíblico, ficaremos com o conceito de que basta olharmos os 10 Mandamentos e, se os obedecermos, não estaremos pecando. Mas a versão Almeida Revisada traduz este verso da seguinte forma: “Todo aquele que vive habitualmente no pecado também vive na rebeldia, pois o pecado é rebeldia.” Vemos aqui uma definição mais abrangente e mais subjetiva para a palavra “pecado”. Na verdade, o próprio João, se seguirmos a leitura até o verso 10, explica melhor a questão do pecado: quem peca é quem faz as obras do diabo. Assim, para resumirmos, se compararmos este trecho com outras passagens bíblicas, veremos que pecado é tudo aquilo que nos afasta de Deus e da Sua vontade. Aí surge outra pergunta: A música pode realmente nos afastar de Deus? Se sim, que tipo de música pode me afastar de Deus e que tipo de música me aproxima dEle? Todos os meus estudos, como é possível constatar pelos artigos publicados no site (Música Sacra e Adoração) , do qual sou o editor, demonstram que sim, a música pode me afastar ou me aproximar de Deus. Portanto, algumas músicas seriam pecaminosas, enquanto outras não seriam.

Porém, para compreendermos plenamente o problema, temos que estabelecer algumas bases para esta discussão: Primeiro,  é muito importante enfatizar que estamos analisando o uso da música secular fora do ambiente da igreja, em momentos de entretenimento pessoal e não de adoração. É evidente que o que é secular não tem lugar no ambiente sagrado. A palavra de Deus é contundente quando diz: “Não profanareis o meu santo nome, e serei santificado no meio dos filhos de Israel. Eu sou o Senhor que vos santifico” (Levítico 22:32) Este texto, juntamente com o relato do episódio em que Nadabe e Abiú trouxeram fogo estranho perante o Senhor e foram consumidos (Levítico 10:1-2), deixa claro que nada que não tenha sido consagrado a Deus pode se usado na adoração a um Deus santo.

Outro ponto importante que precisamos esclarecer é que neste momento vamos nos ater à discussão da “música”, sem considerar, agora, a letra. Isso porque a letra transmite sua mensagem de forma objetiva, ou seja a mensagem é clara. É possível analisar a poesia escrita, avaliando-a à luz dos ensinos teológicos da igreja e assim atestar a sua compatibilidade com aquilo que a igreja prega. Podem surgir, no máximo, dúvidas de interpretação de texto, mas, de forma geral, o conteúdo da letra é claro. Porém, com a música, tudo é diferente. Ela é um encadeamento de sons que ocorrem no tempo e que nos influenciam, criando estados mentais, levando nossa mente a fazer associações com situações ou momentos já vividos, alterando vários aspectos da nossa fisiologia e sugerindo ideias, sentimentos e sensações. Por esta razão, dizemos que a mensagem da música é subjetiva, ou seja, não é clara e pode inclusive ter significados ligeiramente variados de pessoa para pessoa. Evidentemente que esta variação de significados não é muito grande, pois se fosse assim, as trilhas sonoras de filmes não teriam o impacto que sabemos que elas têm, de maneira muito semelhante, sobre todas as pessoas, em qualquer cultura. 

É preciso notar que, ao deixarmos de analisar a letra, não estamos diminuindo a importância da letra na influência de uma canção sobre o ouvinte. Sabemos que, na música sacra, é a letra que deve ter a primazia, tal é a importância que ela tem. Estamos apenas afirmando que é muito fácil compreender a mensagem de uma letra e que, por este motivo, não nos deteremos aqui na discussão deste elemento de uma canção. O real problema acontece na análise da música em si, porque a maioria esmagadora dos cristãos não realizam esta análise, seja por carecerem das ferramentas necessárias, seja por não estarem dispostos a fazer esta análise. E não podemos dizer que esta análise deveria ser feita pelo diretor de música, pelo líder do louvor, pelo ancião, pelo pastor. Cada um de nós deve responder diante de Deus pelas suas próprias escolhas e decisões, dentro da luz que possuímos. Jogar a responsabilidade para outros não resolve o problema na minha vida espiritual.

Vemos então que, para respondermos corretamente a questão sobre a música secular, temos que tentar compreender a mensagem da música (independente da letra) e aí sim, vermos se esta mensagem (ou influência) nos afasta de Deus ou não. Uma das formas que algumas pessoas tentam usar para julgar a validade de algumas músicas é tentar julgar o compositor destas músicas. Desta forma, argumentam, por exemplo, que Beethoven era ateu, Mozart era um devasso, Tchaikovsky era homossexual e assim por diante. Segundo este argumento, não deveríamos usar qualquer música composta por estes mestres, uma vez que sua vida não era compatível com a vida de um cristão e, portanto a sua música estaria “contaminada” por seus hábitos não recomendáveis. A estas pessoas diríamos que não é o nosso papel rotular ou julgar as pessoas. A música, para ser questionada, deve ser julgada por si mesma, pelo que ela é, dentro do nosso contexto atual. Alguns diriam que não é possível uma fonte poluída fornecer água pura, mas a estes eu perguntaria como é que o puro lírio branco pode nascer na podridão de um pântano fétido. 

