A Adoração

Senhor de Nossa Adoração – José Miranda Rocha

por: José Miranda Rocha

Todas as questões que afetam a vida do ser humano e de outros seres criados se resumem em responder à seguinte pergunta: “A quem, ou o que, adoramos?” Adorar ou cultuar é parte constitutiva de toda religião. Assim como as religiões diferem entre si, o mesmo ocorre com as formas de culto e adoração, que vão desde a veneração supersticiosa de objetos materiais até as mais elevadas manifestações espirituais.

a name=”1a”>Brenner declara: “Adoração [verdadeira] é o que acontece quando um homem torna-se plenamente consciente da presença e propósito de Deus”.[1]< É C. Raymond Holmes quem afirma que a "verdadeira adoração é uma expressão de fé".[2] Adorar a Deus é reconhecer Seu valor de dignidade como Criador, Mantenedor e Restaurador de toda a criação. É uma atitude ou ato de reconhecimento e dependência dEle como Supremo Ser. O termo grego traduzido por adorar ou prestar culto, proskyneo, enfatiza o ato de prostração e reverência em submissão a Deus.

Há duas esferas de adoração – individual e pública. Na esfera individual, adoramos a Deus pela oração, o estudo da Bíblia, pela atitude de obediência aos Seus mandamentos. A adoração ou culto público é a expressão da comunidade de adoradores. Em ambos os casos, a necessidade primária para que alguém comece a adorar a Deus é a percepção de Sua existência, dignidade ou santidade e grandeza diante do Universo da criação. Isaías, ao ver “o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”, também ouviu o louvor dos serafins dizendo: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a Terra está cheia da Sua glória”. (Isaías 6:1 e 3). Em seu discurso aos atenienses, Paulo declarou: “Pois nEle vivemos, e nos movemos, e existimos…”. (Atos 17:28). É na esfera individual que a adoração comunitária tem a sua origem. De todo aquele que se aproxima do Senhor para adorá-Lo, exige-se que reconheça a Sua santidade e dignidade.

“Adorar a Deus é o caminho para o crescimento espiritual, tanto pessoal como corporativo (Rom. 12:1-2; I Ped. 2:9-10). Pessoal porque o trato primário de Deus é em nível individual e corporativo porque a experiência de adoração envolve não apenas aspectos psicológicos, mas também sociais, culturais e históricos”.[3]

A lição desta semana focaliza o tema da adoração, com o objetivo de relacionar o que o verbo adorar deve significar na vida das pessoas que vivem sob a soberania de Cristo. Ao demorar-se no assunto, o estudante da Lição da Escola Sabatina deve manter a expectativa de ser confrontado com a histórica pergunta dirigida por Elias ao povo de Israel: “Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-O; se é Baal, segui-o” (I Reis 18:21). Há duas razões para esperar este confronto: Em primeiro lugar, porque adoração é o tema central do grande conflito entre Cristo e Satanás. Em segundo lugar, porque há o perigo de o adorador sincero estar praticando falsa adoração. Deus espera uma resposta afirmativa em relação à Sua soberania. E a melhor maneira de expressá-la é adorando-O “em espírito e em verdade” (João 4:23).

I. O enfoque da nossa adoração

O Deus único e verdadeiro deve ser Aquele a quem adoramos. Pela mensagem do primeiro anjo, somos chamados a adorar o Criador: “… e adorai Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (Apoc. 14:7). A terceira mensagem adverte: “Se alguém adorar a besta… esse beberá do vinho da cólera de Deus” (Apoc. 14:9 e 10). O imperativo de adorar unicamente a Deus é estabelecido de modo claro na resposta de Cristo à tentação de Satanás: “Retira-te, Satanás, porque está escrito: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a Ele darás culto” (Mat. 4:10). Brunner comenta que “o foco de cada tentação é a ardente determinação de Jesus para considerar Deus como Deus… Deus era real para Jesus. E Jesus decidiu sob, contra, e através da tentação, ser leal com Deus”.[4] Ao repelir o tentador, Jesus valeu-se da Palavra revelada e buscou a declaração de Deuteronômio 6:13, uma referência óbvia de que o Único Deus a quem o ser humano deve adorar é Aquele que Se faz conhecer como o Criador e Libertador, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó; o Deus a quem Jesus veio revelar (João 1:18).

Nos quatro primeiros mandamentos da Lei, há evidente repulsa de qualquer insinuação da idolatria, em apoio à atitude de Cristo no deserto da tentação. Mas é necessário destacar o fato de que nem sempre a idolatria corresponde a curvar-se ou ajoelhar-se diante de objetos visíveis de adoração. Somos idólatras quando abrigamos acerca de Deus pensamentos que não correspondem à realidade de Seu Ser e existência, ou que sejam indignos de Sua exaltada santidade. Para adorar a Deus, precisamos saber quem Ele é, ler nas Escrituras Sua auto-revelação ao Seu povo, meditar em Seus atributos; e, sobretudo, aceitar pela fé Sua manifestação em Cristo.

Por ser a adoração o tema do grande conflito que a todos nos envolve e no qual nosso destino eterno é decidido, a observação de Ellen G. White torna-se sobremodo importante: “Muitos há que não consideram esse conflito entre Cristo e Satanás como tendo relação especial com sua própria vida; pouco interesse tem para eles. Mas, essa luta repete-se nos domínios de cada coração”.[5]

As razões para adorarmos a Deus começam com a consciência de que Ele é nosso Criador, enquanto nós somos “ovelhas de Sua mão” (Sal. 95:6-7). A eternidade é um dos atributos absolutos do Criador. O livro de Apocalipse identifica-O como “Aquele que era, que é e que há de vir… o que vive pelos séculos dos séculos… [Aquele, por cuja vontade, todas as coisas] vieram a existir e foram criadas” (Apoc. 4:8-11). Outro motivo para a adoração a Deus é a percepção de Sua santidade; por isso, somos convocados a exaltar ao “Senhor, nosso Deus” e prostrar-nos ante o Seu santo monte, porque santo é o Senhor, nosso Deus”. (Sal. 99:9). Um terceiro motivo encontra-se na nossa redenção conquistada pelo sangue do Cordeiro derramado na Sua morte para comprar “para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Apoc. 5:9). Um quarto motivo para nos prostrarmos diante de Deus é o Seu amor mantenedor, provado cada dia ao recebermos a vida e os elementos que a sustentam. Ele não é apenas o Eterno, mas o Onipotente que tem feito grandiosas coisas, o Senhor que age em bondade, fidelidade, justiça e misericórdia em favor do Seu povo, e mesmo dos ímpios.

A tentação de adorarmos outro objeto ou ser que não seja o próprio Deus é algo presente no dia-a-dia dos seres humanos. Jan Paulsen lembra que “embora o mundo hoje tenha-se tornado sofisticado, a tentação de permitir algo no lugar do verdadeiro Deus ainda existe entre nós. As escolhas de hoje podem ser a busca persistente de poder, fama, glória terrena, auto-admiração, riqueza ou outra das atrações em voga atualmente, mas o efeito é o mesmo: substituir e distorcer o desejo que Deus colocou em nós de adorá-Lo. Freqüentemente exaltamos as coisas utilitárias na vida; e, quando elevadas acima de nossa dedicação a Deus, elas se tornam ídolos, os falsos deuses de nossa época”.[6]

Em artigo intitulado “Culto Ideal”, publicado na Revista Adventista, o Pastor Eber Liesse aponta para formatos e conteúdos litúrgicos que tomam o lugar de Deus na adoração. Liesse cita Robinson Cavalcanti, cientista político e ministro anglicano, que identificou cinco formas diferentes nos cultos protestantes: o “culto no livro”, o “culto do livro” ou “culto-aula”, o “culto catarse”, o “culto-show” e o “culto espetacular”.[7] Em todas essas situações litúrgicas, Deus é passado por alto e outro objeto ganha a atenção, o respeito e a reverência do adorador.