Para compreendermos melhor, podemos fazer uma analogia: quando ingerimos uma comida, não nos preocupamos se ela foi produzida por um evangélico ou por um ateu. O que nos importa é que benefício ou malefício aquele alimento vai nos trazer. Se só comemos apenas alimentos que não são saudáveis, que são ricos em gorduras, nosso corpo será fraco, gordo, sem vitaminas e com o sistema imune deficiente. Sofreremos de vários problemas de saúde e a nossa expectativa de vida, tanto em qualidade quanto em longevidade, será diminuída. Se, contudo, comemos alimentos saudáveis, naturais, em uma dieta equilibrada dos vários nutrientes, nosso corpo será saudável, forte e bem equilibrado. Temos que admitir, infelizmente, que esta análise normalmente não é feita, e as pessoas comem com base apenas no gosto. E por causa disso, vemos a população sofrendo de diversos males que seriam perfeitamente evitáveis. Com a música acontece exatamente da mesma forma. Se ouvimos músicas (sem se preocupar agora com a letra) que nos elevem, que sejam apropriadas para a nossa espiritualidade, que façam bem à nossa mente, a fonte de onde essas músicas vieram não é tão importante quanto o benefício ou malefício que elas poderão causar à nossa mente e à nossa espiritualidade. Assim como com os alimentos, o julgamento musical não é apenas uma questão de gosto, mas de efeitos.

Em virtude destas diferenças, vistas acima,  entre a mensagem subjetiva da música e a mensagem objetiva da letra, a argumentação de alguns de que o cristão só deve ouvir louvores e que, se um cristão age desta forma, está seguro de influencias mundanas, é, no mínimo, ingênuo e desinformado, podendo chegar a ser mal-intencionado. Afirmo isto porque, embora a letra possa ser teologicamente correta, a música pode não ser apropriada para transmitir este conteúdo teológico, já que, como vimos, a análise da música é bem mais complexa e exige um grau maior de discernimento, em virtude da sua subjetividade. Quando isto ocorre, o cristão que se expões a estas músicas pode, efetivamente, estar recebendo influências mundanas, mesmo que a letra seja teologicamente correta. A sutileza do engano satânico está em que quase todos ouvem essas músicas, crendo que isso os levará para mais perto de Deus. Mas a única coisa que estas músicas podem fazer é excitar as emoções (que muitos confundem com a operação do Espírito Santo) e superficializar e banalizar a experiência religiosa, tornando o culto um mero entretenimento. Seria um engano, ingênuo ou consciente, acharmos que toda e qualquer expressão de adoração que parte do homem é verdadeira. O homem possui um coração enganoso e uma mente limitada (Jeremias 17:9; Isaías 55:8-9). Essas duas coisas produzem um erro que não é percebido facilmente pelo homem, especialmente quando a maioria ao seu redor está envolvida neste mesmo erro (II Timóteo 3:1-5; II Timóteo 4:3-4).

Da mesma forma que muita coisa não adequada pode ser encontrada na música utilizada nos cultos, muita coisa de valor pode ser encontrada na música secular. Não é porque não é de origem cristã que, necessariamente, é pecado. Por exemplo, poderia ser pecado cantar as virtudes do amor sincero e verdadeiro? Seria pecado cantar as belezas da natureza, de um lugar lindo e inspirador, do qual a pessoa sente saudades? Verdadeiramente, eu não creio que isto seja pecado. O amor sincero e verdadeiro não é um dom divino? A natureza não é criação de Deus? Os sentimentos puros e sinceros não foram implantados no nosso coração pelo Criador? 

Não é certo nos encastelarmos numa torre de marfim, nos trancarmos em uma redoma de vidro, a fim de tentarmos fugir das influências maléficas do mundo. Se fizermos isto, estaremos deixando de ser o “sal da terra”, pois, se por um lado, não recebemos influências maléficas, não estaremos exercendo o nosso papel de influenciar beneficamente o mundo. O que acontece se o sal perde o seu sabor? (Mateus 5:13)  Nosso exemplo maior, Cristo, não deixou de andar com publicanos, comer com pecadores, conversar com os rejeitados, impuros e excluídos da sociedade daquela época. Contudo, por outro lado, não podemos nos esquecer que o próprio Deus nos ordena a sermos santos e não nos contaminarmos com as coisas impuras do mundo, nem amarmos as coisas que o mundo oferece (Levítico 20:26; Mateus 6:24; Tito 2:12; Tiago 4:4; I Pedro 1:14-16; I João 2:15-17). Como resolver esta aparente contradição, este paradoxo? 

O discernimento espiritual deve ser buscado na própria fonte de toda a verdade, através da oração e do estudo da Palavra de Deus. A nossa própria vontade, o nosso próprio gosto não pode ser o parâmetro seguro pois, como já vimos, o coração do homem é enganoso. Voltando ao exemplo de Cristo, ele se misturava com pecadores sim, mas depois de passar noites inteiras em oração (Lucas 6:12). Ele, que era o Filho de Deus, não ousava entrar em contato com o pecado sem antes buscar forças para resistir a ele. Será que não estamos querendo, neste aspecto, ser mais poderosos do que o próprio Jesus? Não estaríamos nós, quando se trata de nossas escolhas musicais, nos permitindo um contato com influências malignas sem antes nos revestirmos de “toda a armadura de Deus” (Efésios 6:11-13)? Seria muita presunção de nossa parte tentarmos fazer isto, não é? Isto sim, seria um grande pecado… (Tiago 4:16).

Assim, é evidente que precisamos ter cuidado em selecionar as músicas que ouvimos (sejam seculares ou não), bem como as letras que essas músicas nos transmitem; precisamos discernir que efeito este conjunto (letra e música) terá sobre a nossa mente e a nossa vida espiritual. Mas, da mesma forma, quando questionados sobre assuntos espirituais, precisamos fugir da resposta simplista de que, sendo da igreja, é certo, não sendo da igreja, é pecado. Conforme espero ter demonstrado, existem mais coisas que precisam ser consideradas na questão da música secular ou sacra. Cada música precisa ser analisada por si mesma, por seus valores, seus efeitos, seus resultados. Esses resultados, precisamos nos lembrar, tem conseqüências eternas!

Concluindo, diríamos que todas as escolhas musicais do cristão não devem estar rotuladas, mas precisam estar de acordo com Filipenses 4:8 “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai.”


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