Há também o perigo de aceitarmos a adoração que outros desejam prestar à nossa pessoa, a exemplo do que ocorreu com Paulo e Barnabé em Listra, após a cura de um paralítico de nascimento. A percepção idólatra dos habitantes daquele lugar foi assim expressa: “Os deuses, em forma de homens, baixaram até nós”. Com isto em mente, desejavam prestar culto aos dois evangelistas e oferecer sacrifícios (Atos 14:11). A correta resposta de Paulo e Barnabé modela a atitude de firmeza e fidelidade de não permitirmos culto à nossa pessoa: “Senhores, por que fazeis isto? Nós também somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo que há neles” (verso 15). Embora venhamos a conceber como idólatra a atitude dos moradores de Listra, devemos estar alerta para o fato de que a mesma se repete no dia-a-dia de nossas relações humanas no mundo contemporâneo, envolvendo até pregadores e líderes religiosos. Lamentável, porém, é que parece haver por parte dos humanos uma aceitação da reverência devida somente a Deus. Há pregadores que se sentem confortáveis em receber o culto prestado à sua personalidade e realizações, quando a glória é devida somente ao Senhor.

II. O sábado e a adoração

Os adventistas do sétimo dia têm o dever e privilégio de reconhecer que Deus, o Criador, é o único que merece nossa adoração. O sábado é uma lembrança constante aos fiéis seguidores de Cristo apontando para quem devemos adorar. Constante porque somos recordados acerca deste fato em uma freqüência diária e semanal. Em Êxodo 20:8-11, somos motivados a “lembrar”, na perspectiva do passado, pois Ele é o Criador, mas também na perspectiva do presente, visto que a lembrança deve motivar-nos ao planejamento de atividades diárias e semanais com o objetivo de desfrutarmos de um tempo de cessação dessas atividades e, então, adorar o Senhor na beleza de Sua santidade.

O sábado é a maior convocação para a adoração corporativa prestada pela humanidade ao Criador. Embora seja um dia reservado ao repouso físico e mental pela interrupção das atividades comuns, é também um tempo de atividade de natureza espiritual, pois o Senhor espera que Seus adoradores “O adorem em espírito e em verdade” (João 4:24). Para não extenuar os adoradores com cansativas horas de permanência no ambiente da igreja, é mister que o serviço de culto tenha a marca da espiritualidade e do equilíbrio ao ser planejado.

Por ter sido estabelecido no Éden (Gên. 2:1-4), o sábado representa um chamado universal para a humanidade adorar o Criador. Este conceito está presente de modo implícito na primeira mensagem angélica de Apocalipse 14:6 e 7. A adoração é o tema do conflito entre Cristo e Satanás. Apocalipse 14 é a mais solene convocação para adorar o único Deus, Criador e Redentor. Mas é, ao mesmo tempo, a mais séria advertência sobre o que implica a falsa adoração. A convocação deve ser anunciada nos termos do “evangelho eterno”, isto é, a pura revelação da obra de Deus em Cristo. O resultado da aceitação da mensagem do evangelho é uma vida de fé e obediência ao Senhor (Apoc. 14:12).

III. Adoração de coração: expressões da devoção e da liturgia

A prática da adoração envolve todo o ser, o que corresponde ao uso da mente, do corpo, em expressões inteligentes e emocionais, e em atitudes de reverência, aceitação e participação. A santidade devida a Deus como objeto da adoração não exclui a alegria por estar em Sua presença e na companhia daqueles com quem compartilhamos as mesmas crenças, expectativas e promessas. O coração deve estar presente, seja na forma da felicidade do louvor, na alegria da salvação, na obediência aos mandamentos divinos, na aberta receptividade para o outro adorador.

Embora as formas litúrgicas sejam necessárias para uma expressão de culto que dignifique o Criador, há o risco de vê-las como um fim em si mesmas e valorizarmos o ritual, em lugar do Senhor. Culto mecânico e rotineiro tende a se transformar apenas em momento cansativo e exigência religiosa. Esta atitude é denunciada pelo profeta Isaías como um escape da hipocrisia e transgressão (Isa. 29:13), uma tentativa de substituir a obediência pelo formalismo ritual.

Há beleza na santidade de Deus, pois este atributo expressa a simetria do Seu caráter, o equilíbrio de Sua justiça, a amplidão do Seu amor, a grandeza dos atos criadores e redentores. O chamado para adorarmos “o Senhor na beleza da Sua santidade” (I Crôn. 16:29) é oportunidade para questionarmos o estado de nosso coração, a condição de vida que levamos, se santa ou mundana. É também um momento de indagarmos sobre as condições ambientais presentes no edifício da igreja, seja a qualidade do som, o estado físico do edifício e dos móveis, a limpeza etc. O Senhor espera ser adorado em um culto bem planejado, no qual seja visto o lugar de centralidade da Palavra, e a reverência da música e das orações.

Mas se isto é verdade em relação à adoração pública e corporativa, é uma necessidade a começar na esfera individual de devoção e culto ao Senhor. Se priorizarmos Deus em nossa vida pessoal e familiar, o melhor deve ser dedicado a Ele, quer em termos de tempo, lugar e programa. O culto prestado a Deus pelo indivíduo nunca deveria ser marcado pela pressa ou pelo descuido de uma forma adequada com a santidade dAquele a quem adoramos. Tudo deve ser feito com o máximo de esmero e cuidado, sem cair na frieza do formalismo ou no vazio da informalidade.

IV. O efeito de nossa adoração

Mudança de vida é a mais evidente conseqüência da verdadeira adoração. Há três resultados esperados quando adoramos a Deus “em espírito e em verdade”: (1) A transformação da vida. O adorador cresce em espiritualidade na proporção que adora o Criador e Redentor, pois “há plenitude de alegria” (Sal. 16:11) na presença de Deus. A genuína espiritualidade é equilibrada em sua forma de expressão, nunca tendendo para o rebaixamento emocional, frio ritualismo e formalismo, nem desequilibrado foco de culto apenas racional. (2) Obediência ao Senhor, na forma expressa de Seus mandamentos, preceitos e orientações. Aqueles que respondem afirmativamente à primeira mensagem são identificados como os que “guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus”. (Apoc. 14:12). Richard J. Foster, acertadamente, assim expressa esse conceito: “Justamente como o culto começa em santa expectativa, finda em santa obediência”.[8] (3) Participação na missão de Deus é outro resultado esperado por estarmos em Sua santa presença. C. Raymond Holmes pontua: “Depois que Deus purifica, vem o chamado, assim como aconteceu para Isaías: “A quem enviarei, e quem irá por Nós?” Quando o pecado é eliminado e perdoado, o adorador é capaz de ouvir a voz de Deus e de obedecer ao Seu chamado. O chamado ao discipulado e serviço vem onde a santidade e o pecado se tocam. Aqueles que foram purificados pela brasa viva do altar do Calvário, nunca mais serão os mesmos. Têm um novo Mestre e uma nova causa. Se devemos nos tornar aptos para o Seu reino e Seu serviço, precisamos ter também um encontro semelhante com o Deus santo”.[9]


Notas:

[1] Citado por Norval Pease, “And Worship Him” (Nashville, TN: Southern Publishing Association, 1967), p. 24.

[2] C. Raymond Holmes, Sing a New Song (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1987), p. 23.

[3] Miguel Angel Darino, “A Adoração e A Bíblia“, (disponível no site Música Sacra e Adoração).

[4] Frederick Dale Bruner, Matthew (Dallas, TX: Word Publishing, 1987), 1:114.

[5] Ellen G. White, O Desejado de todas as nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), p. 116.

[6] Jan Paulsen, “A Quem Adoramos?“, Revista Adventista, Outubro de 2002, pp. 4-6.(disponível no site Música Sacra e Adoração).

[7] Eber Liesse, “O Culto Ideal – Como Tornar Significativa a Adoração“, Ministério, julho-agosto de 2004, p. 24.(disponível no site Música Sacra e Adoração).

[8] Richard J. Foster, The Celebration of Discipline (San Francisco, CA: Harper & Row, Publishers, 1978), p. 148.

[9] C. Raymond Holmes, “Em Busca da Verdadeira Adoração Adventista“(disponível no site Música Sacra e Adoração).


Fonte: http://www.cpb.com.br

Tags: